quarta-feira, 25 de março de 2009

CAPÍTULO XI A FIDELIDADE DE DEUS

Com o passar dos dias e o fim das férias, a rotina de Vitor e Helena recomeça, porém um pouco diferente, já que Vitor, diante de um sentimento de ameaça de separação, procurava evitar beber. Conseguiria até durante um bom tempo dispensar o tradicional chopp dos sábados com os amigos. O casal iria mais à casa de Marisa que seria um “porto seguro”, pois lá, desde o falecimento de Vitório não entrava uma garrafa de álcool.
Como em todos os anos existem as costumeiras comemorações em família, lá estaria a dinastia Castelli homenageando sua matriarca no dia das mães. Pouco antes da chegada dos filhos, Marisa, sempre com esperanças de melhores relacionamentos familiares, telefonaria para sua cunhada Mary. As relações entre o irmão Ciro e esta última, estariam estremecidas desde o falecimento de Dona Noemi, pois houve um afastamento da parte de Mary. Ao atender ao telefone, Mary apesar de educada mostrou-se fria:
- Alô?
- Mary?
- Sim?
- É Marisa.
- Ah...Tudo bem?
- Tudo bem, Mary. Como está o Ciro?
- Bem, obrigada.
- E os meninos?
- Também.
- Eu liguei para lhe desejar um feliz dia das mães.
- Ah...Obrigada.
- Os meninos devem ir aí, não.
- É, vem almoçar. Eu não posso demorar muito, tenho que cuidar dos preparativos.
- Tudo bem, Mary. Só liguei porque lembrei de você. O Ciro está bem?
- Tudo bem.
- Então, um feliz dia das mães.
- Para todos vocês também. Tchau.
- Tchau.
Os filhos chegam a durante o almoço, Marisa que convidara também Conceição e Soraya, além dos Carajás, comenta:
- Falei com a Mary.
- É? – pergunta Genaro com desdém. – É claro que ela deu um jeito de despachar você logo.
- Não fale assim, filho.
- Mamãe, você é boa demais! Ela não merece tanta consideração, nunca teve por você. – completa Vitor.
- É mesmo. – concorda Paulo.
- Não se deve guardar rancor, filhos.
- Gente, nós estamos aqui reunidos para comemorar o dia das mães – intervèm Tonha. – eu estou feliz por vocês estarem aqui, estou com minha filha, meus netos. Vamos agradecer a Deus.
O almoço transcorre bem e todos ainda estão reunidos ao cair da tarde, quando toca o telefone.
- Alô?
- Tia Marisa. – era Carla, filha caçula de Ciro e Mary.
- Carla? Que surpresa!
- Pena que não seja boa.
- O que houve?
- Tia Marisa, minha mãe está no Miguel Couto, foi pra emergência.
- Como?! Falei com ela ainda hoje!
- Eu a deixei no apartamento onde tem a confecção e ela ligou passando mal, dizendo que ia morrer, estava sentindo dores muito fortes de cabeça, vomitando muito.
- Meu Deus...
- Estou aguardando notícias.
- Não deixe de ligar assim que souber.
- Tá.
Marisa relata o fato aos filhos e noras e todos esperam por notícias. Um pouco mais tarde, Carla liga e Marisa ao falar com esta exclama:
- Meu Deus!
Ao perceberam a apreensão de Marisa após desligar o telefone, todos ficam preocupados.
- Que foi? Morreu? – pergunta Paulo.
- Que é isto?! – exclama Heloísa.
- Não...Estão com suspeitas de que seja aneurisma.
- Mamãe, pior é que eu estava pressentindo isto – confessa Vitor.
- Tudo vai ficar bem. Deus está no controle. Ela vai ficar curada em nome de Jesus. – afirma Marisa.
- Vamos orar. – concorda Tonha.

Mary é transferida para um hospital particular, curiosamente de fundação de uma igreja evangélica. Todas as manhãs, um pastor vinha e evangelizava Mary, que o ouvia por educação. Ciro, na maioria das vezes não estava no quarto. Uma vez, porém, ao entrar e ver o pastor sair queixou-se com a enfermeira:
- Enfermeira, eu estou com minha mulher aqui, não por ser um hospital de religião evangélica. Estou porque sei que é um bom hospital. Não quero mais saber destes pastores vindo aqui. Já chega minha irmã com esta mania de igreja!
