sábado, 29 de janeiro de 2011

LEIAM TAMBÉM OS CASTELLI 2 - UMA NOVA GERAÇÃO EM CRISTO

Para vocês, fiéis leitores deste blog, deixo os links do blog e comunidade da 2ª parte desta história: OS CASTELLI 2: Comunidade: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=97095199

Blog: http://oscastelli2umanovageracaoemcristo.blogspot.com/2009/12/capitulo-i.html

quinta-feira, 4 de junho de 2009

CAPÍTULO XIV A RENDIÇÃO DEFINITIVA

Na volta para casa, as crianças comentam com Helena os dias que passaram com o pai, numa intensa felicidade:
- Mãe foi bom demais! – vibrou Bertinha
- Eu fiquei tão orgulhosa do meu pai, mãe. – comenta Celinha com emoção.
- Por que, filha? - Helena fica curiosa.
- Mãe, o Allan disse que quando ele foi lá, não viu meu pai beber, né?
- Foi...
- Pois é, mãe, eu não o vi beber e tenho certeza de que ele não fez isto escondido. De outras vezes, eu notei que ele havia bebido escondido da gente, mas nestes dias que a gente esteve lá, ele não fez isto.
- Eu “assino embaixo” – reforçou Bertinha.
- Será que ele parou mesmo de beber? – perguntou Helena, como que ao mesmo tempo para si e para os filhos.
- Eu acredito que sim, mãe. – reiterou Bertinha.
- Ele está muito diferente. – afirmou Celinha.
- Ele tá até mais engraçado! - comentou Allan. – sabe, mãe, ele contou história pra mim, antes da gente dormir. Eu dormi naquela cama maior que tem no quarto que ele está usando e ele tava morrendo de sono. Aí, quando ele estava acabando de contar a história dos cabritos, eu quase não agüentei de tanto rir. Ele falou: “Aquela professora caduca!” Ele estava outra vez quase dormindo e eu perguntei: “E aí, pai, como é que acaba a história?” Ele respondeu: “Ah, a presidência...”.
- Ficou uma história maluca! – riu Helena, divertindo-se com o filho que também ria, com Celinha e Bertinha.
Helena surpreendeu-se com as notícias que tivera de Vitor, mas achava que podia ser um “rebate falso”. Devido às experiências anteriores, não deveria fraquejar. “Não, não vou me deixar levar pela emoção. Se ele resolveu parar de beber, já o fez tarde e tarde demais. Desejo que continue assim, mas é melhor que seja longe de mim e de mais a mais, se ele está tão bem, já deve até ter arranjado outra!”.– Dizia para si mesma. Apesar da satisfação em ter boas novas sobre Vitor, não queria se deixar levar pela emoção, chegando às suas próprias conclusões temendo se decepcionar.
Vitor procurava apesar da grande tristeza e saudade de Helena, ir em frente, se dedicar ao trabalho e sempre ter em mente evitar o primeiro gole de bebida.
Seguindo sua rotina, chega ao escritório e cumprimenta os amigos Olavo e Otávio:
- Oi, gente.
- Oi Vitor – respondem os dois.
- Vitor, nós ainda agora estávamos conversando e queremos contar a você uma idéia que tivemos. –introduz Otávio.
- É, Vitor. Nós estávamos comentando sobre o seu livro de poesias. – completa Olavo.
- Ah! Deixem isto pra lá, não teve grande repercussão mesmo.
- É Vitor, mas você escreveu e ainda escreve muito boas poesias. – prossegue Otávio - Então pensamos em fazer uma nova edição acrescentando mais poesias, com o apoio de uma rádio aqui perto que é AM, mas muito ouvida. Desta vez vai dar certo.
- Será? - Vitor parece duvidoso.
- Você não se lembrou da sua mãe? – frisa Olavo. – Ela não diz que: “A dúvida não procede de Deus?”
- É verdade – Vitor ri, concordando.
Com o relançamento do livro, uma nova fase se desenrola na vida de Vitor. Todos os companheiros do grupo dos Alcoólatras Anônimos comparecem e compram o livro.
- Parabéns, Vitor. – cumprimentam os gêmeos.
- Obrigado. Vocês é que estão de parabéns. Amigos como vocês, devem ensinar para os outros o que é ser realmente amigo.
- Ah! Vamos deixar de “rasgação de seda!” – brinca Otávio.
- É isso aí. – concorda Olavo.
- É sincero, gente. A noite está quase perfeita.
- Quase?! Por quê?! – os dois perguntam impressionados.
- Pra ser perfeita falta alguém. – confessou Vitor entristecido.
- Bem, os seus filhos vão vir, o Sérgio ficou de trazer.
- Estão demorando. Estou feliz que venham, mas vocês sabem de quem estou falando.
- Sabemos muito bem, por isto, a noite vai ficar perfeita agora. – Olavo chama quem Vitor esperava ver.
- Oi, Vitor.
- Lelê?
- Parabéns...
- Eu...Eu não pensei que você viria.
- Aqui estou eu. Queria fazer uma surprêsa.
- E as crianças? – ao perguntar, Vitor ouve três vozes gritando, correndo ao seu encontro:
- Pai!
- Meus filhos! – Vitor abraça os três. – este é o dia mais feliz da minha vida. – Pode ser mais ainda, se alguém quiser me perdoar. – olha melancólico para Helena, com um jeito de quem espera uma resposta positiva.
- Vitor, eu também tenho que pedir perdão. Naquela vez, parece que eu queria me vingar, te punir.
- Eu sei, Sabia que você estava com raiva. Quando eu voltei à razão, entendi isto. Eu conheço você, sei que quando tem um rompante, pode fazer coisas que ninguém espera, mas sei também que você suportou o que muita esposa não suporta.
- Helena, minha querida! – Marisa vê a nora e a abraça.
- Marisa, que prazer em vê-la.
- O prazer é meu, meu bem, você sabe. Pena que eu não vou poder demorar, porque estou muito feliz por um lado, mas muito triste por outro.
- O que houve?
- Sabe a Conceição?
- A mãe da Soraya?
- Você soube que ela está com câncer, não é?
- Ah, mas...aconteceu?
- Não querida, mas falta pouco. Eu preciso estar lá. Ela ainda tem consciência e tenho certeza de que o Senhor me dará esta oportunidade.
- Eu lamento muito, Marisa.
- Eu também. Gosto muito dela. Ela foi uma mãe espetacular. Tenho certeza de que a Soraya também será. Bem, vou ter que deixá-los. Parabéns, queridão! Você é meu orgulho! – cumprimenta o filho abraçando-o – Todos vocês têm grande potencial. Seus irmãos são dos negócios, você, das letras.
- Obrigado, mamãe.
Angelina que estava presente aproveita um momento em particular para perguntar:
- Então primo? Agora acredita no Deus que tudo pode fazer, mesmo quando as circunstâncias dizem que não?
A festa continua, Vitor tira retratos com os filhos e com a mãe antes desta se retirar e recebe homenagens dos amigos e parentes que puderam comparecer. Apressando-se em chegar ao hospital, Marisa encontra Soraya e Genaro na sala de espera.
- Então, queridos, como está ela?
- Acho que não vai passar desta noite. – lamenta-se Soraya.
- Querida Deus sabe de todas as coisas. Eu vou vê-la. – ao entrar no quarto de Conceição, Marisa a vê ainda com consciência.
- Conceição...Conceição...
- S-sim...
- Sou eu, Marisa.
- Marisa, que bom vê-la...
- Eu fui ao relançamento do livro do Vitor. Apressei-me em vir aqui, porque não queria deixar de ver você.
- Minha querida...Não precisava se incomodar comigo...
- Não é incômodo nenhum. Incomodada ficaria se não viesse vê-la.
- Você é tão boa, Marisa...Eu dei sorte de ter casado a minha filha com o seu filho.
- Sorte eu é que tive; ganhei uma filha.
- Que bom que seja assim, porque ela vai precisar muito de você... Eu não vou ficar muito tempo por perto...
- Conceição... Você crê que há um Deus que a ama, que deu O Filho d’Ele por você?
- Por que me pergunta isto?
- Por que eu quero que você saiba, que se você crer, Este Deus poderá recebê-la da maneira que for. Ele a quer, mas você tem que querê-lo também.
- Como assim?
- Conceição declare que só Jesus é seu único e suficiente salvador. Perdoe o pai da Soraya. Não sei se ainda é vivo, nem você sabe. Mas isto não importa. O que importa é que cada um deverá dar conta de si e agora você é que tem de se acertar com Deus.
- Eu sofri muito pra criar minha menina.
- Conceição, pelo bem que quero a vocês duas, eu peço encarecidamente: aceite Jesus.
- Como se faz isto?
- Repita comigo: - Conceição ouve e repete: - Senhor Jesus, eu Te aceito como meu único e suficiente salvador. Peço-te perdão pelos meus pecados, libero o perdão ao pai da minha filha e quero que tu escrevas o meu nome no “Livro da Vida”, para que contigo na glória, eu tenha a vida eterna obrigada Senhor porque contigo eu tenho a salvação. Libero toda e qualquer mágoa, todos os maus sentimentos que tive por toda a minha vida. Eu te agradeço, Senhor, em nome de Jesus, amém. Ao dizer a última palavra em poucos segundos, Conceição falece. Marisa chora ao mesmo tempo pela dor da perda e pela emoção de sentir cumprida sua obrigação cristã em resgatar uma vida para Jesus.
- Senhor, obrigada. Hoje está tendo a festa do livro do meu filho. No céu, está tendo outra festa, porque Conceição é mais uma filha Tua. Dá consolo à Soraya, Senhor.
No corredor do hospital, Marisa encontra-se com Genaro.
- Onde está a Soraya?
- O médico está com ela, não passou bem, ela entrou no quarto sem você perceber e viu a Conceição morrer.
- Senhor Genaro Castelli. – chama o médico.
- Sim.
- Venha comigo, por favor.
- O que houve?
- Sua esposa teve um grande choque, mas está tudo bem. Acho que apesar da tristeza, haverá uma compensação, pois vou pedir um exame e tenho certeza de que vou dar-lhe os parabéns.
- Como?!
- Tudo indica que o senhor será pai.
- Que maravilha! Vai ser um garotão!
Realmente, Soraya estava grávida e por um livramento de Deus, não perdera o bebê nem com o choque da perda da mãe.
Marisa, que já anunciara sua casa para venda, consegue uma ótima oferta de uma construtora e passa a morar em Petrópolis.
Vitor e Helena, reconciliam-se e para comemorar o fato, Heloísa dá uma ótima notícia:
- Gente! – tenho boas novas!
- Que foi, Lolô? – pergunta Helena.
- Lelê, você não se lembra que pouco antes de você e o Vitor se desentenderem, você expressou uma vontade de adotar uma criança? Você chegou a ir á instituição comigo, não está lembrada?
- Sei... Mas eu não falei mais nada, você disse que ia demorar. Agora eu vou ter que fazer tudo outra vez.
- Que nada, tenho uma criança pra você! Eu entreguei o caso àquela minha amiga Regina, não lembra?
- Mas Lolô, eu estive separada do Vitor durante uns quatro meses.
- Sim, mas o juiz não soube de nada. Eu tenho um presente pra vocês dois!
- Menino ou menina?
- Lelê é menino. Eu sei que você queria menina, mas é um menininho tão engraçadinho, um tipo cafuzo, uma mistura. Uma beleza de neguinho, você vai se encantar!
Assim aconteceu. Helena e Vitor encantaram-se com o menino de um ano e meio que deram o nome de Miguel, pois foi o anjo que Deus lhes dera de presente.
Pouco tempo depois, Genaro recebe uma confirmação sobre o bebê que Soraya esperava:
- Amor, eu estou com o resultado da ultra-sonografia.
- E aí, meu “meninão” está saudável?
- Não é “meninão”, é menina.
- É? – Genaro fica um pouco decepcionado.
- Pôxa, amor, que cara...Eu perdi minha mãe há poucos meses, estou mais sensível e você faz esta cara por saber que é menina?
- Ah...Desculpe amor...O próximo será menino.
- Eu estou pensando nesta que estou esperando. Eu sempre quis ter uma filha, mas se fosse menino, eu amaria do mesmo jeito! Você já está rejeitando a criança antes dela nascer! – Soraya chora decepcionada.
- Amor me perdoa, não falei por mal.
- Mas falou!
- Esquece, amor.
- Eu sei que você sempre quis um menino, mas não podia pelo menos se alegrar em ser pai, em saber que eu sempre coloquei em primeiro lugar a vida de esposa e mãe? Eu abri mão de qualquer coisa, eu me entreguei neste casamento, com um único objetivo: o de fazer você feliz. Nunca se esqueça disto! Você não sabe o que é uma mulher se sentir rejeitada assim, ainda mais depois de perder tão tristemente uma mãe maravilhosa, que foi um exemplo pra tantas outras que criaram e criam filhos sem pai. Tenho certeza que ela me apoiaria num momento deste e ficaria muito triste com você!
- Você tem razão, meu bem, me perdoe, eu... não devia ter sido assim com você, você não merece, eu te amo.
Em pouco tempo, mais uma boa notícia: Heloísa e Paulo também teriam um bebê; presente de Deus que logo Sérgio e Lúcia também ganhariam. Marisa ficava radiante, pois a nova geração aumentaria o clã dos Castelli.
Curiosamente, uma família que gerara tantos homens, traria uma nova particularidade na geração do fim dos anos 80: nasceria no dia 29 de janeiro de 1987, Suzana, uma linda menina, filha de Soraya e Genaro, morena de olhos negros da qual Vitor e Helena seriam os padrinhos. Soraya tivera dificuldades para o parto, pois a criança teve sofrimento fetal, devido o estado emocional da mãe, mas graças às orações de Marisa, de Tonha, Angelina, que aguardavam no hospital, Deus usou a equipe médica. Apesar de a menina ter nascido com problemas respiratórios e a mãe ter corrido risco de vida, tudo não passou de um grande susto e de mais uma prova do poder de Deus.
Heloísa, que estava no hospital esperando, grávida de 6 meses, observava um homem, que saía da sala onde ficava a incubadora, desesperado.

