sábado, 24 de janeiro de 2009

CAPÍTULO VIII O PRIMEIRO VARÃO

Enquanto seus irmãos iam ascendendo, Vitor continuava sua “vidinha”, sem maiores ambições. Terminando a faculdade de Letras, começa a cursar Pedagogia.
Genaro ia subindo na empresa e se tornava supervisor, ao passo que Paulo, com curso de Direito e especializações técnicas, agora cursava Engenharia e unia os conhecimentos técnicos aos jurídicos, se fazendo notar com advogado da empresa.
A filial, na qual Vitor trabalhava, não ia bem e foi feito um acordo com os funcionários, que seriam demitidos e readmitidos por outra empresa que a compraria. Sendo assim, Vitor não teria mais nenhum vínculo com a empresa deixada pelo pai. Orgulhoso como era, Vitor de alguma forma queria se vingar do pai depois de morto.
Ainda era ligado em política, ajudava perseguidos políticos e com grande habilidade sem dar a perceber.
Os tempos, no entanto, estavam mudando e o Brasil comemorava a volta de vários militantes dos tempos da resistência que eram anistiados, à sua “Pátria mãe gentil”. Entre estes, estariam os gêmeos Olavo e Otávio, que, é claro, comemorariam a chegada regada a muito chope com o amigo Vitor.
Helena, procurava se conformar, seu casamento agora era de “altos e baixos”, brigas e reconciliações. Ainda existia amor. O apaixonado Vitor sabia muito bem como dominar sua amada, que muitas vezes amolecia ao primeiro beijo.
O agora General Carajás esperava por seus últimos anos de exercício e conseguira fixar-se no Rio.
Vitor ia bem na empresa, mas uma situação inesperada mudaria o curso de sua vida: com o falecimento repentino do novo proprietário, Sr. Augusto Rocha, sua única filha, Isaura, passava a manobrar os negócios, já que sua mãe pouco entendia destes.
Isaura não era o que se poderia considerar excelente profissional. Era do tipo que conseguia o que queria, a autêntica “filhinha de papai rico”. Era inegavelmente uma bela moça, alta, morena de longos cabelos e olhos verdes, que naturalmente enchia os olhos de muitos homens. Com sutileza, tentava se chegar a Vitor, elogiando seu trabalho. Este, porém, percebendo suas intenções, não lhe dava importância.
Numa de suas costumeiras noitadas de chope, Isaura se convidara e para a sorte de Vitor, os amigos Olavo e Otávio estavam presentes, observando as suas verdadeiras intenções. Num momento em que estes conversavam um pouco afastados da mesa, Isaura sentara-se próxima a Vitor, insinuando-se:
- Vitor sabe que você é muito atraente?
- Hã...Como?
- Você é muito bonito, Vitor. – de surpresa da-lhe um beijo, não sendo correspondida. Sem perder a pose, Isaura continua sua investida, desafiando-o:
- Que há, rapaz? Tem medo de mulher?
- Absolutamente, gosto muito de mulher; da minha mulher. Por isto mesmo estou casado com ela há sete anos.
- É? Esta fase é a pior. É quando começam as “puladas de cerca”.
- Eu bebi o chope, mas não perdi o juízo.
Isaura chegava a irritar-se com a segurança de Vitor. Este, percebendo o insistente assédio da chefe, procura de uma maneira elegante desvencilhar-se dela chamando os amigos:
- Olavo, Otávio! Vamos embora? Ou vocês ainda querem ficar?
- Nós não vamos abandonar nosso colega de chope! – brinca Otávio. - Né, mano?
- Claro, apoiado! – reforçou Olavo.
- Vamos turma!
- Até a próxima. – despede-se Isaura, mantendo um olhar insinuante para Vitor, dando a entender que ainda se convidaria outras vezes. No caminho de volta, os gêmeos aconselham o amigo:
- Vitor, olho nesta mulher. – alerta Otávio.
- É isto aí. – concorda Olavo. – Só por vingança, ela ainda pode aprontar contigo, deu pra perceber o jeito que ela se derretia.
- Falou e disse, mano – apoia Otávio. – Não deixa esta mulher estragar teu casamento. Os irmãos sendo fiéis amigos de Vitor resolvem dar um tempo nas rodadas de chope e passam a freqüentar mais a casa do casal, que mesmo com poucos amigos, tinham estes como sinceros e sempre cooperadores em manter a paz.