- Sim senhor. – a enfermeira sai e diz baixinho: “Tá amarrado em nome de Jesus”. Mas, glória a Deus! Pelo menos ele tem uma irmã evangélica e não pode impedir nem a nós nem a ela de orar.
Poucos dias depois, Marisa, que incansavelmente ia visitar Mary, traz a notícia a Paulo e Genaro:
- E então, mamãe, como está a tia Mary? – indaga Paulo.
- Melhorou? – pergunta Genaro.
- Ela vai ter que operar. – responde Marisa um pouco triste.
- Então é grave? – deduz Paulo.
- O Senhor vai usar os médicos, pois ele levou sobre si todas as nossas enfermidades. Ele vai usar os médicos, principalmente porque muitos deles são povo d’Ele.
Paulo e Genaro não dão muita importância ao que disse a mãe. Ficam com um jeito um pouco desconfiados e descrentes, mas não discutem.
A recuperação de Mary após a operação seria excelente. A área do aneurisma cerebral foi de fácil operação, do lado esquerdo da cabeça. Durante 18 dias, Mary não se lembrou de nada do que aconteceu, mas tão logo pôde, Marisa conversou mais longamente com a cunhada.
- Você parece muito bem, Mary.
- Devo estar parecendo um “guru”, mas vou ficar assim mesmo, não gosto de usar peruca ou lenço, esquenta muito.
- Você não tem vontade de sair?
- Eu agora estou descansando. O pior já passou. Esta doença me fez pensar muito, os valores da gente mudam.
- Eu sei como é. Você sabe que eu também tive este mal e fui curada.
- É...mas você não precisou operar.
- Sim, mas a sua operação foi um sucesso. Jesus curou você como a mim também, usando o Seu povo.
- Eu não sei bem o que você quer dizer, mas eu senti uma grande dedicação dos médicos. Realmente, a mão de Deus deve estar nisto.
- Com certeza está Mary.
- Por isto mesmo que eu quero aproveitar a ocasião para agradecer às suas visitas e o apoio. Não acho que eu tenha merecido isto.
- Nada do que nós temos é por merecimento, Mary, é por graça e misericórdia de Deus.
- Não posso negar que eu recebi esta graça. A dor que eu senti naquele dia foi uma coisa impressionante.
- É Mary, as dores que nós sentimos nos enganam. Você lembra da minha tia Carmen? Ela teve um enfarte fulminante, nem sentiu dor violenta e faleceu de repente.
- É, “para morrer, basta estar vivo!” – sintetizou Mary.
- Deus nos deu O Seu Filho, para que tivéssemos vida em abundância.
- Marisa, eu gostaria de não deixar de dizer, ou melhor, de pedir uma coisa.
- O que?
- Que você me perdoasse.
- Perdoar?! De que?
- Marisa, você sabe que eu nunca fui uma cunhada exemplar, que nem mereci a atenção que você me dispensou em minha doença.
- Mas Mary, eu estou acostumada a dar atenção às pessoas, principalmente em casos de doença. Eu não sou tão atenciosa assim.
- Você sabe que há muito tempo eu venho sendo distante, sem querer aproximação e sei que colaborei para que seu irmão não convivesse tanto com você. Com isto, eu privei meus filhos do contato com os seus. Tudo desde o falecimento de sua mãe.
- Isto já passou. Eu também me afastei. Por que lembrar disto agora?
- Marisa, quando a gente fica perto da morte, dá mais valor à vida e às coisas que sem saber perdeu. Eu sempre fui distante, até antipática e me privei de um bom relacionamento com você. O Vitório devia me odiar.
- Não, Mary.
- Digamos que ele me tolerava, tanto a mim quanto ao Ciro.
- Mary, o Vitório também não tinha um gênio fácil.
- Ele teve suas razões. O Ciro também não é a mais accessível das pessoas.
- Mary, de que adianta remexer em passado? O passado passou. As coisas hoje estão diferentes, você já passou por tantas coisas, eu também e estamos aqui. Ninguém guarda mágoas de ninguém.
- Marisa, eu sei que seus filhos não simpatizam comigo. Se não tivesse sido o Ciro, eu sei que por mim, nós não teríamos mais contato.