- Eu quero morrer! – enquanto médicos enfermeiros tentam contê-lo, Heloísa se compadece do homem e pergunta:
- O que houve com ele?
- Ele perdeu a filhinha que estava na incubadora, prematura de 6 meses. – respondeu um enfermeiro.
- Deixem-me falar com ele. – pede Heloísa aflita.
- Ele está desesperado, está precisando de um calmante. – argumentou um dos enfermeiros.
- Me deixem em paz! – gritava o homem revoltado e desesperado, chorando muito.
- Eu gostaria de ajudá-lo. – insistiu Heloísa.
- Ninguém pode me ajudar, eu gastei tudo o que tinha para salvar minha mulher e ela morreu. Agora, morre a minha filha!
- Você precisa de ajuda. – fala Heloísa gentilmente ao homem.
O homem acalma-se e Heloísa atentamente o ouve:
- Estou cheio de dívidas, até com casa hipotecada, desempregado. Fiz tudo pra salvar as duas e fiquei sem nenhuma! Eu estou arrasado! – chora desesperadamente.
- Eu estou vendo que você é um bom homem. Eu gostaria de ajudar. Qual é o seu nome?
- Alfredo.
- Alfredo, eu não estou precisando, mas o meu cunhado Genaro está procurando um motorista. Se você deixar um currículo, ele pode se interessar. Você precisa de trabalho, precisa dar um jeito na sua vida.
- Eu...Eu agradeço.
Assim, Alfredo seria o motorista de Genaro e Soraya, sendo muito eficiente e tomando um carinho especial por Suzana, cujas feições lembravam às de sua filha.
No dia 11 de abril do mesmo ano, Heloísa daria uma irmãzinha a Daniel, com uma penugem loura de olhos azuis que se definiriam mais tarde em verdes e que se chamaria Sandra.
Enquanto amamentava sua filha, Heloísa também foi uma “mãe de leite” para Suzana, pois Soraya ficara muito debilitada após o difícil parto e seu leite acabaria logo.
Finalmente Lúcia dá a luz à sua primeira filha, uma ruivinha de olhos acinzentados que se tornariam azuis e que se chamaria Sônia. Estava formado um trio “tricolor”, que viria a ser inseparável.
Numa bela manhã, ao visitar as meninas, Vitor estava contemplando as três meninas, embevecido. Uma babá o observando, comenta:
- Seu Vitor, eu fico admirada de ver como o senhor paparica estas meninas! O senhor tem 4 filhos, mas eu sinto que em relação a elas o senhor não faz diferença. Não é todo o tio que é assim.
- Eu amo estas três meninas. Elas também fazem parte de uma fase nova, de reconstrução na minha vida. Eu batizei a Suzana, mas não faço diferença. Elas pra mim são o mesmo que filhas.
- Assim como o senhor, elas serão um dia mais três filhas de Deus.
- Elas já são!
- Pela fé eu também creio nisto.
- Como assim?
- Seu Vitor, o senhor deve estar me achando uma intrometida. Mas eu tenho observado muito como o senhor é uma pessoa sensível e a ligação que o senhor tem com essas meninas é muito forte, muito espiritual. Eu sinto que o senhor está muito feliz quando está perto delas. Tanto quanto está com seus filhos, com sua mulher.
- É verdade.
- Pois o senhor muito em breve, vai conhecer uma felicidade que excede, que ultrapassa qualquer felicidade, porque vai ser a felicidade que Deus dá. O senhor vai entender e vai sentir a felicidade de saber que um Deus deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que n’Ele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna. Vai entender tão bem, que através da sua vida, muitas pessoas vão confirmar isto, inclusive estas meninas.
- Você é crente?
- Eu sou cristã. Crente, qualquer um é. Eu creio que Jesus deu a vida por todos nós, venceu a morte e está vivo e eternamente vitorioso ao lado do Pai. Aliás, o seu nome quer dizer vencedor, sabia?
- É...Você ia gostar de conversar com minha mãe.
- Eu já tive este prazer. Ela é uma grande mulher de Deus, assim como o senhor será um grande homem de Deus também.
Apesar das palavras da moça terem impactado Vitor, inicialmente não as levaria muito a sério.
Com o passar do tempo, porém, começa a questionar-se se estaria sendo preconceituoso, pois para ele, igreja evangélica era coisa de “Zé povinho”. Tantas vezes dissera: “Eu, ser crente?! Nunca!”
Algo mais forte do que ele lhe dizia: “Porque você não tenta descobrir se estas igrejas são realmente o que pensa?” Procura então sua prima Angelina em Petrópolis.
- Primo! Que surpresa! Quem é vivo sempre aparece! – exclamou Angelina.
- Prima, eu senti muita saudade de você. Queria conversar. Você agora deve estar se sentindo só. Seus filhos fazendo curso no exterior.
- Primo, eu nunca estou só. O Senhor está comigo! Além do mais, eu não criei meus filhos para mim. Eles têm a vida deles e são do Senhor, também.
- Prima, como é que é isto? Vocês falam tanto de Deus. Como é que é Este Deus?
- Maravilhoso. Curou sua mãe de uma enfermidade, curou a mim também e pode crer, primo, curou você da bebida e trouxe Helena de volta pra você.
- Alcoolismo é uma doença, prima. Não tem cura, tem controle. A Lelê queria voltar, só não assumia isto.
- Eu acredito que tudo isto foi possível, porque Deus é amor, cura e perdão. Ele tudo pode. Pode transformar curar... pode curar até aids!
- Ah prima, não me venha com esta!
- Vitor, você tem o direito de crer no que quiser, mas eu afirmo: o meu Deus, tudo pode, basta crer.
- Eu creio em Deus. “O poder superior”.
- Tá, Vitor. Mas este poder é muito, muito mais superior do que você possa imaginar. Procure descobrir. Você sempre foi bem curioso, sempre foi questionador. Está na hora de encontrar respostas sobre Este Deus. Não quer ir à minha igreja?
- Bem... – Vitor mostra-se reticente, indeciso.
- Sem compromisso, primo. Eu fui à igreja de sua mãe, aceitei Jesus lá, mas fui para outra denominação. Você pode ir à minha como pode ir a outras, dando-se o direito de conhecer, tirar suas próprias conclusões.
- Ah...não sei, tem umas coisas que eu não gosto. – justifica Vitor.
- Eu sei que tem igrejas que pregam sobre hábitos de roupa. Na igreja da sua mãe, há muitos que se vestem mais circunspetos pela idade. Mas lá não há tantas restrições, como na minha. As pessoas devem sim é se vestir adequadamente, com respeito. Mas a roupa não é um sinônimo de santidade.
- Tá prima, eu vou pensar, depois falo com você.
Angelina ora pedindo uma estratégia a Deus. Sentia que Vitor gostaria de sua igreja, que Deus poderia usá-lo, mesmo que parecesse difícil pelas suas convicções, já que Vitor sempre acreditara que todos os caminhos levassem a Deus.
Um dia, surge uma oportunidade: haveria um batismo nas águas num sítio. Além dos membros da igreja, outros estariam convidados, pois haveria um almoço de confraternização. Angelina convida Vitor e toda a família para comparecerem.
A princípio, mesmo tendo aceitado o convite e conhecendo pessoas agradáveis, o casal estranhou um pouco os hábitos, o povo, orando, falando alto várias vezes: “Glória a Deus!” Helena num dado momento isolou-se, entrando no pequeno chalé, acomodando-se na sala. Elisa, que estava presente, perguntou-lhe:
- Que foi, Lelê, não está gostando?
- É...o pessoal é simpático...
- Mas você parece que está chateada.
- Não é isto, Elisa. Eu não estou acostumada. É uma gente diferente, cantando sempre músicas evangélicas, dando: “Glória a Deus” o tempo todo.
- Olha, Lelê, tem até gente que estranha, porque em outros lugares é diferente. Eu por exemplo não sou desta igreja, mas sei que as pessoas daqui, assim como eu também gostam das músicas seculares. A diferença, é que a gente fica mais seletiva, não ouve qualquer música e gosta até mais dos louvores.
- Bem... “cada um com seu cada um”.
- Olha, Lelê, o Vitor parece que está se enturmando, você não fica feliz com isto?
- Fico. Ele está até melhor do que eu.
- Lelê. Você deve estar achando um saco, mas eu vou dizer: um dia você sem perceber será uma grande serva de Deus.
- Quê?! – espanta-se Helena.
- Isto mesmo. Você vai até dizer: ”Eu não quero não, Senhor. Mas Ele vai te levar pra falar d’Ele, pra ganhar pessoas pra Ele, pra obra d’Ele.
- Eu?!
- É. Você. Sei que está achando um papo de maluco, mas vai.
- Ah, Elisa... Eu não nasci pra isto!
- A gente não nasce nunca sabendo nada, mas Deus nos capacita.
- Esta agora.
- Lelê, você me contou que uma vez a sua prima Sâmara a levou até uma “dona” que você achou estranha. Lembra?
- Sei...e daí?
- Você disse que a achou perturbada quando viu você naquele dia.
- Eu lembro disto, mas ainda não entendi aonde você quer chegar.
- Eu quero chegar a um lugar muito simples: ao lugar que você tem no infinito coração de Deus. Você sempre foi d’Ele. Por isto que aquela senhora incomodou-se tanto querida, porque “luz e trevas não se combinam”. Você não a achou estranha?
- Muito!
- Então. Isto, porque ela é uma pessoa em comunhão com as trevas. Naquela noite, dona Marisa contou que estava intercedendo muito por você. Aquela manifestação naquela dona foi de incômodo ao ver tanta luz em você.
- Será? – Helena, ainda muito incrédula fica em profunda dúvida.

- Eu sei o que estou dizendo, minha querida. O Senhor já escolheu você no ventre da sua mãe. É só ler Isaías 49.
Helena questiona-se ainda, mas começa a refletir.
Vitor continua a assistir cultos na igreja. Visita outras vezes, levando Helena que como ele ia como mera freqüentadora.
Uma noite, ao ouvir pregações cheias de poder, do Espírito Santo, começa a ouvir o povo falando desordenadamente palavras que parecem sem sentido. De repente, sem entender o por quê, ele mesmo começa a falar desenfreadamente coisas que não entende. O pastor vibra:
- Glória a Deus! Está havendo ó batismo do Espírito Santo! – exclama o pastor.
Naquela mesma noite, Vitor aceita Jesus como seu único e suficiente salvador.
Helena fica cada vez mais surpresa com o procedimento de Vitor, que se dedicava a aprender a palavra, a assistir os cultos, indo com ele, sem, porém tomar a mesma decisão.
Sentada no banco, ouve de uma senhora uma revelação:
- Eu vejo você balançando um berço.
- Impossível! – Helena ri.
- Para o nosso Deus, nada é impossível, pois Ele é o Deus do total impossível. Faz do impossível, possível. Você está rindo, mas Sara também riu quando Deus disse que daria a luz e nasceu Isaac, o filho da promessa.
- Mas eu extirpei a trompa!
- Minha senhora, mesmo assim, eu afirmo que a senhora vai ver o que Este Deus pode fazer. Creia. É só o que digo. Não pense que seja por que eu disse, mas por que Deus disse.
- Ah sei... A senhora tem “linha direta” com Deus?
- E por que não? É só crer, que se faz a “linha direta”.
Helena não acreditava. Para ela tal afirmação era absurda demais.
Pouco tempo depois, Helena numa tarde de sábado estava tomando banho. Curiosamente, percebe um detalhe que lhe causa impacto. Chama Vitor, saindo do banho:
- Vitor!
- Oi Lelê!
- Que impressionante, eu estava tomando banho e aconteceu.
- Aconteceu o que?
- Eu senti sair leite do meu seio. O mesmo que senti quando descobri que estava grávida da Celinha.
- Lelê... será?
- Mas...não pode ser.
- Lelê, o nosso Deus, pode tudo.
E assim se fez. Helena logo fazia um exame e estava grávida e logo aceitava também Jesus como seu único e suficiente salvador. No dia 8 de agosto de 1988, nascia Patrícia, - Patty, na intimidade -que viria a ser loura com os olhos castanhos esverdeados. Um milagre na vida do casal. A menina representa para o casal uma confirmação de bênçãos, uma fase de amor cada vez mais transbordante na presença do Senhor. Helena regozijava-se com a filha, muito agarrada à ela.
Ao apresentarem a filha caçula na igreja, no mesmo dia o casal renova os seus votos e é batizado nas águas com a filha mais velha.
Pouco depois, no ano seguinte, o casal Sérgio e Lúcia tem mais um filho, também um pouco sardentinho como a irmã, com os cabelos acobreados e olhos castanhos que se chamaria Ivan. Ainda no mesmo ano, Hélida, já no seu segundo casamento, tem mais um filho: Diego.
Soraya espera mais um filho. Pela ultra-sonografia seria mais uma menina. Porém, aos quatro meses de gravidez, tem uma forte hemorragia e sofre um aborto. Apesar da tristeza, agradece a Deus por estar viva e poder criar sua filha Suzana, que já estava com 3 anos.
Os filhos de Vitor e Helena, vão crescendo na igreja e descobrindo aptidões para ministérios: Bertinha lidera um curso de teatro e ajudada pelo pai encena peças bíblicas; Celinha, que aos 12 anos também é batizada, cria um grupo de coreografia; Allan participa das atividades “teens” da igreja, tocando teclado e bateria enquanto Miguel, muito aplicado na escolinha bíblica, aprende surpreendentemente histórias que dramatiza no grupinho de teatro infantil; Bertinha comemora o seu “debut”, com grande festa na igreja.
Com 16 anos de idade, Bertinha conhece na igreja aquele que seria o varão escolhido por Deus para ela: Reynaldo, que se identificaria muito com Vitor, pois no passado também fora alcoólatra. Os dois namoram, ficam noivos e quando Bertinha ainda contava 17 anos passava a chamar-se Roberta Castelli Pessoa.
Ao dar um dia na igreja seu testemunho, a jovem diz:
- Deus deu-me o homem que hoje é meu marido já moldado. Preparou-o para que viesse abençoar minha vida.
Vitor envolve-se com ministérios na igreja, juntamente com Helena, voltando-se para a recuperação de alcoólatras e drogados. Lidera reuniões semelhantes aos Alcoólatras Anônimos, tendo, porém uma grande diferença: o programa de recuperação é a palavra de Deus, pois a fé, a libertação vem pelo ouvir e ouvir a palavra de Deus. Através deste trabalho, Vitor ajuda muitas pessoas, que até no início nem criam em Deus a entender que sem Ele, nada é possível.