Isaura não via uma maneira de conseguir mais assediar Vitor e sendo a autêntica mimada e voluntariosa, resolve vingar-se deste. Além de difamá-lo dando a entender que não fosse homem por não ter lhe dado confiança, arquiteta um plano contra ele: pensando não estar sendo vista, coloca uma garrafa de vodca entre suas coisas, esperando o momento em que chegasse, escondendo-se. Vitor entra no escritório e ao mexer em suas coisas percebe a garrafa de bebida. Olhando em volta, pensa não estar sendo observado. Rapidamente, enche um copo e bebe compulsivamente. Imediatamente aparece Isaura e grita:
- Vitor! Você está bebendo em serviço? Não sabe que isto é proibido por lei? Vou despedi-lo por justa causa!
Sentindo-se descoberto, o descontrole emocional toma conta de Vitor e este fica sem ação, porém com sua cabeça fervilhando de sentimentos de culpa, ódio, indignação. Sente-se errado, mas desconfia de que fôra uma trama. Não sabendo o que fazer, sai pela rua andando sem ter um rumo.
Felizmente, a colega de trabalho Vilma vira tudo e como já estava saturada de Isaura, pois sempre percebera

seu jeito dissimulado, liga imediatamente para Helena.
- Alô?
- Helena? É a Vilma, aqui do escritório.
- Ah...Tudo bem?
- Não, tudo péssimo, Helena. – Vilma relata o ocorrido à Helena e esta fica em pânico, pois o marido não aparece em casa. Deduz que estaria num bar próximo ao trabalho e pede ajuda a Genaro, Paulo e ao primo de Marisa Marco Antônio, que além de se revezar com os primos para tentar achar Vitor, vai até a empresa, pois sendo bem relacionado resolve intimidar Isaura, tendo Vilma como testemunha.
- Não sou de rodeios, estou sabendo a sua trama.
- O que? – fazendo-se de desentendida.
- É isto mesmo, eu vi tudo, vi você esconder bebida nas coisas dele – denuncia Vilma.
- Você está despedida!
- Com todo o prazer. Mas exijo todos os meus direitos!
- Trate de revogar esta justa causa, porque senão, você haverá de se ver comigo. Sou muito bem relacionado e posso fazer da sua vida um interminável inferno! – ameaça Marco Antônio.
- E eu serei testemunha contra você! – reforça Vilma.
- Com quem pensam que estão falando?
- Com uma mulher muito desonesta, que tem mania de roubar maridos das outras, porque até em cima do meu ela deu! - delata Vilma. Todos procuram por Vitor, sem obter êxito.
Marisa se põe a orar, com certeza de que o encontrarão.
Revoltado, Genaro vai até o escritório. Entra sem pedir licença e também ameaça:
- Sua calhorda! Ninguém encontra meu irmão! Você vai se arrepender do que fez, miserável! Você tem é que morrer de câncer! – Genaro fala cheio de ódio e Isaura, impressionada ao ouvir suas palavras, faz o sinal da cruz e bate na madeira “isolando”. A procura incessante por Vitor, acaba quando depois de muita procura, Olavo e Otávio encontram-no num bar quase sendo expulso pelo dono.
- “Tá limpo, colega!” Ele é nosso amigo! – Otávio tranqüiliza o dono do bar.
- Coloca este cara numa “jaula!” Ele está espantando a freguesia e quase deu briga aqui! – reclamou o dono.
- Pode deixar, está sob controle – reforça Olavo.
- Vitor, cara, será que tudo é motivo pra beber? – argumenta Otávio.
- É, vai devagar! Você não pensa em sua mulher, nas suas filhas? – repreende Olavo.
Chegando em casa carregado, Vitor começa a se sentir deprimido:
- Por que comigo? Eu sou honesto? Aquela cafajeste há de se ver comigo! Minha vontade é de matá-la!
- Para com isto, Vitor! Já chega o Genaro que foi lá e rogou praga pra mulher! Ela pode ser uma víbora, mas não vamos desejar o mal dela. – intervem Helena.
- Uma pessoa igual a ela nunca devia ter nascido! Eu detesto aquela mulher! Que vida! – Vitor começa a chorar.
- Quer falar baixo! Vai acordar as meninas! – repreende Helena.
- Eu não devia ter nascido! – Vitor dirige-se à janela, fazendo menção em se jogar.
- Eu gostaria de lembrar a você, que estamos no quarto andar. Uma queda daqui, não será suficiente para você morrer. Por que não se joga da Faculdade? Lá é mais alto. – Helena chega a ser cruel para chocá-lo.
- Lelê vai devagar, o Vitor está arrasado. – aconselha Otávio.
- Não é hora de ficar arrasado. – discorda Helena. – É hora de agir, de enfrentar a vida.