- Mas mesmo quando o Vitório era vivo nós tínhamos uma convivência amistosa. – relembrou Marisa. - O Ciro teve até muito boa vontade com o Sérgio quando o levou para passar um fim de semana em Petrópolis. O Sérgio é que sempre foi um menino fechado.
- É... Mas daqui pra frente as coisas vão melhorar.
- Se você se sente melhor em ouvir de mim que eu a perdôo, saiba que eu a perdôo. E também peço perdão, pois sei que também fui distante. Agora, eu também peço desculpas, porque tenho que ir. Está tudo bem. Não vamos pensar mais no passado. Como você disse: as coisas vão melhorar, aliás, já estão melhores.
Mary sentia-se realmente culpada pelo seu afastamento. A enfermidade que sofrera a fizera repensar muitas atitudes erradas do passado, não só em relação à Marisa, mas a outras pessoas. O Espírito Santo de Deus a tocara fortemente naquela situação inesperada em que correra risco de vida. Ela e Ciro já haviam se decidido por vender seu apartamento e morar em Petrópolis e em concordância com este e com os filhos, toma uma atitude: a casa de Petrópolis que ficara para eles seria passada para Marisa, pois com o dinheiro do apartamento poderiam comprar outra boa casa por lá e sobraria muito dinheiro. Marisa ficou surprêsa, porém feliz ao receber a notícia:
- Tonha! Eu nem acredito!
- É benção minha querida! A justiça de Deus não falha, Ele é fiel!
Poucos dias depois, num fim de semana, Marisa iria levada por Vitor e Helena ver a casa. Embora Vitor estivesse bebendo menos, conseguia quase sempre driblar Helena, bebendo fora de casa, depois do expediente, nos momentos em que ela não estivesse presente. Naquele dia, já bebera sem dar a perceber. Porém, uma situação inesperada iria sinalizar que o havia feito, quando ao estar dirigindo, demonstra uma falta de reflexo e Helena grita:
- Vitor! Um caminhão vindo da outra pista, cuidado! – Vitor desvia a tempo e o caminhão embora um pouco veloz, é freado pelo motorista, mesmo assim batendo de leve no carro amassando-o um pouco. Apesar do susto, Marisa imediatamente exclamava:
- Glória a Deus! Senhor, obrigada pelo livramento! – o motorista sai do caminhão e pergunta mansamente a Vitor:
- Está tudo bem amigo?
- Sim...
- Eu estava um pouco veloz, me perdoe. Eu gostaria de convidá-los para tomar um café.
- Não é preciso. – recusa Vitor educadamente.
- Aceita Vitor. – Helena insiste, pois vê nisto uma medida de segurança, pois se Vitor tomasse um café, passaria a bebedeira. Após tomarem café e conversarem descontraidamente, o caminhoneiro despede-se:
- Eu amassei o seu carro amigo. Gostaria de pagar o conserto.
- Não é preciso.
- Eu faço questão. Tome o meu cartão. – Vitor aceita o cartão que no canto tem os dizeres em negrito: JESUS TE AMA. Marisa que já tinha visto os mesmos dizeres escritos na frente e na traseira do caminhão despede-se do homem dizendo:
- A paz do Senhor, irmão.
Ao chegarem à casa, todos vibram, as crianças brincam, Marisa e Helena conversam felizes. Só Vitor fica apático e calado. No caminho de volta, Vitor continua quieto. Deixam Marisa em casa e ao chegarem, Vitor prepara-se para sair.
- Pra onde você vai? – pergunta Helena.
- Sair!
- Mas pra onde?
- Por aí!
- Vitor! – de nada adianta chamá-lo, pois sai porta afora sem lhe dar nenhuma importância. Muito triste Helena liga para Marisa e se lamenta.
- Marisa, Vitor saiu outra vez para beber. Ele vai encontrar aqueles amigos que só são amigos na hora da bebida! Eu não agüento mais!
- Não fique assim, querida, eu vou orar.
- Orar! Marisa, isto não adianta nada! Está tudo voltando!
- Helena, eu serei muito sincera; eu também cheguei a desanimar, perguntei pra Deus o porquê. Eu também tive momentos de fraqueza. Mas quando eu lembro que Deus me aceita do jeito que eu sou, volto a me sentir em paz.