Sua carreira de escritor vai se firmando, Olavo e Otávio vão à igreja e também aceitam Jesus. Lá conhecem aquelas que seriam suas esposas e também formariam uma família além de integrar a família do Senhor.
A editora passa a ser evangélica, rebatizada como FONTE.
Vitor passa a liderar uma creche-escola com Helena, que denomina CASA DA CRIANÇA FELIZ.
A festa de 15 anos de Celinha é inesquecível. Ao dançar a valsa, sabe que todos os pares são futuros pretendentes, mas casamento ainda não é sua primeira preocupação.
Um dia, Celinha está passando roupa, enquanto Elisa está lá conversando com ela e o pai chega com pressa.
- Celinha!
- Oi pai.
- Minha filha, eu estou agora sempre correndo. Cadê sua mãe?
- Saiu.
- Diga pra ela que vou demorar um pouco mais hoje na editora. Tenho que aproveitar o tempo que já é pouco. Estou ainda no segundo capítulo do livro.
- Que legal pai.
- Você está nele, Elisa.
- É mesmo, Vitor? – Elisa entusiasma-se - Que maravilha! Qual vai ser o nome?
- A LUZ DO TRIUNFO.
- É? – admira Elisa.
- Vitor quer dizer vencedor e Helena sol que brilha.
- Lindo pai. – vibrou Celinha.
- É isto aí. – comemora Vitor - “O amor é paciente, é benigno; o amor não se arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. (1 Coríntios, 13: 4 -7)
Uma bela história de amor tem que ter um final feliz. Porém, a vida tem alegrias e tristezas, lutas e com persistência, vitórias. Assim foi é e será com a luz de Deus na vida de Helena, que brilha sobre a vida vitoriosa de Vitor. Por isto, esta história não se encerra aqui. A saga da família Castelli continua em: UMA NOVA GERAÇÃO EM CRISTO.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

CAPÍTULO XIII A PRIMEIRA RENDIÇÃO

Chegaria o fim do ano e Vitor há algum tempo não bebia, pois o alcoolismo tem suas oscilações, e mesmo tendo o vício, uma pessoa pode parar de beber um tempo, mas no seu caso como no de muitos, isto não o faria parar definitivamente, pois se um amigo o convidasse para beber, Vitor descontava todo o tempo em que não havia bebido. A sua impotência diante da bebida era total. Só ele não queria aceitar.
O Reveillon, que seria festejado no SOLAR CASTELLI, era pouco apreciado por Soraya, pois Conceição há alguns meses demonstrava um cansaço, mal estar, que seria diagnosticado como um câncer já adiantado no esôfago.
Todos estariam se preparando para a festa, com exceção de Marisa e Tonha e Angelina, que preferiam passar na igreja.
Helena havia ido mais cedo com as crianças. Seus pais, não estariam presentes, pois foram passar a data em Brasília.
Vitor, não apareceria logo, o que deixou a esposa e os demais apreensivos. Já era a gota d´água. Helena definitivamente estava saturada. Depois de anos suportando o comportamento inconstante de Vitor, ela resolveria explodir. Pensou: “Ele com certeza está demorando porque foi beber. Agora, vou tirar a minha forra, quem vai beber sou eu”. Num ímpeto de revolta, Helena que sempre fora uma mulher controlada, resolveria fazer uma loucura.
Ao vê-la sozinha, um homem que se interessara por ela, resolve cortejá-la:
- Está sozinha? – Helena, já um pouco tomada pela bebida, faz um gracejo olhando para os lados.
- É... Não parece ter ninguém, nenhum fantasma, eu acho. Pode sentar.
- Você é muito engraçada e...muito bonita também.
- Obrigada...Você também é um gato.
Ao longe, Soraya e Heloísa não acreditam no que estão vendo.
- Soraya, você está vendo o que eu estou vendo?
- Helô...Não dá pra acreditar.
- Que hora pro Vitor sumir. – lamentou Heloísa.
- Ai, Helô, já está difícil suportar esta festa por causa da doença da minha mãe, no mesmo dia, o Vitor some.
- Olha Soraya, quero muito bem ao meu cunhado, mas se ele aprontar com a minha irmã, há de se ver comigo. Eu o jogo naquela piscina!
O clima vai esquentando entre Helena e o homem que além de bonito era sedutor. Aos seus 32 anos, ela cansara-se de fazer o papel de esposa dedicada, que tudo suporta, que não faz uma loucura por causa dos filhos. “Chega!” – dizia para si própria. – “Vou viver uma aventura, vou dar uma lição naquele bêbado!”
Os dois começam a dançar e os presentes percebem os olhares, os sorrisos. Alguns nem sabiam de quem se tratavam, outros, estarrecidos, se perguntavam sobre o que teria havido com aquela mulher tão séria, tão compenetrada, incapaz de se expor tanto.
Com sabedoria, Heloísa, Soraya e Lúcia, afastam as crianças de perto da mãe, antes que pudessem vê-la dançando com o homem.
Inesperadamente, Vitor aparece, bêbado.
- Vitor?! – espanta-se Paulo.
- Que foi? – pergunta Vitor irritado
- Você só aparece agora, cara? Ainda tem coragem de vir de porre? Toma jeito!
- Paulo, “não enche o saco”, tá?
- “Peraí”, cara, calma! Aonde você vai?
- Uai! Não é festa? Deixa eu curtir! Vou dançar!
- Vitor! Espera!
- Sai pra lá, Paulo! Parece carrapato!
- Vitor! – Vitor vai até o salão onde todos dançam e embora Paulo tivesse tentado avisar, o irmão encontra Helena dançando abraçada com o sujeito. Encontra uma mulher sozinha que tira para dançar, porém, esta não aceita, achando-o um chato. Irado, vai até Helena e o homem e grita:
- Larga minha mulher, cara!
- Não enche, quem mandou sumir?! - Responde Helena. Vitor, no auge de sua cólera, dá um “direto” no rosto do homem que reage. Está armada a confusão. Com a briga, a festa praticamente termina. Genaro e Paulo contêm o irmão e o homem e os convidados, atônitos assistem a tudo, procurando disfarçar. Muitos se retiram discretamente.
Genaro fica irado, pois o irmão havia estragado sua festa, causando uma péssima impressão inclusive a muitos empresários conceituados e muitas pessoas importantes de cerimônia, convidadas pela primeira vez para o evento e que provavelmente não voltariam. Recrimina ferozmente o irmão:
- Você me envergonhou, Vitor! Me humilhou! Quando vocês quiserem “lavar suas roupas sujas”, escolham outro lugar!
- Calma amor. – apazigua Soraya.
- Você também é um tonto, Paulo! – recrimina Heloísa – se fosse mais prático, teria conseguido evitar tudo isto!
- Ele saiu correndo, eu o perdi de vista! – justifica Paulo.

- Lelê, você me traiu! – grita Vitor.
- Já o fiz tarde! – responde Helena levantando-se – se pensa que eu vou ficar aqui, está enganado! – Helena vai saindo e Vitor tenta ir atrás.
- Volta aqui!
- Vitor! – Paulo tenta segurá-lo e ele desvencilha-se, correndo atrás de Helena.
- Volta, Lelê!
- Me deixa em paz!
- Volta! – Helena continua a correr e Vitor continua correndo atrás. De repente, Helena tropeça e cai.
- Lelê, não me deixe! – Vitor chora e segura Helena caída no chão ficando em cima dela, que grita:
- Me solta, eu te odeio!
- Eu te amo!
- Seu fracassado, eu não quero mais você, aquele cara é meu amante, já saí com ele antes! – Helena mente querendo vingar-se, seu desejo é de humilhar Vitor.
- Ordinária! – Vitor esbofeteia Helena que devolve com mais força.
- Miserável! Você merece ficar só pra vida inteira! Você merece ficar na sarjeta que é o lugar de “paus d’água” como você! – Helena fica com tanto ódio que cospe no rosto de Vitor.
Os irmãos e cunhadas, vão até Vitor, tentando ajudar. Helena deixa-o com Genaro e Paulo e Heloísa e as outras, amparam-na.
- Vitor, o que você fez... – lamenta Sérgio.
- Acabou, mano, acabou...
- Meu irmão, se eu pudesse ajudá-lo. – compadecia-se Sérgio.
- Você está sendo muito condescendente, Sérgio. Este cara, precisa de uma “dura!” – repreende Genaro.
- Não é hora disto. – argumenta Sérgio.
- Esta é boa! E o que ele fez aqui? A vergonha que nos fez passar?
- Vamos entrar, gente. O Vitor precisa de um banho frio. – aconselha Paulo.
- O que ele precisa é de vergonha na cara! – sintetiza Genaro.
Genaro chegara ao seu limite. A tolerância nunca fora uma de suas qualidades e diante da atitude do irmão, sentia-se no direito de repreendê-lo, de até arrasá-lo para que sentisse o que havia feito. Estava decidido a não convidar mais Vitor para nada. Ele havia atrapalhado seus negócios. Embora um homem ainda romântico, Genaro tornava-se prático em relação ao trabalho e frio com situações como a do irmão. Nada entendia sobre o emocional.
No dia seguinte, Vitor acorda tarde e encontra Heloísa, que fala duramente com ele.
- Vitor, eu estou muito decepcionada. Conheço você desde menino, nunca pensei que chegasse ao ponto que chegou. Minha irmã quer separar-se de você. Eu a apoio. Apesar de tudo, lamento por você e pelos seus filhos, mas eu faria o mesmo. Felizmente eles não viram a cena que se deu aqui.
- Cadê a Lelê?
- Já foi pra casa. Vai mandar suas coisas pra casa da Marisa.
Vitor não tem mais moral para argumentar nada. Sente sua vida acabada. Vai para a casa de Marisa e isola-se, numa profunda depressão.
A mãe não sabe o que fazer. Somente ora ao lado de Tonha, que também sofre muito.
Vitor passa a beber cada vez mais. Seu desejo é de se destruir.
Olavo e Otávio dar-lhe-iam um tempo para reestruturar sua vida, continuando a pagar seu salário.
Vitor se isolara. Não queria ver ninguém.
Sua prima Angelina sabendo do ocorrido vai visitá-lo, procurando prestar-lhe solidariedade:
- Primo, como você está?
- Como eu poderia ir?
- Eu sei que está sofrendo. Estou muito triste por saber que você e Helena se separaram.
- Ninguém pode fazer nada, a não ser lamentar, mesmo.
- Vitor, você não gostaria de ir comigo à minha igreja?
- Ah, Angelina, “dá um tempo!” você acha o que? Que eu vou lá e um milagre vai acontecer na minha vida?
- Se você abrir seu coração pra Jesus, quem sabe?
- Eu só acredito que Ele faz milagre, depois de ver acontecer algo que não acredito acontecer.
- O que?
- Que a Lelê volte pra mim.
- De minha parte, vou orar por isto.
- Não perca seu tempo. Ela não quer mais ver a minha cara.
- Tenha certeza de que Este Deus que eu creio, não quer ver você infeliz. Primo, eu já tenho que ir. Quero que saiba que você pra mim é mais que um primo, um irmão. Eu desejo tudo o que houver de maravilhoso pra você e vou orar. Se no caso você só vai crer neste Deus se ela voltar, Ele pode fazer isto, pra você crer n’Ele. Ele nunca faz menos do que promete, mas freqüentemente, mais do que prometeu.
Depois que Angelina sai, Vitor fica divagando. Não crê no que disse, mas sente-se consolado com a visita da prima.
Numa madrugada, o telefone toca na casa de Marisa:
- Alô? - esta atende apavorada. – Como? Sim, sou eu. Ele é meu filho. Eu já vou.

Os moradores de um prédio próximo a um bar onde Vitor fazia arruaça com um grupo se irritaram e fizeram queixa à polícia, que prendera todos. Marisa pediu ajuda a Olavo e Otávio e pagou a fiança pelo filho.
Sentindo-se arrasado, Vitor lamenta-se:
- Eu sou um infeliz, sem mulher, sem os filhos, eles não querem mais saber de mim. A Lelê não tem nem me deixado vê-los.
- Vitor, ela telefona para mim, dando notícias das crianças. – consola-o Marisa. - Tem razões de não querer que você vá lá. Vocês acabaram de se separar depois de uma briga horrível! Dê um tempo pra ela, meu filho. Você também precisa de um tempo, não está em condições de conversar. Veja o seu estado, pense no que fez. Você nunca chegou ao extremo que chegou hoje.
Achando Marisa muito condescendente, Olavo argumenta:
- Dona Marisa, eu peço licença para falar em particular com o Vitor. – Marisa concorda e os dois ficam sós.
- Vitor, o que é que você está pensando? Que vou ficar aqui me debulhando em lágrimas dizendo: “Coitadinho, como está sofrendo!” Cara, toma jeito. Você tem como mudar tudo isto, basta querer, basta ter um pouco de amor próprio, vergonha na cara. Vá aos Alcoólatras Anônimos e encare a realidade. Faça o mesmo que qualquer pessoa que se admite com fraquezas faz. Olhe-se no espelho e diga para si próprio: “Eu sou um alcoólatra, eu preciso e quero ajuda”. Você ainda não o fez, porque é orgulhoso!
- Não enche, Olavo! Não me resta nada na vida a não ser a bebida. Ela vai ser minha companheira agora. – responde Vitor com ar de derrota.
- Se quiser continuar assim, lamento. Conheço pessoas - que como eu - odeiam que se tenha pena delas, você adora a pena, adora sentir autopiedade, ser fraco. Continue fazendo isto consigo próprio, pra ver até onde você vai chegar. – quase saindo, Olavo recua e dá um aviso a Vitor:
- Quero avisar que não o aceito no escritório até que tenha ido a uma reunião dos Alcoólatras Anônimos. Pode dizer que estou jogando pesado, estou mesmo. Nem eu, nem meu irmão lhe dirigiremos a palavra se você não mudar de atitude.
Vitor continuava mergulhado em seu orgulho. “Quem são eles para determinar o que devo ou não fazer? Vou continuar bebendo, o quanto quiser e quando quiser!”.
Na primeira oportunidade, logo passada a ressaca, lá estava Vitor, três dias depois, bebendo num bar.