- Como assim? – pergunta Olavo intrigado.
- Bem, o Vitor deve ser o primeiro, a saber, mas diante das circunstâncias, vocês saberão também.
- De quê? – perguntam os gêmeos ao mesmo tempo. – Helena vai até a sala e pega um envelope, entregando–o a Vitor.
- O que é isto? – pergunta Vitor impactado.
- O resultado do meu teste de gravidez. Positivo.
- E agora? – pergunta Vitor preocupado.
- E agora, vamos ter mais um filho.
- Perdão Lelê, eu fui pego de surpresa.
- Nós temos muito que agradecer, Vitor. Agradecer pela mãe que você tem e pelos pais que eu tenho. Tenho certeza de que num momento como este, eles vão ajudar. Não pense em mais nada agora, tome um banho e descanse.
- É isto aí, como você mesmo diz: “Bom banho!” – brinca Olavo – Vitor demora trancado no banheiro e todos se preocupam.
- Vitor! – chama Otávio – abre a porta, Vitor! – Otávio insiste, batendo na porta e segurando fortemente a maçaneta. Com muita dificuldade, Vitor levanta-se e abre a porta.
- Tava só “puxando um ronco”, amigos!
No dia seguinte Helena conversa com Vitor.
- Vitor vê se você aprende. Você tem abusado demais. Cresce, homem! Vamos pro terceiro filho!
- Que situação a minha agora.
- Olha Vitor, não fique preocupado com a ameaça de ser despedido por justa causa. O Genaro e o Marco

Antonio estiveram lá. Realmente não há mais clima pra você continuar lá. Mas eu fico feliz, porque a Vilma está do seu lado e me contou que aquela mulher dava em cima de você. Ela com certeza vai ter de revogar a justa causa, pois o seu primo é bem relacionado e sabe como intimidar uma pessoa. Eu sei que você é um marido fiel. Seu defeito é a bebida.
- Mas eu bebo socialmente.
- Vitor “muda o disco”. Beber no trabalho não é beber socialmente.
- Mas ela escondeu a bebida.
- E você bebeu. Você caiu na armadilha. Parece criança! Deixa de ser ridículo, cara! Assuma o que fez! Errou? Errou! Mas “bola pra frente, que aí vem gente!” Eu não entendo como você pode ser tão teimoso, até com o que está acontecendo diante do seu nariz. Você pode não aceitar, mas não tem domínio sobre si quando se trata de bebida.
Revogada a justa causa, Vitor não se sentia em condições de trabalhar logo.
Na empresa Matriz que o pai deixara, não pretendia trabalhar e muito menos seria admitido por sua fama de bêbado.
Apareceu então a oportunidade para ser professor numa creche fundada por uma igreja evangélica, próxima de sua casa, o CAMEC (Centro de Assistência ao Menor Carente), de propriedade de um pastor amigo do pastor da igreja que Marisa era membro, além de conseguir trabalho como professor de português em duas escolas próximas de casa.
Como uma incansável cristã, Marisa orava pelo filho mais velho como pelos outros. Sua preocupação nas orações era sempre a mesma: “Senhor liberta meu filho Vitor da bebida”. Ela sofria, pois, via os demais progredirem e Vitor, ia descendo o seu padrão de vida.
Genaro, Paulo e Sérgio já fariam um “pé de meia”. Os três tinham uma visão de negócios que muito os diferenciava do mais velho.
Este já contava 28 para 29 anos, sem um grande patrimônio e eles, já compravam juntos um terreno, no qual combinariam fazer uma casa para cada um, pois era muito extenso.
Apesar de amar muito o irmão, consideravam-no um caso perdido. Percebendo isto, Vitor ressentia-se, embora não se afastasse dos irmãos que sempre o convidavam para festas, inclusive Paulo e Heloísa, que a esta altura já moravam numa cobertura em Botafogo.
O casal ia muito bem aos quase três anos de casados, ainda sem filhos. Heloísa realizava-se como recém formada assistente social e pelos seus conhecimentos em enfermagem, facilitaria as coisas para o nascimento do próximo sobrinho, que já sabiam que seria menino com nome escolhido: Allan.
Vitor procurava se interessar pelo trabalho, embora sua instabilidade de humor fosse visível. Mas a coordenação da creche hesitava em dispensá-lo, pois via nele como qualidade fundamental a grande afetividade pelas crianças, que demonstravam muito amor por ele. Como sempre, havia quem o perseguisse, pois sendo o único homem, algumas colegas lhe “torciam o nariz”, pelo preconceito de que um posto como aquele não deveria ser ocupado pelo sexo masculino.