- Então, por que este Deus não faz o Vitor parar de beber?
- Querida, eu acredito que Ele vá fazer. O que acontece é que Ele faz do jeito que quer, na hora que quer, porque Ele sabe de tudo. Se ficarmos ansiosas acabaremos atrapalhando o plano d’Ele. Pare um pouco pra pensar no livramento que tivemos hoje, na benção que recebi ganhando aquela casa de volta. Nós fomos muito abençoados. O motorista do caminhão é cristão e demonstrou ser um bom homem.
- Às vezes eu acho que Deus tem coisas mais importantes para se preocupar.
- Minha querida, “Os olhos de Deus estão em todo o lugar”.
Vitor, que mais uma vez saíra para beber com os “amigos”, - entre eles Raul – mostra-se num certo ponto da reunião no bar, já a altas horas da noite, calado e com a expressão fechada. Raul que cantava e bebia cada vez mais, comenta:
- Ô Vitor, você tá de “baixo astral”, hein?

- E vou continuar assim em casa! Tchau! – Vitor sai porta afora, quase não se agüentando em pé, para e senta num pequeno degrau da entrada de uma loja fechada. Um pouco depois, Raul e os outros o avistam de longe e um deles sugere:
- Vamos chamá-lo!
- “Deixa ele” lá, ele não pagou a conta! – retruca Raul com raiva. Vitor sentia-se arrasado. Não querendo aceitar o vício e por outro lado não se satisfazendo mais entre os amigos, sente-se só. Completamente só. Depois de reunir forças para conseguir levantar-se da soleira da porta de uma loja, vai para casa. Ao entrar, encontra seu pijama e roupa de cama no sofá.
De manhã, Helena deixa as crianças na casa de Marisa e tem uma conversa com Vitor:
- Vitor, eu não me surpreendi com o que você fez, pois não é a primeira vez. Felizmente não houve maiores conseqüências. Eu não digo que não fiquei preocupada, mas resolvi me desligar um pouco, porque se eu esperar que você resolva entender que não deve beber, não faço mais nada na vida. Falei com sua mãe, ela me tranqüilizou, disse que ia orar por você e acho que deu certo. Quero que saiba que se eu deixei suas coisas na sala, é porque tenho o direito de não querer me deitar com alguém cheirando a “pinga”. – decidida a se poupar, Helena procura ajuda, pois achava que uma separação seria o último recurso, já que causaria sofrimentos a muitas pessoas. Vai até o ALANON, instituição de auxílio a parentes e amigos de alcoólatras, apreciando a boa recepção:
- Boa tarde, companheira, gostaria de se apresentar, dizer o que a traz aqui?
- Meu marido tem problemas com a bebida. Nós nos conhecemos desde crianças, ele passou um período fora do país quando adolescente. Nos reencontramos e como já nos gostávamos casamos muito cedo. Não sei exatamente com começou a ter o vício, mas desde o nosso casamento tive a sensação de que ele era um pouco compulsivo, se bem que não dava muita importância. Os anos foram passando muitas coisas acontecendo. Por causa da bebida, ele foi se prejudicando e até hoje, apesar de ter emprego, ele não ganha muito como professor e pedagogo, fez também o curso de letras, mas para sobrevivermos e criar nossos três filhos temos ajuda dos meus pais e da mãe dele e até eu tive que passar a trabalhar meio período fora, para ajudar no orçamento. Já disseram que o vício deve ser por revolta em relação ao pai dele que era muito autoritário. Por imposição dele, ele foi morar na Itália dos 16 aos 21 anos. Ele havia se metido em política e ficou visado por isto, o pai teve medo, mas no íntimo tudo o que ele queria era a segurança do filho. Ele deve sentir muita culpa, porque não houve como questionar ao pai tanta rigidez, pois ele morreu pouco antes da volta dele. Acho que ele tem uma revolta interna, um rancor em relação a muitas pessoas que se desfizeram dele, tem parentes que o acham um chato. Eu sei que o bêbado é desagradável, é inconveniente, mas é muito mais cômodo criticar, falar mal do que ajudar. Eu não diria que o meu amor acabou, mas tenho me sentido tão impotente diante do vício dele, que não sei o que fazer. Já cheguei a passar alguns dias longe dele com meus filhos nas minhas férias, para que eles fossem poupados e eu pudesse colocar minha cabeça no lugar. Eu preciso de ajuda, por isto estou aqui.