- Um brinde à vida! Enquanto ela existir. – bradava erguendo o copo numa falsa felicidade.
A angústia era visível para os que o rodeavam nas outras mesas.
- Este cara já esteve aqui antes. – comentava um antigo freqüentador.
- Agora ele é “sócio de carteirinha”. – respondeu o dono do bar – a mulher o largou e ele tem feito ponto. Foi só curar a última ressaca pra reaparecer.
As músicas que o povo cantava no bar pareciam ser para Vitor: “Eu gostei tanto, tanto, quando me contaram, que lhe encontraram chorando e bebendo na mesa de um bar”. Logo a seguir, uma mais contundente: “Mas se algum dia talvez a saudade apertar, não se perturbe, afogue a saudade nos copos de um bar”.
- Assim já é demais! – irritou-se Vitor – “Tão curtindo com a minha cara!”
- Ih ... “Pega leve”, cara...a gente nem te conhece! – protestou um entre os presentes que cantavam.
- Eu vou é pra outro bar!
Vitor atravessa a rua e sem olhar que vem um carro, é atropelado. Embora não tenha tido grandes conseqüências o atropelamento, o homem que dirigia saiu do carro e o socorreu, levando-o para o Miguel Couto. Vitor ficara semi-inconsciente. Quando volta a si, vê o homem e Marisa diante dele.
- Meu filho...que susto você me deu.
- Desculpe, mamãe...eu não sei o que dizer.
- A culpa não foi minha, amigo. – justifica-se o homem. – Você devia ter mais cuidado.
- Eu...peço desculpas a você também, não tinha obrigação de me socorrer.
- Obrigação moral eu tenho com todo o ser humano e você é um. Ninguém é melhor do que ninguém. Somos todos iguais.
- Pois eu me sinto o pior dos seres humanos. – lamenta-se Vitor.
- O seu problema é a autopiedade. – ao ouvir estas palavras, Vitor fica impactado. Como um homem que acabou de conhecê-lo poderia dizer-lhe isto?
- Você deve me achar um intrometido, mas eu vou lhe passar um pouco da minha experiência; eu também já bebi muito, cheguei a dormir na rua. Sentia-me exatamente como está se sentindo agora. Quando eu pensava que estava tudo acabado, que só restava esperar a morte, fui levado da rua por pessoas que nunca havia visto para uma reunião dos Alcoólatras Anônimos. Você já ouviu falar de lá?
- Já estive lá.
- Não voltou?
- Não.
- Por quê?
- Eu... não me senti à vontade.
- Você não se sentiu à vontade, naturalmente por não querer admitir que é alcoólatra. Admita, então se sentirá à vontade. Não se ofenda pelo que eu disse. O que está acontecendo com você agora, já aconteceu comigo. Como eu disse, somos todos iguais. Lá, outras pessoas que passaram por problemas iguais ou até

piores poderão ajudá-lo. Se você permitir, é claro. O primeiro passo, é aceitar sua impotência perante o álcool.
- Eu vou pensar.
- Tome aqui este cartão. É do grupo que eu freqüento.
- Qual é o seu nome?
- Pedro. Será um prazer vê-lo na reunião. Até breve.
- Obrigada por este anjo, Senhor. – murmurou Marisa.
Aquele homem, que Marisa considerava enviado por Deus, conseguira mexer com o interior de Vitor. Depois daquela situação, em que Este mesmo Deus lhe provera um livramento - como em tantas outras – ele passaria a ver as coisas com mais clareza. Mesmo abatido, em profunda depressão, finalmente iria a uma reunião, desta vez com mais consciência e objetivo de obter ajuda. É muito bem recebido principalmente por Pedro:
- Seja muito bem vindo, amigo. – saudou-o apertando sua mão e abraçando-o.
Ao chegar sua vez de falar, Vitor sente que pode confiar nas pessoas presentes. Vence o orgulho que tivera até então e inicia:
- Meu nome é Vitor Silva Castelli. Tenho 34 anos. Já estive em outras reuniões, mas só como freqüentador, nunca quis assumir o que estou pronto para fazer agora: que sou um alcoólatra. Estou passando por um momento muito difícil. Minha mulher separou-se de mim, tivemos uma briga como nunca tivemos em 12 anos de casados. Foi um vexame, pois foi no Reveillon na casa de meus irmãos. Eu sinto que vi na bebida o meu refúgio. Uma vontade de esquecer coisas que me atormentaram por toda a vida. Hoje estou começando a entender que se eu beber tentando matar alguma lembrança, ela será como um corpo que morre afogado; vai ao fundo e depois bóia, reaparece na minha frente e a lembrança fica, com o mesmo impacto de presenciar a imagem que não se apaga. Eu...Preciso de ajuda, por favor. – todos aplaudem como é o costume nas reuniões e Vitor sente-se apoiado. Faz amizades novas e entende que há problemáticas muito maiores que a sua. Sai do seu egocentrismo e começa entender o que se passara com ele durante tantos anos.
Desde a primeira reunião e daí por diante, não beberia mais um gole sequer. Logo depois de assistir a reunião, Vitor traz a ficha de ingressante.
Volta ao escritório, para a surpresa e Otávio e Olavo, que percebem no amigo uma melhora que os surpreende.
- Vitor... como você está bem! – admirou Otávio – você foi aos Alcoólatras Anônimos? – deduziu rapidamente.
- Não faça suspense, amigo. – inquietou-se Olavo.
- Meus caros podem escrever nas agendas de vocês, assim como vou escrever na minha: dia 10 de janeiro de 1986, o dia em que Vitor parou de beber. Eu até gostaria de dizer primeiramente à minha mãe, para ouvi-la dar um: “Glória a Deus!” Mas não resisti ao desejo de falar a vocês, já que estava aqui tão perto.
- Parabéns, colega! – exclamam os gêmeos juntos, abraçando o amigo.
- Agora, só faltaria uma coisa para minha alegria ser completa...
- O que? – perguntam os gêmeos quase ao mesmo tempo.
- Que a minha Lelê soubesse e acreditasse que eu não vou mais beber e que voltasse pra mim.
- Dá um tempo pra ela, amigo. – aconselha Otávio.
- É, cara, ela ainda deve estar muito magoada, a briga foi feia, ela tem que por as idéias em ordem. – pondera Olavo.
- É muito duro. Depois do Reveillon, eu nem vi meus filhos. Ela tem medo de deixá-los comigo. Eles devem estar muito tristes também.
- A ansiedade só vai atrapalhar. - analisou Olavo - Se você já conhece o programa de recuperação dos Alcoólatras Anônimos, sabe que se fala muito dos estágios emocionais e a depressão, vem logo depois da euforia. Se você ficar pensando nos seus prejuízos, não conseguirá avançar mais na sua recuperação. Se você tem certeza de que não beberá mais, continue se esforçando para manter o equilíbrio. Dê um tempo para você também.
Apesar de sentir-se muito melhor, confiante de que não beberia mais, Vitor não se libertava da dor da separação. Já não estava mais melancólico, porém imensamente triste. Por muitas vezes, chegava a chorar ouvindo no rádio ou em discos de sua coleção, as músicas românticas que pareciam contar as fases de seu casamento.
Uma vez, ouvindo uma música cujos versos diziam: “Eu não devo insistir, nosso amor complicado, não podia dar certo”, chega a pensar alto:
- É... Eu não devo insistir mesmo.
Passado mais de um mês de sua separação, Helena autoriza Allan a passar um fim de semana com o pai. O menino sentia mais saudade dele do que Bertinha e Celinha, pois com o ocorrido, ficaram bem mais próximas da mãe, embora conversassem com boa vontade com o pai pelo telefone, desculpando-se por ainda não o terem visto.
Allan aproveita o quintal enorme da avó para andar de bicicleta, passeia com esta e Vitor, já que Helena havia solicitado à sogra que estivesse sempre em vigilância, pois ainda não acreditava que Vitor tivesse parado definitivamente de beber. Na sua visão, ele poderia ter de uma hora para outra a chamada recaída.
Allan volta muito feliz para Sepetiba e comenta com a mãe:
- Mãe, eu me diverti tanto!
- É filho?
- Foi muito bom!

- É mesmo?
- O papai nem bebeu.
- É? – Helena pergunta de uma maneira descrente, pois deduzia que Vitor estaria aparentando um controle diante do filho para recobrar a sua confiança.
Noutra ocasião, as meninas vão junto com o irmão caçula.
Na sua última semana de férias, os três matam as saudades do pai, que aproveita para saber da mãe:
- Como está sua mãe? – pergunta à Bertinha
- Está bem, pai.
- Bem mesmo? – pergunta Vitor com um ar desconfiado.
- É...
- É...o que?
- Ah... sei lá, pai. Eu acho que ela sente a sua falta.
- Ela comentou alguma coisa com você?
- Não, mas a gente sente isto. Minha mãe não é de falar, mas eu...
- Você o que?
- Pai, você promete que não conta nada à Celinha?
- O que, minha filha?
- Pai sobe aqui comigo.
Bertinha aproveitava o momento, pois Allan e Celinha haviam saído com a avó. Pega o pai pela mão e sobe com ele até o quarto. Chegando lá, abre a mochila e mostra vários papéis amassados.
- O que é isto? – perguntou intrigado Vitor.
- Lê, pai. – Bertinha entrega os papéis para o pai, que os abre para entender o que está escrito. Reconhece que a letra é de Helena:
“Apesar de separada, não consigo parar de pensar “naquele mala” do Vitor. Parece praga! Eu quero esquecer, preciso esquecer, mas não consigo! Fico representando pros meus filhos, espero a noite pra poder chorar. Dizem que eu já me separei dele tarde, que ele não merecia ter sido casado comigo tanto tempo, me fazendo aturar as bebedeiras, às humilhações que ele se expunha. Mas o que fazer? A gente não escolhe de quem a gente vai gostar! Por que eu precisava fazer o que fiz no fim do ano? Ele estava errado, claro, mas eu estava tão cheia que queria me vingar. Agora, os meus sonhos foram por água abaixo. Eu queria adotar uma criança. Queria mais uma menina. Tinha falado com ele, ele concordou. A Lolô disse que ia entregar o caso a uma amiga. Como é difícil! O pior é ter que admitir que eu ainda amo aquele cara! Mesmo sofrendo, não vou “entregar os pontos!”Ele tem que sentir o que fez comigo todos estes anos! Vou chorar de novo...”
Bertinha, querendo fazer as vezes de “cupido”, achara os papéis amassados ao acaso no lixo ainda quase vazio. Sem que a mãe percebesse, guardou-os consigo na intenção de mostrá-los ao pai, logo que tivesse oportunidade.
- E então? – perguntou Bertinha, como que esperando uma conclusão do pai.
- Você é esperta, hein, filha? Mas eu acho que ela não vai voltar pra mim. Ela está muito magoada.
- Pai, a minha avó Marisa diz sempre que as palavras têm poder. Você tem que acreditar que ela vai lhe perdoar. Se você ficar nesta de que ela não volta, aí é que ela não volta mesmo.
- Vamos ver...é dar tempo ao tempo.
Apesar da ansiedade, Vitor procurava conter-se. Um fio de esperança começa a nascer em seu coração e lembra-se das palavras de Angelina. Mesmo assim, ainda se pergunta: “Será que ela sente a minha falta?” “Será que ainda lembra nossos bons momentos?” “Devo ter esperança?” Só o tempo responderia.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

CAPÍTULO XII UM DIFÍCIL RECOMEÇO

CAPÍTULO XII
UM DIFÍCIL RECOMEÇO
Um novo ano começa, e velhos problemas se repetem; embora Vitor até chegue a prometer não beber mais, tudo é em vão, pois não resistia aos convites dos “amigos”.
Helena procura seguir sua vida de forma resignada, mas vendo que a situação chegava a um nível cada vez mais difícil de tolerância, vê como uma estratégia sair nos fins de semana com os filhos e começa a levá-los para o sítio de uma amiga na zona oeste.
Devido à sua persistência em ir ao ALANON, permanecia firme no propósito de não brigar com Vitor e não questioná-lo em relação à sua resistência em recuperar-se do alcoolismo.
Embora algumas vezes distante, Helena sentia saudade de Vitor, do seu jeito engraçado, mesmo quando bêbado em momentos que a bebida não fazia nele um efeito agressivo.
Numa de suas saídas, Helena, na casa de sua amiga Joyce, ouvia atentamente ao rádio, prestando atenção numa música.
- Quanta concentração. – comenta Joyce.
- Ah...
- Esta música diz alguma coisa a você?
- É...Uma das minhas músicas com o Vitor.
- Que privilégio, vocês não são casal de uma música só.
- Pois é...
- É, você está aqui, foge dele, mas não esquece dele.
- Que fazer.
- Não posso nem opinar, não há um antídoto antipaixão.
- Olha, Joyce, eu já quis jogar tudo pro alto, mas quando eu vejo a Bertinha e a Celinha... – o Allan nem tanto, é muito pequenino embora sinta a falta do pai – Será que a gente deve pensar tanto assim nos filhos?
- Ah... Deve! – incentivou Joyce. – Se o casamento não dá certo, pelo menos restam eles de bom.
- O seu caso é diferente Joyce. O Vitor nunca me traiu.
- Bem... Você tem certeza?
- Se ele fez, fez muito bem feito. Ele está sempre com os amigos.
- Os “amigos”, Helena, são unidos na hora da traição. Você acha que algum “amigo” do Vitor diria para você: “Helena, Vitor está traindo você”.
- Não acho, mas eu conheço, por exemplo, aqueles gêmeos, Olavo e Otávio e acredito que se eles soubessem, não o apoiariam.
- Como você é ingênua, Helena! Homem é tudo igual.
- Joyce, você está descrente por causa do seu casamento que acabou por causa de traição. Não são todos iguais, não.
- Espere, pra ver.
As palavras de Joyce pareciam duras demais para Helena, que apesar de chegar aos 30 anos com um casamento marcado por frustrações, até insatisfações pelo jeito acomodado do marido, suas bebedeiras, conservava ainda algum romantismo e esperança, crendo que um dia tudo ainda cessaria.
Helena via que estava fugindo, pois no íntimo sabia que qualquer pessoa de bom senso diria o que outras já haviam lhe dito: “Separa!” “Este cara não tem jeito, é um acomodado!” “Para de pensar nos filhos, na família dele, pensa em você!” Helena ficava com a mente atordoada, não conseguia saber o que fazer, o que deveria fazer. Apesar do comportamento de Vitor incomodá-la, não era fácil, mesmo não vendo possibilidade de mudanças, tirá-lo de repente de sua vida. O menino “mal educado”, o rapazinho idealista, contestador, o apaixonado jovem que ao atingir a maioridade retornava após um exílio de quase 5 anos e com seus olhos castanhos penetrava nos seus verdes, declarando: “Eu vou me casar com você”. Não, Helena não poderia deixá-lo.
Várias vezes ela chegara a ameaçá-lo disto e ele, no estágio de depressão, quando a bebida tomando todo o seu ser, já havia mandado a euforia embora chegava a implorar-lhe que não o fizesse. Quantos sentimentos confusos: amor, mágoa, revolta. Sentia-se usada, manipulada pelo marido, influenciada por terceiros. Ao final de tudo, sem ação.
- Eu vou parar de beber, Lelê.
- Vitor, não prometa para mim, mas para si mesmo. – era o que restava dizer. Ele tinha que ter a consciência exata do que deveria fazer, não para agradá-la, mas para viver bem, primeiramente consigo mesmo.
O ano mal começara, Vitor continuava do mesmo jeito e a relação do casal cada vez mais estagnada.
Tudo levava a crer que seria mais um ano como todos, mas, Eglantine contraíra um câncer, detectado um pouco tarde. Este se intensifica e as despesas do colégio vão aumentando em decorrência do tratamento de saúde que exigia muitos gastos.
Eglantine falece e com ela o estabelecimento. É uma perda mais do que dupla para os professores, alunos e todo o corpo administrativo. Francine reúne todos e comunica a triste decisão:
- Gente, eu não sei nem como começar. A perda que sofremos foi total e irreparável. Eglantine fez falta em todos os sentidos. Era uma pessoa admirável, muito mais que uma amiga, uma irmã, uma mãe para muitos alunos, colegas e professores. Eu sei o que todos estão sentindo, a nossa dor é a mesma. Não temos mais o nosso “braço forte”. Infelizmente, os gastos com a doença foram muitos. Nosso colégio nunca foi uma