Vitor sabia que tinha muitos inimigos.
Isaura, a maior destes mantinha o pensamento obstinado: “Não ficou comigo, mas não vai ficar com ninguém”. Mas todas as suas difamações e até “coisas feitas” para Vitor, não resultavam em nada, pois as orações de Marisa eram ouvidas, inclusive abençoando os inimigos do filho.
Numa das visitas a Paulo e Heloísa, Helena desabafava:
- Ai, Lolô... o Vitor com a bebida não está fácil!
- Não se preocupe, quando nós convidamos vocês, eu não compro bebida e até escondo se achar alguma.
- Mas ele bebe do mesmo jeito!
- Pelo menos no período que está aqui não bebe.
- Eu não sei como é que ele começou a ficar assim. O Vitor é um homem tão bom que tinha que ter um grande defeito.
- Pois é né... a Marisa também comenta que teve uma empregada maravilhosa, que era ótima pessoa e que também tinha este defeito. Claro que um dia teve de ir embora.
- O que eu espero que não aconteça com o meu marido.
- Lelê, vocês estão com o terceiro filho a caminho.
- Eu penso nisto também, mas às vezes eu desanimo. Não nego que tem momentos em que eu tenho vontade de “jogar tudo pro alto!”
- Eu entendo você, mas é uma questão de tempo; ele precisa admitir que tem o vício pra se libertar dele.
Embora as irmãs tentassem entender o vício de seu respectivo marido e cunhado, não poderiam ainda ter uma visão espiritual das coisas.
Os dois casais, Paulo e Heloísa; Vitor e Helena, continuavam a se ver com freqüência e a passear junto. Numa ocasião estavam na praia e para sua desagradável surpresa, ao longe avistaram Isaura. O olhar da moça era de extrema inveja e ao reparar Helena grávida, pensou: “Esta mulher tem que morrer no parto”. Despreocupadamente, todos aproveitavam o fim de semana de sol, quando num determinado momento, Helena voltava da água amparada por Heloísa.
- O que foi, amor? – perguntou Vitor assustado.
- Nada, não tudo bem. – respondeu Helena ofegante.

- Como nada?! – exclamou Heloísa. – ela levou a maior “pancada d´água!”
- Não exagera, Lolô!
- Como “não exagera!” Você tem de ir ao médico! – adverte Heloísa.
- Não foi nada, a Celinha nasceu de um jeito muito mais complicado e está aí.
- Não é por isto que você vai facilitar. – alerta Vitor.
- É sim, com saúde não se brinca! – reforça Paulo.
- Ai, gente... Vamos pra casa, tá tudo bem. - tranqüiliza Helena.
- Tá, nós vamos pra casa e de lá você vai ao médico. Eu sou sua irmã, sou formada em enfermagem e não vou deixar que tenha uma displicência destas em relação ao seu filho. Ou você me atende ou eu coloco o General Carajás “nesta parada!”
- Ai, tá bem, tá bem! - Convencida pela irmã, Helena cede, o que significou o controle da situação que se não verificada a tempo, geraria piores conseqüências, pois a pancada no mar prejudicaria a gravidez da jovem que perdera uma quantidade de líquido de sua bolsa d`água. Helena teria de ficar em observação, em constantes idas e voltas ao hospital, pois vários rebates falsos da chegada antecipada do bebê se apresentariam. Aos sete meses e meio de gravidez, Helena acordaria numa madrugada assustada e chamaria Vitor:
- Vitor! Perdi mais água! Liga pro meu pai! – rapidamente o General é avisado e vai a socorro da filha, levando dona Marta, mãe sempre extremosa. Marisa também fica sabendo e vai munindo-se de toda a fé, em constantes orações, comunicando o fato à sua comunidade e todos os membros se puseram a interceder, num clamor incessante, pois o estado de Helena se agravara, teria taquicardia e pensavam que a criança ou a mãe correria perigo de vida. Helena, ainda consciente, pensava: “É melhor até que este não nasça, o Vitor não pode ficar só com uma filha de 7 anos, outra de 4”. Porém, o adversário pensava ter triunfado e a praga de Isaura não fez o menor efeito, pois: “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo”. (Tiago, 5; 16-b).
O menino Allan nasceria prematuro, mas com um peso e um tamanho além do normal para uma criança naquelas condições. Helena, devido ao parto ter sido cesariana, resolvera em acordo com Vitor extirpar a única trompa que tinha, pois desde o parto de Celinha descobrira que só tinha um ovário e uma trompa, coisa rara para quem era tão fértil. Coisas que só Deus pode explicar.