fonte excelente de lucro. Não há outra saída a não ser aceitar a proposta de uma empresa que quer comprar o prédio e fazer um empreendimento no local. Assim, nós poderemos pagar aos professores indenização e saldar as dívidas do tratamento de Eglantine. Amei todos os momentos em que estivemos juntos neste colégio. Nós, com todas as nossas diferenças, soubemos ser uma família. Não vamos deixar de nos ver. Como uma grande família que um dia separa-se porque é natural que cada um siga seu rumo, ainda havemos de nos encontrar. Agradeço a todos os serviços, dedicação, amizade, apoio aos alunos, que para nós são como filhos. Sem vocês, nada seria possível. Somos parte um do outro. É muito difícil a separação, mas não há outra saída.
Era mais um fim. Um fim na vida de muitos, uma continuação para outros, um grande recomeço para alguns, inclusive para Vitor.
Com a situação do fechamento da escola, a situação financeira do casal Vitor e Helena, agravava-se. Não há outra saída senão vender o apartamento e iniciar uma vida nova, num lugar onde pudessem viver uma vida sem muitos gastos e construir um futuro para os filhos.
O casal Carajás oferece aos dois a casa de Sepetiba, que quase não era utilizada, senão para férias de veraneio.
Marisa via sua vida mudar também, pois Genaro e Soraya, após um ano de noivado sério, casavam-se.
Conceição realizava seu sonho: a filha era entregue intacta a um jovem trabalhador, responsável e honesto, provando seu amor pela jovem, que largava a carreira de modelo para vir a desempenhar não por imposição, mas por prazer o papel de esposa e futuramente o de mãe. A bela cabocla teria uma vida de conforto, bem estar, muito diferente da que a mãe levara, criando-a sem pai, sacrificando-se para que ela crescesse bem amparada.
Tudo parecia bem para os outros irmãos de Vitor, que assim como Genaro tinham as obras de suas mansões no mesmo terreno bem adiantadas.
Paulo e Heloísa iam bem em suas carreiras e Sérgio, agora noivo de Lúcia, casar-se-ia com esta no próximo ano.
A matriarca dos Castelli, via seus filhos seguindo rumos em suas vidas. Ficava feliz pelos outros e pedia a Deus para consolá-la na angústia em relação a Vitor, pelo qual orava sem cessar.
Vitor saíra do CAMEC e recomeçava trabalho com aulas particulares em Sepetiba, onde Helena, tendo o curso normal dava aulas numa escolinha que montara, com a ajuda do pai, que lhe dera um dinheiro, parte de uma herança de uma tia.
Os irmãos Olavo e Otávio, que tinham uma firma de propaganda e uma editora chamam Vitor para trabalhar com eles no seu escritório no Centro da cidade. Felizmente, eram amigos fiéis.
Os de mesa de bar, na hora da dor, sumiam. O amigo Vitor só era querido para financiar as noitadas dos que eram “duros”, ou para “rachar” as bebidas.
Vitor começava a sentir o quanto estava só. Não na realidade por falta de quem o quisesse bem, mas deparava-se com a dura realidade de que para muitos, na realidade o interesse era ter o parceiro no vício, alguém que pudesse afundar no mesmo barco que naufragava no mar da cachaça. Sua solidão era cada vez maior, apesar de Helena e dos filhos.
Olavo e Otávio se faziam cada vez mais presentes como amigos e conhecendo Vitor desde menino, sabiam que ele tinha um potencial escondido, que havia algo dentro dele pulsando, querendo explodir. Como bons e verdadeiros amigos, procuravam despistá-lo da bebida e incentivá-lo no que tinha de bom.
Um dia, observando seus escritos, Olavo indagou:
- Vitor, eu lembro de uma poesia que você escreveu numa mesa de bar que achei maravilhosa. Eu não lembro o nome, mas é uma que você sabe de cor.
- Será que é “Luz da Poesia?”
- Acho que é.
- Recita aí.
- “Quando vemos um sol pela janela, deixemos que ele entre em nosso coração. Se a porta do amor parece fechar, abrimos e expulsamos o sempre não. O dia que chega e traz a alegria esperada e ansiada ao momento final, nos dá a certeza que a vida vivida, é bem tão divino quanto a glória do céu. E no desencanto” do dia após dia “, quando pensamos que tudo acabou, então constatamos que a luz da poesia traz todo o encanto que a vida mandou”.
- Bravo! Excelente! - Olavo aplaude entusiasmado - Você já a registrou?
- Não.
- Pois deveria, porque além de ser muito boa, é um trabalho que não deve ficar por aí jogado. Um dia alguém encontra e se apropria indevidamente. Siga o meu conselho: registre não só esta como todas as melhores poesias que você tiver. Você tem muito talento e não deve desperdiçá-lo. Podemos até editar um pequeno livro de poesias suas. Não é muito dispendioso.
Vitor via uma oportunidade de expressar seu talento. Sentia-se confiante. O entusiasmo, porém, não era muito compartilhado por Helena, que já nos seus desencantados 11 anos de casada, via o marido como um eterno sonhador.
- Lelê, eu estou selecionando minhas melhores poesias.
- Só pensa nisto, hein?
- “Pôxa...” pensei que você ia me dar a “maior força”.
- Vitor, eu não tenho nada contra que você edite um livro, até gosto de suas poesias, mas tenho coisas muito mais sérias pra pensar.

Apesar de um pouco decepcionado com o descaso de Helena, Vitor prossegue a idéia de lançar o livro de poesias e no meio daquele ano lança o livro que teria vinte das suas melhores poesias e com a dedicatória: “Á minha esposa Helena (Lelê, na intimidade) cuja minha vida e inspiração pertencem”.
O lançamento do livro, na própria editora de Olavo e Otávio foi simples, Mas com presenças importantes além dos familiares do autor.
Elisa, que já tinha ao seu lado o “varão dado por Deus” pelo qual tanto orara de nome Josué, comparecia e incentivava o sucesso do amigo.
Aquele “sucesso” era “fogo de palha”, uma vez que os gêmeos tencionaram com o livro, que o amigo pudesse canalizar a sua atenção para algo mais produtivo.
O livro não teve uma tiragem grande e, portanto rendeu pouco ao seu autor.
Vitor continuava trabalhando e... Bebendo. Helena continuava a freqüentar o ALANON, mas não tinha tanto empenho quanto outras esposas, pois na sua maneira de encarar o problema, considerava-o de fato como sendo do marido e não seu.
Por sugestão de muitos, Vitor acaba aceitando visitar os Alcoólatras Anônimos, mas por mera curiosidade, numa atitude de ver: “Qual é a deles.” A teimosia ainda era um de seus maiores defeitos. Até chegava a afirmar: “Antes bêbado conhecido do que alcoólatra anônimo”. Seu espírito galhofeiro ainda permanecia latente. Porém, mal sabia ele que espírito na realidade era este.
Como em todo o fim de ano, as famílias reunidas fazem suas festas e com a do clã Castelli não seria diferente, apenas com uma novidade: o Reveillon daquele ano seria no recém – inaugurado SOLAR CASTELLI, que abrangia as três mansões num vasto terreno do Recreio, com piscinas, sauna, churrasqueira, quadra de tênis, porteiro eletrônico, salões de festas e muito verde emoldurado por lindos jardins.
Enquanto o primogênito decaía, os outros irmãos festejavam a acelerada e infinita ascensão.
Como não poderia deixar de ser, mais motivos para beber: inveja, mágoa, complexo de inferioridade. Uma falsa alegria toma conta de Vitor, que eufórico grita no meio de vários “socialites”:
- Viva a democracia! Viva Tancredo! Diretas já!
- Que cara chato! – Alguns comentavam. Helena, sentindo-se humilhada, vendo o marido como alvo de zombarias, não agüenta e fica dentro da mansão de Soraya, acompanhada por esta e Heloísa.
- Helena, não “esquenta”. É fim de ano, isto é natural, ninguém está ligando.
- Não queira me consolar, Soraya. Eu vi pessoas debochando dele. É duro.
- Fica calma minha irmã. O Paulo vai trazê-lo pra dentro, o Genaro ajuda. – lá fora, Genaro, Paulo e Sérgio trazem o irmão para dentro quase a força, embora Paulo e Genaro sejam mais duros, Sérgio procura ser tolerante com o irmão, que já começava a sentir-se vencido pelo excesso de bebida.
- Você vai tomar este café – grita Genaro – Como você pode fazer isto comigo, seu próprio irmão? Tem gente importante aqui. Pessoas com as quais estou fechando negócios.
- Vê se toma jeito, Vitor. – reforça Paulo.
- Vitor, pôxa mano. Estou triste com isto. – lamenta Sérgio - Você é o meu exemplo de homem desde menino. Papai morreu quando eu tinha 14 anos. Você ficou sendo como que um pai para mim. Não se destrua assim, meu irmão.
- Eu estou acabado... – Vitor começa a chorar. – Cadê a Lelê?
- Você não vai falar com sua mulher neste estado – adverte Genaro.
- Vitor, você vai subir com a gente – ordena Paulo – mais tarde fala com a Helena. Agora deixa sua mulher em paz. Você já fez muito mal a ela noutras vezes e não vai mais fazer agora. Se você ainda quer salvar seu casamento, vai subir, tomar um banho, deitar e esperar amanhecer de “cabeça fria!”
A resistência de Vitor era imensa, mas Genaro e Paulo conseguiriam dominá-lo. Heloísa, também “dava duro”:
- Cunhado, se você não nos atender, vou usar de força, dou-lhe um golpe de karatê. – Heloísa ameaça.
- Não enche! – replicou Vitor agressivamente.
- Genaro! – Heloísa chama - ao ver o irmão, Vitor recua. – Genaro e Paulo levam-no para cima e jogam-no no chuveiro frio. Depois de horas de sono, Vitor levanta tonto às 2 horas da tarde. Soraya está coordenando a arrumação da mansão depois da festa, dando instruções a empregados e vê Vitor.
- Oi cunhado.
- Oi...
- Vitor, que “papelaço!”
- Desculpe.
- Olha, não peça desculpas a mim, mas a si próprio. Depois, lembre-se de pedir à sua mulher e aos seus filhos. Eles não merecem isto. Você também não deve fazer isto consigo mesmo, está se destruindo. Quando você parar e refletir, pode não ver mais nada na sua frente, porque eu francamente confesso que não suportaria o que a Helena suporta. Um dia ela cansa de vez e você ainda vai chorar muito por não ter conseguido se dominar. Estou falando com você isto, porque quero o seu bem. A minha mãe teve um irmão alcoólatra, era um bom homem, mas um dia viu-se só e morrendo de cirrose hepática. Você ainda tem chance, tem gente que o ajuda. Eu estou vendo seus irmãos ficarem cansados disto, sua mãe sofrendo. Pense em quantos o querem bem. Está difícil por causa do seu vício que consiga até um bom emprego! Olha lá, você já tem 33 anos! Neste país, as chances são poucas para as pessoas nesta faixa de idade. Você

tem qualidades, tome uma decisão. Soube que você já foi aos Alcoólatras Anônimos e não gostou. Eu digo que já sei por quê: por que você viu pessoas que já se comprometeram a sair do vício, outras que já saíram dele e você não aceita que o tem. “Toma tenência, rapaz!”
Refletindo sobre as palavras de Soraya, Vitor sente-se envergonhado. Quando volta para casa, Helena não se dirige a ele e Bertinha fala com o pai:
- Pai, a mamãe tem razão em não querer falar com você. “Tava cheio de gente” lá, rindo de você. Você não pensou na gente. Pai, eu só tenho 10 anos, mas eu sei que uma coisa eu nunca vou fazer na vida: beber. Só de ver o que acontece a você, eu tenho nojo de bebida. Pai será que nem se eu pedir, você consegue parar de beber?! Por favor, pai! – Bertinha fica às lágrimas e Vitor ajoelha-se a abraçando desesperado.
- Filhinha, eu vou tentar...eu tenho medo de prometer e não cumprir. – Helena ouve escondida a conversa e também tem vontade de chorar, mas fica firme. Estava decidida a endurecer para que Vitor mudasse de atitude. Se ele não mudasse, pelo menos ela o faria. Sentia que teria que lutar pelo casamento até onde pudesse, pois sabia que os filhos sofreriam com a separação.
Vitor consegue durante algum tempo parar de beber. Ele e Helena vão aos poucos começando a se entender e procuram não ir aos lugares onde houvesse bebidas. Vitor continua a ir aos Alcoólatras Anônimos, porém ainda como mero espectador, ouvindo os depoimentos, mas nunca aceitando dar a palavra. Na realidade, Vitor tomava uma atitude de “quebrar o galho”, se bem que durante algum tempo conseguiria não beber.
Durante as férias dos filhos, Vitor aproveita para dedicar-se mais a eles e ajudar Helena, que pelo serviço doméstico e os afazeres com a escolinha, sentia-se exausta.
Como Olavo e Otávio eram na realidade amigos e não patrões, numa de suas idas ao escritório que ficava mais sob sua responsabilidade do que a dos gêmeos leva suas filhas, que acham tudo uma novidade. Precisando descer, Vitor avisa:
- Gente, eu vou precisar descer. Como sei que não devo deixar as duas sozinhas, você que é a mais velha fica aqui, Bertinha, enquanto eu desço com a Celinha.
- Ah, pai, sempre eu? – reclama Celinha.
- Eu te dou uma coca-cola. – sussurra Vitor ao ouvido de Celinha.
- Ah, tá!– responde ela animada.
- O que foi que você falou pra Celinha? – pergunta Bertinha enciumada.
- Segredinho nosso – despista Vitor.
- Ela não queria ir e mudou logo!
- Vamos lá, Celinha.
Os dois divertem-se e depois do lanche tem uma idéia:
- Quando a gente subir, vamos “atiçar” a sua irmã; você diz que eu dei coca-cola e agente leva um pacotinho desses sonhos pequenininhos pra ela.
- Tá. – Ao subir, Celinha faz uma pose, cheia de si e fala:
- Saí com meu pai porque ele me deu coca-cola.
- Eu sabia!
- E sonho.
- Trouxemos pra você.
- Oba! – Bertinha mete a mão no saquinho e lambuza-se de sonhos.
Na família Castelli, não há muitas novidades.
No clã dos Carajás, sim, pois sua filha caçula Hélida (Lili) dá a luz a sua primeira filha: Mariana.
Nos fins de semana, ainda nas férias dos filhos, Vitor e Helena vão à casa de Marisa, a avó sempre presente e incansável que recebia sempre filhos e noras com um banquete.
Vitor, numa bela tarde ensolarada de sábado, vai com as filhas andar de bicicleta na Lagoa, enquanto Allan fica com a mãe na casa da avó.
Bertinha e Celinha divertem-se, apostando corrida, mexendo com as pessoas e até cantando quando vêem outras meninas de bicicleta, cantando: “Menina vai, com jeito vai, se não um dia, a casa cai”. Tudo parece bem, quando Vitor encontra um amigo.
- Vitor?
- Oi, Humberto.
- Você engordou um pouco hein?
- “Desemagreci”, você quer dizer.
- Sempre piadista. Seus filhos estão aí?
- Só as meninas, o meu caçula está com a Lelê na casa da minha mãe.
- Estão grandes, hein?
- A mais velha, a Bertinha, cresceu mais, está com 11 anos e a outra, a Celinha, vai fazer 8.
- Sei... – os dois continuam conversando, passando por um lado da Lagoa onde há uma ponte inclinada. Como Celinha está dirigindo a bicicleta mais acelerada, não consegue frear e esta vira fazendo a menina cair-
- Cuidado! – grita apavorada uma mulher que passava do outro lado – Celinha fere a têmpora esquerda e Vitor, que não tivera tempo de impedir a queda da filha, vai desesperado em seu socorro, pegando-a no colo. Celinha chora muito de dor.

- E agora? – Vitor fica sem saber o que fazer.
- Tem um atendimento médico neste clube aqui perto. Vamos lá, Vitor! – sugere Humberto.
Enquanto isto, Helena está despreocupada na casa de Marisa, conversando com Tonha.
- Como está tudo?
- É, bem na medida do possível.
- O Vitor não está bebendo, está?
- Pelo menos por enquanto, não.
- Creia que ele já parou.
- Eu confesso que não tenho a mesma fé que vocês. Prefiro ser mais realista e crer no que vejo, sem esperar pelo que ainda não vi acontecer para não me decepcionar. Eu estou levando.
- Helena, ele vai parar de beber, eu creio nisto, Marisa também.
- Sabe, Tonha, eu acho que ainda não me separei do Vitor, porque ele tem ainda um lado muito romântico.
- Por que você diz ainda?
- Por que eu não sinto que eu ainda seja romântica. Eu estou ficando cheia. Ele continua fazendo poesias pra mim, continua carinhoso. Às vezes até enche, porque é “melado” demais.
- Ele a ama como você é, procure aceitá-lo com os defeitos e qualidades dele. Ele sempre foi um bom menino, até muito melhor do que os outros. O Vitório era muito exigente com e ele, porque ele sempre foi polêmico, sempre foi contrário às normas rígidas, mas eu digo: no que ele tem de bom, foi aperfeiçoado, os irmãos, depois que começaram a ganhar dinheiro, ficaram de um jeito, que nem a Marisa está reconhecendo. O Sérgio eu não incluo, porque está bem de vida, mas é outro temperamento. Está apaixonado, vai casar. Mas o Paulo e o Genaro estão ficando cheios de si, o Genaro então parece que se acha dono do mundo.
- Mas também está feliz.
- Está feliz, mas está dando pra ficar esnobe. Eu não fui ao Reveillon dele porque em primeiro lugar gosto de passar na igreja e depois, não me sentiria bem no meio daquela “granfinada”.
- A Soraya sentiu sua falta.
- Mas ela é um amor, uma pessoa humana, que veio de uma origem pobre e não ficou metida. Eu já conheci o “Solar”, achei uma beleza, mas eles, parecem que esqueceram desta negra que ajudou a criá-los como filhos. Com exceção do Vitor e depois do Sérgio, sinto uma diferença muito grande.
- Não esquenta com isto, Tonha.
- Minha querida, eu oro por todos eles. Deus não faz acepção de pessoas, apesar do ser humano fazer.
- Eu estou começando a ficar preocupada. O Vitor está demorando muito. Será que ele foi beber outra vez?
- Junto com as meninas, Helena? Ele não seria tão irresponsável.
- Eu espero por tudo, Tonha. Ele pode ter encontrado algum amigo e... Sei lá...
- “Esfria”, minha querida.
Pouco depois, quando Helena vai ficando mais apreensiva, chegam Vitor, Bertinha e Celinha, com um curativo e Humberto acompanhando os três.
- Que foi isto na minha filha?! – exclama Helena assustada.
- Lelê, eu posso explicar...
- Começa a explicar logo!
- Calma, ela levou um tombo da bicicleta.
- Seu irresponsável! – Helena parte para cima do marido e Humberto procura ajudar.
- Calma, Helena, estas coisas acontecem.
- Acontecem? Minha filha podia ter morrido! O lugar onde ela feriu é muito perigoso! Aposto que vocês ficaram batendo papo e deixaram a menina pra lá.
- Mãe, ela estava dirigindo a bicicleta muito rápida numa ponte muito inclinada. Não foi culpa do papai. – defendeu Bertinha.
- Puxa bastante o saco do seu pai, puxa! Queria ver se tivesse sido pior! Ainda bem que o Allan ficou aqui comigo!
- Minha querida, não fique assim, foi um livramento de Deus. – contemporiza Marisa.
- Ah, Marisa! Não me vem com esta conversa! Você está querendo botar “panos quentes no seu filhinho!”
- Gente! Vamos acabar com esta discussão. – interfere Tonha – foi desagradável, o Vitor não vigiou, mas o amigo dele ajudou. Podia ser um daqueles que quando acontece alguma coisa cai fora e não foi assim. Eu agradeço a ajuda dele em nome de todos, porque a Celinha está bem e mesmo que você não acredite Helena, foi um livramento, porque o Vitor também há muitos anos caiu de bicicleta de uma altura que outro também caiu e acabou ficando dois meses engessado. Vamos entrar, tomar um café e “esfriar a cabeça”.
Helena se acalma, mas não consente mais que Vitor saia sozinho com os filhos sua confiança no marido vai cada vez mais se extinguindo.
Como os familiares pensam em conciliar, vendo que Helena está cada vez mais tensa e cansada, Heloísa e Paulo oferecem ficar com os sobrinhos por uma semana nas férias. Para os três, ficar naquele espaço enorme era melhor do que qualquer outra diversão. Lá, todos se maravilham com o imenso jardim, as piscinas e o contato principalmente com Soraya e Heloísa.

Os tios Genaro e Paulo, não se mostram muito desembaraçados, mas são simpáticos com os sobrinhos.
Coisas engraçadas acontecem, principalmente com Bertinha e Celinha, numa ocasião em que Heloísa deixara as meninas com Paulo, pois saíra com Allan e Daniel.
- Celinha, que acha de deixar o tio Paulo doido?
- Como assim?
- Vamos aproveitar que ele está sozinho com a gente e curtir um pouco com a cara dele, vamos fingir que estamos brigando.
- Vai ser “engraçadão!” – concorda a menina rindo. Bertinha começa encenando a briga:
- Eu te odeio!
- Quem te odeia sou eu! – responde Celinha quase rindo.
- Desgraçada, eu vou te quebrar!
- O que é isto, meninas, parem! – Paulo que estava no seu escritório próximo à sala, corre para separá-las. As duas rolavam no chão fingindo se agredir. – Vocês são irmãs, não briguem! – Paulo fica desesperado.
- Tio! Esta menina é uma chata! Ela vive implicando comigo! Eu vou acabar com ela! – Bertinha joga-se em cima de Celinha, que de tanto rir, finge que está chorando, pois chegara às lágrimas.
- Ela tem inveja de mim! Eu sou mais bonita que ela! – encena Celinha.
- Que é isto, minhas queridas, não briguem! O que eu vou dizer pra sua tia quando chegar?
- Que eu matei esta garota! – responde Bertinha. Novamente se jogando em cima da irmã, que continua rindo, convencendo ao tio que está chorando.
- Viu como esta menina é covarde? Eu sou menor, me salva, tio!
- Parem!!! Pelo amor de Deus, parem!!! – neste momento, chega Heloísa com Allan.
- Mas o que é isto?
- Elas...Elas estavam brigando.
- Elas estavam brigando como qualquer irmã briga e você está com esta cara de quem viu assombração? “Dá um tempo”, Paulo.
- Mas...
- Mas o que?
- Elas estavam se machucando.
- Não tem problema. Eu ainda lembro de tudo que aprendi quando enfermeira, eu prestaria os primeiros socorros se uma esfacelasse o crânio da outra.
- Não brinca com isto, Helô!
- E você, não leve tão a sério.
- Mas Helô...
- Paulo, chega, tá?
- Você tá vermelho, pai. – observa Daniel achando graça.
- Tio Paulo fica engraçado quando nervoso. – se diverte Allan.
As meninas trancam-se no quarto para poder rir.
Quando as crianças retornam, o casal Vitor e Helena, já haviam voltado “às boas”.
Helena resolve viver o momento presente, não se iludindo que o marido, como já haviam prevenido no ALANON, poderia ter uma recaída. Como não o via beber tinha esperanças de que pudesse conscientizar-se do quanto o álcool era prejudicial. Porém sabia, que não bastava falar, ele teria que entender.
Um dia, Elisa vai com o marido Josué e sua filhinha Ester visitar o casal. Pela liberdade que tinha com os dois, pergunta:
- E aí, Vitor, como é que está esta “força?”
- Estou bem.
- Querido, quando você entender o que é Jesus na vida de alguém, vai saber o que é estar bem.
- Ih...Já começou com este papo?
- Vitor, quando você quiser, Jesus está sempre disposto a “bater um papo” com você. Não precisa nem marcar hora.
- Ele vai se materializar é? – debocha Vitor.
- Não precisa. Basta você fazer com Ele como todo aquele que. O aceita como salvador faz: “Eis que estou à porta e bato, aquele que abrir, entrarei e cearei com ele” (Apocalipse, 3; 20).
- Tá...
- Vitor, eu também tive na minha vida razões para não acreditar que o amor de Deus existisse. Eu aos 14 anos fui posta pra fora de casa, porque tinha me envolvido com um marginal, 10 anos mais velho e que, portanto, deveria ter muito mais noção de certo e errado do que eu. Eu comecei a me “virar” cedo, trabalhei em botequim, fui servente em colégio, fui aprendendo a cozinhar e podia ter parado em reformatório, não fosse as pessoas que conheci terem pensado que a minha vida ia acabar se eu tivesse ido para um. Deus me guardou, impediu que isto acontecesse, pra que eu não virasse uma marginal também. Conheci o General e Dona Marta, que foram maravilhosos, me empregando na casa deles, mas tomando afeição a mim. Entenderam que eu era trabalhadora com vontade de vencer. Eu venci, eu estudei, terminei o 2º Grau, coisa que poucas pessoas na minha condição social conseguem. Fiz cursos, aprendi a fazer comida congelada. Hoje, eu tenho um Buffet. Não consegui nada de um minuto pra outro. Tudo veio aos

poucos. Mas, depois que eu conheci Jesus, tudo mudou e o que estava bom, ficou melhor ainda. O que faltava, antes de eu ter o meu próprio negócio, era ter um varão. Deus me deu o Josué. Nós somos felizes e temos uma filha linda cheia de saúde.
- Pra que este discurso todo?
- Pra você entender, que quando você aceitar Jesus, tudo pode mudar na sua vida. Eu O aceitei e a minha vida foi muito mais difícil que a sua. Pra ser franca, Vitor, antes de ter Jesus, eu, que havia dado força pra Lelê casar com você, achava que ela tinha que te largar, porque eu não tinha estrutura pra agüentar seus porres. Pense no que eu disse, porque foi para te abençoar. Depois, não vá se queixar com a Lelê que eu me meto na sua vida. Eu sei que posso parecer chata, sei até que muitas vezes falo até demais. Mas eu prefiro falar pra depois não me sentir culpada de não ter falado. Se eu já o magoei alguma vez, ou se agora eu lhe pareci invasora, a única coisa que posso fazer é pedir perdão. Eu e Deus sabemos qual foi a minha verdadeira intenção.
Apesar de até refletir sobre as palavras não só de Elisa, mas de várias outras pessoas que o haviam alertado, Vitor tinha uma personalidade controversa; o “querer e o não querer parar de beber” “Eu sou assim, mesmo”, “Eu não consigo”, “Será que tenho que parar de beber?” Todas estas idéias conflitantes passavam pela sua mente.
Vitor driblava Helena, bebia quando esta estava longe, pois algumas vezes passava fins de semana no sítio de Joyce com os filhos, quando o marido apresentava irritação pela abstinência da bebida.
Chegava o dia do casamento de Sérgio e Vitor teria que se controlar, pois como em todas festas haveria uma variedade de bebidas. O senhor Antonio Carlos, pai de Lúcia, homem muito bom, humano sabia por Sérgio das dificuldades de Vitor. Com muita sabedoria, fala ao genro:
- Sérgio, seu irmão não é o primeiro nem será o último a ter dificuldades com a bebida. Pode ficar tranqüilo, eu vou dar a ele o que precisa: amizade. Muitas pessoas não aceitam as dificuldades, vícios de parentes. Mas, quando alguém que não está envolvido resolve ajudar, as coisas podem melhorar.
- Ah, “Seu” Antonio Carlos, a coisa não está fácil, meus irmãos já estão saturados.
- Deixa comigo, meu querido.
Realmente, o Sr. Antonio Carlos cumpria a promessa. O que muitos não conseguiam, a maior parte do tempo, passou ao lado de Vitor, conversando com este, instruindo o garçom para passar rápido, sem que desse tempo dele pegar alguma bebida. Quando não pudesse estar, mandava a mulher, Dona Luiza ou a filha conversarem com Vitor. Vitor só conseguiu tomar alguns goles de champanhe na hora do bolo.
- O senhor é esperto, hein, “sogrão?”. – elogiou Sérgio.
- Meu filho, são muitos anos de vivência. Conheci as mais variadas pessoas. O segredo é saber lidar com elas. O seu irmão me passa ser uma pessoa fantástica, o que ele precisa é sentir-se realizado. Precisa ter mais confiança em si.
- O senhor agora disse tudo.
Apesar da estratégia do sogro do irmão caçula, Vitor não estaria livre de recaídas.

quarta-feira, 25 de março de 2009

CAPÍTULO XI A FIDELIDADE DE DEUS

Com o passar dos dias e o fim das férias, a rotina de Vitor e Helena recomeça, porém um pouco diferente, já que Vitor, diante de um sentimento de ameaça de separação, procurava evitar beber. Conseguiria até durante um bom tempo dispensar o tradicional chopp dos sábados com os amigos. O casal iria mais à casa de Marisa que seria um “porto seguro”, pois lá, desde o falecimento de Vitório não entrava uma garrafa de álcool.
Como em todos os anos existem as costumeiras comemorações em família, lá estaria a dinastia Castelli homenageando sua matriarca no dia das mães. Pouco antes da chegada dos filhos, Marisa, sempre com esperanças de melhores relacionamentos familiares, telefonaria para sua cunhada Mary. As relações entre o irmão Ciro e esta última, estariam estremecidas desde o falecimento de Dona Noemi, pois houve um afastamento da parte de Mary. Ao atender ao telefone, Mary apesar de educada mostrou-se fria:
- Alô?
- Mary?
- Sim?
- É Marisa.
- Ah...Tudo bem?
- Tudo bem, Mary. Como está o Ciro?
- Bem, obrigada.
- E os meninos?
- Também.
- Eu liguei para lhe desejar um feliz dia das mães.
- Ah...Obrigada.
- Os meninos devem ir aí, não.
- É, vem almoçar. Eu não posso demorar muito, tenho que cuidar dos preparativos.
- Tudo bem, Mary. Só liguei porque lembrei de você. O Ciro está bem?
- Tudo bem.
- Então, um feliz dia das mães.
- Para todos vocês também. Tchau.
- Tchau.
Os filhos chegam a durante o almoço, Marisa que convidara também Conceição e Soraya, além dos Carajás, comenta:
- Falei com a Mary.
- É? – pergunta Genaro com desdém. – É claro que ela deu um jeito de despachar você logo.
- Não fale assim, filho.
- Mamãe, você é boa demais! Ela não merece tanta consideração, nunca teve por você. – completa Vitor.
- É mesmo. – concorda Paulo.
- Não se deve guardar rancor, filhos.
- Gente, nós estamos aqui reunidos para comemorar o dia das mães – intervèm Tonha. – eu estou feliz por vocês estarem aqui, estou com minha filha, meus netos. Vamos agradecer a Deus.
O almoço transcorre bem e todos ainda estão reunidos ao cair da tarde, quando toca o telefone.
- Alô?
- Tia Marisa. – era Carla, filha caçula de Ciro e Mary.
- Carla? Que surpresa!
- Pena que não seja boa.
- O que houve?
- Tia Marisa, minha mãe está no Miguel Couto, foi pra emergência.
- Como?! Falei com ela ainda hoje!
- Eu a deixei no apartamento onde tem a confecção e ela ligou passando mal, dizendo que ia morrer, estava sentindo dores muito fortes de cabeça, vomitando muito.
- Meu Deus...
- Estou aguardando notícias.
- Não deixe de ligar assim que souber.
- Tá.
Marisa relata o fato aos filhos e noras e todos esperam por notícias. Um pouco mais tarde, Carla liga e Marisa ao falar com esta exclama:
- Meu Deus!
Ao perceberam a apreensão de Marisa após desligar o telefone, todos ficam preocupados.
- Que foi? Morreu? – pergunta Paulo.
- Que é isto?! – exclama Heloísa.
- Não...Estão com suspeitas de que seja aneurisma.
- Mamãe, pior é que eu estava pressentindo isto – confessa Vitor.
- Tudo vai ficar bem. Deus está no controle. Ela vai ficar curada em nome de Jesus. – afirma Marisa.
- Vamos orar. – concorda Tonha.

Mary é transferida para um hospital particular, curiosamente de fundação de uma igreja evangélica. Todas as manhãs, um pastor vinha e evangelizava Mary, que o ouvia por educação. Ciro, na maioria das vezes não estava no quarto. Uma vez, porém, ao entrar e ver o pastor sair queixou-se com a enfermeira:
- Enfermeira, eu estou com minha mulher aqui, não por ser um hospital de religião evangélica. Estou porque sei que é um bom hospital. Não quero mais saber destes pastores vindo aqui. Já chega minha irmã com esta mania de igreja!
- Sim senhor. – a enfermeira sai e diz baixinho: “Tá amarrado em nome de Jesus”. Mas, glória a Deus! Pelo menos ele tem uma irmã evangélica e não pode impedir nem a nós nem a ela de orar.
Poucos dias depois, Marisa, que incansavelmente ia visitar Mary, traz a notícia a Paulo e Genaro:
- E então, mamãe, como está a tia Mary? – indaga Paulo.
- Melhorou? – pergunta Genaro.
- Ela vai ter que operar. – responde Marisa um pouco triste.
- Então é grave? – deduz Paulo.
- O Senhor vai usar os médicos, pois ele levou sobre si todas as nossas enfermidades. Ele vai usar os médicos, principalmente porque muitos deles são povo d’Ele.
Paulo e Genaro não dão muita importância ao que disse a mãe. Ficam com um jeito um pouco desconfiados e descrentes, mas não discutem.
A recuperação de Mary após a operação seria excelente. A área do aneurisma cerebral foi de fácil operação, do lado esquerdo da cabeça. Durante 18 dias, Mary não se lembrou de nada do que aconteceu, mas tão logo pôde, Marisa conversou mais longamente com a cunhada.
- Você parece muito bem, Mary.
- Devo estar parecendo um “guru”, mas vou ficar assim mesmo, não gosto de usar peruca ou lenço, esquenta muito.
- Você não tem vontade de sair?
- Eu agora estou descansando. O pior já passou. Esta doença me fez pensar muito, os valores da gente mudam.
- Eu sei como é. Você sabe que eu também tive este mal e fui curada.
- É...mas você não precisou operar.
- Sim, mas a sua operação foi um sucesso. Jesus curou você como a mim também, usando o Seu povo.
- Eu não sei bem o que você quer dizer, mas eu senti uma grande dedicação dos médicos. Realmente, a mão de Deus deve estar nisto.
- Com certeza está Mary.
- Por isto mesmo que eu quero aproveitar a ocasião para agradecer às suas visitas e o apoio. Não acho que eu tenha merecido isto.
- Nada do que nós temos é por merecimento, Mary, é por graça e misericórdia de Deus.
- Não posso negar que eu recebi esta graça. A dor que eu senti naquele dia foi uma coisa impressionante.
- É Mary, as dores que nós sentimos nos enganam. Você lembra da minha tia Carmen? Ela teve um enfarte fulminante, nem sentiu dor violenta e faleceu de repente.
- É, “para morrer, basta estar vivo!” – sintetizou Mary.
- Deus nos deu O Seu Filho, para que tivéssemos vida em abundância.
- Marisa, eu gostaria de não deixar de dizer, ou melhor, de pedir uma coisa.
- O que?
- Que você me perdoasse.
- Perdoar?! De que?
- Marisa, você sabe que eu nunca fui uma cunhada exemplar, que nem mereci a atenção que você me dispensou em minha doença.
- Mas Mary, eu estou acostumada a dar atenção às pessoas, principalmente em casos de doença. Eu não sou tão atenciosa assim.
- Você sabe que há muito tempo eu venho sendo distante, sem querer aproximação e sei que colaborei para que seu irmão não convivesse tanto com você. Com isto, eu privei meus filhos do contato com os seus. Tudo desde o falecimento de sua mãe.
- Isto já passou. Eu também me afastei. Por que lembrar disto agora?
- Marisa, quando a gente fica perto da morte, dá mais valor à vida e às coisas que sem saber perdeu. Eu sempre fui distante, até antipática e me privei de um bom relacionamento com você. O Vitório devia me odiar.
- Não, Mary.
- Digamos que ele me tolerava, tanto a mim quanto ao Ciro.
- Mary, o Vitório também não tinha um gênio fácil.
- Ele teve suas razões. O Ciro também não é a mais accessível das pessoas.
- Mary, de que adianta remexer em passado? O passado passou. As coisas hoje estão diferentes, você já passou por tantas coisas, eu também e estamos aqui. Ninguém guarda mágoas de ninguém.
- Marisa, eu sei que seus filhos não simpatizam comigo. Se não tivesse sido o Ciro, eu sei que por mim, nós não teríamos mais contato.

- Mas mesmo quando o Vitório era vivo nós tínhamos uma convivência amistosa. – relembrou Marisa. - O Ciro teve até muito boa vontade com o Sérgio quando o levou para passar um fim de semana em Petrópolis. O Sérgio é que sempre foi um menino fechado.
- É... Mas daqui pra frente as coisas vão melhorar.
- Se você se sente melhor em ouvir de mim que eu a perdôo, saiba que eu a perdôo. E também peço perdão, pois sei que também fui distante. Agora, eu também peço desculpas, porque tenho que ir. Está tudo bem. Não vamos pensar mais no passado. Como você disse: as coisas vão melhorar, aliás, já estão melhores.
Mary sentia-se realmente culpada pelo seu afastamento. A enfermidade que sofrera a fizera repensar muitas atitudes erradas do passado, não só em relação à Marisa, mas a outras pessoas. O Espírito Santo de Deus a tocara fortemente naquela situação inesperada em que correra risco de vida. Ela e Ciro já haviam se decidido por vender seu apartamento e morar em Petrópolis e em concordância com este e com os filhos, toma uma atitude: a casa de Petrópolis que ficara para eles seria passada para Marisa, pois com o dinheiro do apartamento poderiam comprar outra boa casa por lá e sobraria muito dinheiro. Marisa ficou surprêsa, porém feliz ao receber a notícia:
- Tonha! Eu nem acredito!
- É benção minha querida! A justiça de Deus não falha, Ele é fiel!
Poucos dias depois, num fim de semana, Marisa iria levada por Vitor e Helena ver a casa. Embora Vitor estivesse bebendo menos, conseguia quase sempre driblar Helena, bebendo fora de casa, depois do expediente, nos momentos em que ela não estivesse presente. Naquele dia, já bebera sem dar a perceber. Porém, uma situação inesperada iria sinalizar que o havia feito, quando ao estar dirigindo, demonstra uma falta de reflexo e Helena grita:
- Vitor! Um caminhão vindo da outra pista, cuidado! – Vitor desvia a tempo e o caminhão embora um pouco veloz, é freado pelo motorista, mesmo assim batendo de leve no carro amassando-o um pouco. Apesar do susto, Marisa imediatamente exclamava:
- Glória a Deus! Senhor, obrigada pelo livramento! – o motorista sai do caminhão e pergunta mansamente a Vitor:
- Está tudo bem amigo?
- Sim...
- Eu estava um pouco veloz, me perdoe. Eu gostaria de convidá-los para tomar um café.
- Não é preciso. – recusa Vitor educadamente.
- Aceita Vitor. – Helena insiste, pois vê nisto uma medida de segurança, pois se Vitor tomasse um café, passaria a bebedeira. Após tomarem café e conversarem descontraidamente, o caminhoneiro despede-se:
- Eu amassei o seu carro amigo. Gostaria de pagar o conserto.
- Não é preciso.
- Eu faço questão. Tome o meu cartão. – Vitor aceita o cartão que no canto tem os dizeres em negrito: JESUS TE AMA. Marisa que já tinha visto os mesmos dizeres escritos na frente e na traseira do caminhão despede-se do homem dizendo:
- A paz do Senhor, irmão.
Ao chegarem à casa, todos vibram, as crianças brincam, Marisa e Helena conversam felizes. Só Vitor fica apático e calado. No caminho de volta, Vitor continua quieto. Deixam Marisa em casa e ao chegarem, Vitor prepara-se para sair.
- Pra onde você vai? – pergunta Helena.
- Sair!
- Mas pra onde?
- Por aí!
- Vitor! – de nada adianta chamá-lo, pois sai porta afora sem lhe dar nenhuma importância. Muito triste Helena liga para Marisa e se lamenta.
- Marisa, Vitor saiu outra vez para beber. Ele vai encontrar aqueles amigos que só são amigos na hora da bebida! Eu não agüento mais!
- Não fique assim, querida, eu vou orar.
- Orar! Marisa, isto não adianta nada! Está tudo voltando!
- Helena, eu serei muito sincera; eu também cheguei a desanimar, perguntei pra Deus o porquê. Eu também tive momentos de fraqueza. Mas quando eu lembro que Deus me aceita do jeito que eu sou, volto a me sentir em paz.
- Então, por que este Deus não faz o Vitor parar de beber?
- Querida, eu acredito que Ele vá fazer. O que acontece é que Ele faz do jeito que quer, na hora que quer, porque Ele sabe de tudo. Se ficarmos ansiosas acabaremos atrapalhando o plano d’Ele. Pare um pouco pra pensar no livramento que tivemos hoje, na benção que recebi ganhando aquela casa de volta. Nós fomos muito abençoados. O motorista do caminhão é cristão e demonstrou ser um bom homem.
- Às vezes eu acho que Deus tem coisas mais importantes para se preocupar.
- Minha querida, “Os olhos de Deus estão em todo o lugar”.
Vitor, que mais uma vez saíra para beber com os “amigos”, - entre eles Raul – mostra-se num certo ponto da reunião no bar, já a altas horas da noite, calado e com a expressão fechada. Raul que cantava e bebia cada vez mais, comenta:
- Ô Vitor, você tá de “baixo astral”, hein?

- E vou continuar assim em casa! Tchau! – Vitor sai porta afora, quase não se agüentando em pé, para e senta num pequeno degrau da entrada de uma loja fechada. Um pouco depois, Raul e os outros o avistam de longe e um deles sugere:
- Vamos chamá-lo!
- “Deixa ele” lá, ele não pagou a conta! – retruca Raul com raiva. Vitor sentia-se arrasado. Não querendo aceitar o vício e por outro lado não se satisfazendo mais entre os amigos, sente-se só. Completamente só. Depois de reunir forças para conseguir levantar-se da soleira da porta de uma loja, vai para casa. Ao entrar, encontra seu pijama e roupa de cama no sofá.
De manhã, Helena deixa as crianças na casa de Marisa e tem uma conversa com Vitor:
- Vitor, eu não me surpreendi com o que você fez, pois não é a primeira vez. Felizmente não houve maiores conseqüências. Eu não digo que não fiquei preocupada, mas resolvi me desligar um pouco, porque se eu esperar que você resolva entender que não deve beber, não faço mais nada na vida. Falei com sua mãe, ela me tranqüilizou, disse que ia orar por você e acho que deu certo. Quero que saiba que se eu deixei suas coisas na sala, é porque tenho o direito de não querer me deitar com alguém cheirando a “pinga”. – decidida a se poupar, Helena procura ajuda, pois achava que uma separação seria o último recurso, já que causaria sofrimentos a muitas pessoas. Vai até o ALANON, instituição de auxílio a parentes e amigos de alcoólatras, apreciando a boa recepção:
- Boa tarde, companheira, gostaria de se apresentar, dizer o que a traz aqui?
- Meu marido tem problemas com a bebida. Nós nos conhecemos desde crianças, ele passou um período fora do país quando adolescente. Nos reencontramos e como já nos gostávamos casamos muito cedo. Não sei exatamente com começou a ter o vício, mas desde o nosso casamento tive a sensação de que ele era um pouco compulsivo, se bem que não dava muita importância. Os anos foram passando muitas coisas acontecendo. Por causa da bebida, ele foi se prejudicando e até hoje, apesar de ter emprego, ele não ganha muito como professor e pedagogo, fez também o curso de letras, mas para sobrevivermos e criar nossos três filhos temos ajuda dos meus pais e da mãe dele e até eu tive que passar a trabalhar meio período fora, para ajudar no orçamento. Já disseram que o vício deve ser por revolta em relação ao pai dele que era muito autoritário. Por imposição dele, ele foi morar na Itália dos 16 aos 21 anos. Ele havia se metido em política e ficou visado por isto, o pai teve medo, mas no íntimo tudo o que ele queria era a segurança do filho. Ele deve sentir muita culpa, porque não houve como questionar ao pai tanta rigidez, pois ele morreu pouco antes da volta dele. Acho que ele tem uma revolta interna, um rancor em relação a muitas pessoas que se desfizeram dele, tem parentes que o acham um chato. Eu sei que o bêbado é desagradável, é inconveniente, mas é muito mais cômodo criticar, falar mal do que ajudar. Eu não diria que o meu amor acabou, mas tenho me sentido tão impotente diante do vício dele, que não sei o que fazer. Já cheguei a passar alguns dias longe dele com meus filhos nas minhas férias, para que eles fossem poupados e eu pudesse colocar minha cabeça no lugar. Eu preciso de ajuda, por isto estou aqui.
Durante a reunião, Helena sente-se mais apoiada ouvindo depoimentos de outras esposas parentes e amigos de alcoólatras.
Decide ir visitar os pais, pois continuava a fugir de Vitor, mantendo as crianças mais tempo na casa de Marisa, que cada vez mais era uma mãe que se enchia de esperanças nas orações pelo filho e uma avó incansável, prazerosa em ver o bem estar dos netos, sempre os ajudando e cedendo o imenso quintal de sua casa para brincarem. Helena não encontra os pais em casa, mas Elisa lá está.
- Oi Elisa.
- Oi.
- Papai e mamãe saíram?
- Sim, mas não devem demorar.
- E a Lili?
- Esta não sai da casa dos pais do noivo.Você tem aqui sua irmãzinha negra. Se quiser conversar comigo...
- Elisa...eu fui ao ALANON.
- Quê?
- É uma instituição filantrópica, de auxílio aos parentes e amigos de alcoólatras.
- Ah...Sei, assim como os ALCOÓLATRAS ANÔNIMOS. O que você achou?
- Olha... O problema não é exatamente meu, é dele.
- Não, Lelê, vocês são uma só carne, tudo o que diz respeito a um, diz ao outro.
- Ah, Elisa... Eu me sinto tão desencantada, tão distante do Vitor e ele tão distante de mim. Se eu argumento, ele é agressivo, não aceita que tem o vício. Ele pode até diminuir, mas nunca para totalmente. Eu fui lá para desabafar, mas sinto que não é o bastante.
- Lelê, sem Jesus, nada é o bastante.
- É fácil pra você falar.
- Fácil?! Você acha que eu não tenho o mínimo de compaixão de ver você sofrendo por isto? Acha que sua sogra, que está firme com Jesus não sofre por ver o filho assim, ficando pra trás enquanto os outros crescem, estão até construindo três mansões pra eles? A diferença é que com Jesus, nos suportamos o sofrimento. Ele não prometeu vida encantada pra ninguém; prometeu estar sempre com a gente através do Espírito Santo, mas avisou: “No mundo passareis por aflições, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo”.

- Tá. Acabou a pregação?
- Não, Lelê, o que eu digo é para o seu despertar.
- Olha, Elisa, eu respeito vocês, mas isto não tem nada a ver comigo.
- Lelê, eu vi uma mudança na minha vida. Você mesma sabe de tudo o que eu passei; seu pai foi um pai pra mim, sem ele teria sido muito mais difícil, mas eu sei quem o usou pra resgatar a minha vida: Jesus, porque o General me conheceu com 14 anos, mas o Senhor me conheceu do ventre de minha mãe, até antes disto, porque naquela cruz, Ele já sabia que eu seria preciosa pra Ele, assim como você, como o Vitor, como todo o ser humano, porque o sacrifício d’Ele foi pela humanidade inteira. Infelizmente, muitos não se importam com isto e como Ele deu o direito de todos escolherem seu destino, ainda existem e lamentavelmente existirão muitos que não O aceitarão. Eu sei que você e o Vitor devem me achar uma chata, mas eu sei o que este Deus maravilhoso está fazendo na minha vida. Estou até com um pretendente, que sinto que Deus enviou pra mim.
- Parabéns... – Helena a felicita com uma certa descrença.
- Eu sei que eu serei feliz na vida afetiva. Já sou na profissional, fiz meus cursos, só não largo de vez esta casa porque me sinto em família, mas eles deixam eu fazer meus biscates. O que eu desejo pra mim, desejo pra vocês.
- Obrigada...
- Não fique com este ar descrente. Você ainda vai entender o que eu disse e muito mais, porque eu não disse nem a metade. O que Deus faz na vida da gente é uma coisa tão difícil de dizer que é preciso sentir e você vai sentir. – pouco depois, o casal Carajás chega e o General ouvindo as últimas palavras de Elisa, faz uma pilhéria:
- “Superpregadora” entra em ação!
- Papai! – exclama feliz Helena.
- Oi, querida. – o General abraça a filha. – Chegou bem na hora, trouxemos os pãezinhos que você gosta. Vamos tomar o nosso cafezinho e bater aquele papo!
Helena fica algumas horas mais com os pais e como permanece pouco falante, o pai percebe sua tristeza.
- Lelê, eu não vou perguntar nada. Só quero dizer uma coisa: seu pai está aqui para o que precisar.
- Obrigada, papai, mas está tudo bem.
- Tá...mas eu estou “pro que der e vier”.
Pouco depois, chegando em casa, Helena apresentou sinais de cansaço e de madrugada, levantou-se, preocupando Vitor.
- Que foi, Lelê?
- Nada não, amor.
- Como nada? Você está tão pálida, você não está bem.
- Nada demais, já vai passar. Eu não me senti bem e vomitei. – Vitor toca Helena na testa, no pescoço.
- Você está febril. Vou avisar na creche que você não pode ir trabalhar.
- Não é nada demais, Vitor.
Helena insistia, mas os sintomas iam se intensificando e sendo chamado o médico, foi constatado sarampo.
Como incansável avó dedicada e sogra excelente, considerando as noras como filhas, Marisa cuida de Helena e ajuda Vitor com os netos.
Tonha também oferece seus serviços e Heloísa e Paulo nos fins de semana tomam conta dos sobrinhos.
Helena precisa ser durante alguns dias hospitalizada e Vitor chega a esquecer da bebida e só lembrar que tem esposa. Demonstra ser um marido exemplar, extremoso nos seus cuidados com sua “Lelê”. Como em muitas situações “há males que vem pra bem”, uma enfermidade que aos olhos de muitos é uma maldição, acabou sendo benção na vida do casal.
Recuperada, Helena era só gratidão ao marido, que neste aspecto cumprira com os votos na hora do casamento: “fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”.
Pouco depois do restabelecimento de Helena, Hélida casava-se e usufruiria uma lua de mel em Nova Iorque, presente dos pais. Vitor quase teria uma recaída no casamento da cunhada, contido por Paulo que o vigiaria a festa inteira aos primeiros goles de champanhe.
Chegava mais um fim de ano, Genaro com casamento marcado com Soraya, literalmente dentro de todos os padrões estipulados pela mãe desta, provando ser um homem sincero e de bons sentimentos, realmente apaixonado.
Procurando não se deixar levar pela preocupação com Vitor, Helena deixa-o aproveitar as saídas com os amigos, desligando–se das conseqüências, o que surtiria um efeito positivo, pois assim Vitor perdia cada vez mais a “platéia” que ganhava com suas bebedeiras.
Heloísa tinha uma vida mais agitada com o trabalho, reunindo em fins de semana os parentes e amigos, até os empresários que iam se aproximando cada vez mais de Paulo, que se tornara sócio de Genaro, também fazendo s vezes de advogado na firma que ia crescendo.
As mansões já estariam bem adiantadas e Sérgio já intensificara as construções da sua, uma vez que voltara seu interesse para uma jovem que conhecera nos negócios que fechava com outra empresa de São Paulo. A jovem era filha de um próspero empresário proprietário de uma firma de máquinas de ar central, que prestava seus serviços para a firma dos também realizados irmãos empresários. Seu nome: Lúcia, uma bela ruiva de olhos azuis.
Marisa via os filhos mais novos seguindo seus rumos e o primogênito com uma vida num nível muito abaixo

dos irmãos. Entristecia-se, mas perseverava em suas orações.
Na cobertura de Botafogo, Heloísa e Helena conversam sobre suas vidas em mais uma véspera de fim de ano enquanto seus respectivos maridos não estão.
- Lolô, mais um ano está terminando, mais um ano que eu tenho que conviver com o vício do Vitor.
- Não seja pessimista você não pode afirmar que seja mais um ano igual a todos os outros.
- Pelo menos eu tenho ido ao ALANON. Não sei o que seria se não o tivesse feito.
- Já é um bom começo.
- Mas não é tudo. É difícil conviver com o vício de alguém que eu amo. É muito difícil, seguir uma linha de comportamento do tipo: “viva e deixe viver”. Nós temos muita coisa em comum, ele é um homem bom, tem excelentes qualidades, é sensível, carinhoso. Até já foi um pouco agressivo por causa da bebida, mas sempre se arrependeu. O que me faz mal é vê-lo se destruindo. Eu casei pensando em ser feliz, mas também em ver o Vitor feliz. Ele não é feliz.
- Mas o que é que este cara quer mais? Ele tem uma mãe que ajuda e sogros que ajudam, uma esposa dedicada, bons filhos. Passou por momentos difíceis com você, mas superou. O que ele, aliás, passou de mais difícil foi o sopro no coração do Allan.
- Fizeram uma trapaça com ele naquela firma. Também foi despedido no outro colégio.
- Sim, mas “bola pra frente, que aí vem gente!” Aliás, a Marisa vive dizendo que as palavras tem poder, né?
- É...Mas por que você está dizendo isto?
- Você lembra da Isaura?
- Lembro. Foi ela quem fez a sujeira com o Vitor.
- Eu encontrei aquela colega do Vitor.
- A Vilma?
- É. Ela foi ótima, porque se não fosse ela, ele teria sido despedido por justa causa.
- Lolô, fala logo.
- A Vilma me contou que a Isaura morreu de câncer.
- Que horror...
- A praga do Genaro pegou. “Há mais coisas entre o céu e a terra, do que imagina nossa vã filosofia”.
- Eu também acho, pois sinto que alguma coisa me prende ao Vitor.
- O amor, minha cara irmã. Por isto que eu acho que ele reclama de “barriga cheia”. O que você faz por ele e o que todos fazem, ninguém tem obrigação de fazer. Ele tem ótimas qualidades, é bom marido, bom pai, mas mesmo assim eu o acho imaturo. Eu confesso que mesmo com todo o bem que quero ao Vitor, por todas as qualidades dele pelo ser humano maravilhoso que ele é. Se eu estivesse casada com ele, não chegaria a tantos anos com um homem que deitasse ao meu lado com bafo de bebida.
- Bem... Nós somos diferentes, né mana?
- Esta é a grande sorte dele. Ainda bem que nunca foi violento com você estando bêbado, porque senão eu daria uns bons golpes de karatê nele!
- Mas nem tudo pode ser resolvido na violência.
- Nem tudo, mas algumas coisas sim. Eu me controlo, porque o seu excelentíssimo cunhado é muito atento ao trabalho, mas uma negação em casa. Se eu não tivesse a Elisa que sempre oferece ajuda, a Tonha além de empregada e babá fixas, não sei o que seria.
- Ah, Lolô, quem está reclamando de “barriga cheia” agora é você. Ele está fazendo uma casa maravilhosa pra vocês, isto conta.
- Lelê, o homem também tem que ser participante em casa. Seu cunhado é “sem jeito mandou lembranças”, tem hora que isto enche. A Marisa não se mete, mas eu sei que concorda comigo.
- É...Nossa sogra é uma exceção. Se não fosse por ela, sempre me apoiando, não sei...
- Ela foi muito boa na sua doença.
- Maravilhosa. O Vitor também foi um amor.
- Precisa ficar doente outras vezes, hein?
- Nem brinca, Lolô!
Pouco depois, chegavam Vitor e Paulo. Vitor já se mostrava sob o efeito eufórico da bebida.
- Oi pessoal! - saúda Vitor.
- Oi. - Respondem as irmãs.
- Lelê, ele já está “alegrinho”, pode contar que cedo do jeito que ainda é, ele vai descer e beber mais. – avisa Heloísa.
- Ai, Lolô, será que não dá pra enrolar pra ver se ele não sai? – indaga Helena apreensiva. Ao ouvir a irmã, Heloísa procura pensar rapidamente e vê a carteira de Vitor, jogada num canto na mesinha da cozinha, onde conversavam.
- Vou esconder esta carteira.
- Lolô, ele vai ficar uma “fera!” – adverte Helena.
- Que fique, pelo menos dá pra driblá-lo.
Durante alguns minutos, Vitor nem dá pela falta da carteira, distraído. De repente, quando resolve descer, pergunta:
- Gente, alguém viu minha carteira?

- Não. – responde cinicamente Heloísa.
- Pô, eu quero sair! – reclama Vitor irritado.
- Amor, não sai agora, vamos dançar. – Helena tenta ludibriar o marido de todas as formas, para que sua atenção se desvie da bebida, das más companhias, mas percebendo que há algo de estranho, começa a reagir irritado:
- Gente, eu tô a fim de sair e já perguntei onde está a minha carteira. Não é possível que ninguém tenha visto.
- Esfria, Vitor! – Paulo tenta apaziguar.
- Alguém escondeu minha carteira.
- Que é isto? – exclama Helena.
- Então, eu vou sem carteira. – quando Vitor está dirigindo-se para a porta, Heloísa arranca a chave, para impedi-lo de sair.
- Dá esta chave! – grita irritado.
- Não se aproxime ou eu lhe darei um golpe de karatê.
- Vitor, calma. – interfere Paulo.
- Que droga! – Vitor fica irado e começa a gritar, xingar. Heloísa saturada da atitude do cunhado resolve dizer:
- Achei a carteira.
- Onde estava?
- Não falo pra você deixar de ser otário.
- Ah, Lolô, desculpe. Eu estava nervoso.
- Aqui, cara! - Heloísa empurra Vitor e mostra a carteira debaixo da geladeira e o faz pensar ter sido uma travessura de Daniel. Vitor sai sem jeito e demora a voltar. As gêmeas e Paulo ficam preocupam-se. No fim da tarde, a campainha toca e Paulo atende enquanto as duas estão arrumando os filhos.
- Vitor! Você nos deixou preocupados. Você está bem?
- Não bebi, mano. Não diga que cheguei, tenho uma surprêsa pra Lelê.
Acabando de se arrumar, Helena ouve os acordes de uma música e ouvindo os primeiros versos, sente que há alguma estratégia de Vitor: “Desculpe o auê, eu não queria magoar você...”
- Vitor...
- Presente de fim de ano, Lelê.
- Olha, você não merece, mas eu o perdôo. Assim como você, eu sou uma romântica incurável.
- É por isto que agora eu vou dar uma “escapadinha” com você, para comemorarmos nosso Reveillon particular.
O que parecia um fim de ano desastroso acabaria em triunfal entrada de ano novo. O casal ainda se amava muito, apesar de muitos altos e baixos.