Durante a reunião, Helena sente-se mais apoiada ouvindo depoimentos de outras esposas parentes e amigos de alcoólatras.
Decide ir visitar os pais, pois continuava a fugir de Vitor, mantendo as crianças mais tempo na casa de Marisa, que cada vez mais era uma mãe que se enchia de esperanças nas orações pelo filho e uma avó incansável, prazerosa em ver o bem estar dos netos, sempre os ajudando e cedendo o imenso quintal de sua casa para brincarem. Helena não encontra os pais em casa, mas Elisa lá está.
- Oi Elisa.
- Oi.
- Papai e mamãe saíram?
- Sim, mas não devem demorar.
- E a Lili?
- Esta não sai da casa dos pais do noivo.Você tem aqui sua irmãzinha negra. Se quiser conversar comigo...
- Elisa...eu fui ao ALANON.
- Quê?
- É uma instituição filantrópica, de auxílio aos parentes e amigos de alcoólatras.
- Ah...Sei, assim como os ALCOÓLATRAS ANÔNIMOS. O que você achou?
- Olha... O problema não é exatamente meu, é dele.
- Não, Lelê, vocês são uma só carne, tudo o que diz respeito a um, diz ao outro.
- Ah, Elisa... Eu me sinto tão desencantada, tão distante do Vitor e ele tão distante de mim. Se eu argumento, ele é agressivo, não aceita que tem o vício. Ele pode até diminuir, mas nunca para totalmente. Eu fui lá para desabafar, mas sinto que não é o bastante.
- Lelê, sem Jesus, nada é o bastante.
- É fácil pra você falar.
- Fácil?! Você acha que eu não tenho o mínimo de compaixão de ver você sofrendo por isto? Acha que sua sogra, que está firme com Jesus não sofre por ver o filho assim, ficando pra trás enquanto os outros crescem, estão até construindo três mansões pra eles? A diferença é que com Jesus, nos suportamos o sofrimento. Ele não prometeu vida encantada pra ninguém; prometeu estar sempre com a gente através do Espírito Santo, mas avisou: “No mundo passareis por aflições, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo”.

- Tá. Acabou a pregação?
- Não, Lelê, o que eu digo é para o seu despertar.
- Olha, Elisa, eu respeito vocês, mas isto não tem nada a ver comigo.
- Lelê, eu vi uma mudança na minha vida. Você mesma sabe de tudo o que eu passei; seu pai foi um pai pra mim, sem ele teria sido muito mais difícil, mas eu sei quem o usou pra resgatar a minha vida: Jesus, porque o General me conheceu com 14 anos, mas o Senhor me conheceu do ventre de minha mãe, até antes disto, porque naquela cruz, Ele já sabia que eu seria preciosa pra Ele, assim como você, como o Vitor, como todo o ser humano, porque o sacrifício d’Ele foi pela humanidade inteira. Infelizmente, muitos não se importam com isto e como Ele deu o direito de todos escolherem seu destino, ainda existem e lamentavelmente existirão muitos que não O aceitarão. Eu sei que você e o Vitor devem me achar uma chata, mas eu sei o que este Deus maravilhoso está fazendo na minha vida. Estou até com um pretendente, que sinto que Deus enviou pra mim.
- Parabéns... – Helena a felicita com uma certa descrença.
- Eu sei que eu serei feliz na vida afetiva. Já sou na profissional, fiz meus cursos, só não largo de vez esta casa porque me sinto em família, mas eles deixam eu fazer meus biscates. O que eu desejo pra mim, desejo pra vocês.
- Obrigada...
- Não fique com este ar descrente. Você ainda vai entender o que eu disse e muito mais, porque eu não disse nem a metade. O que Deus faz na vida da gente é uma coisa tão difícil de dizer que é preciso sentir e você vai sentir. – pouco depois, o casal Carajás chega e o General ouvindo as últimas palavras de Elisa, faz uma pilhéria:
- “Superpregadora” entra em ação!
- Papai! – exclama feliz Helena.
- Oi, querida. – o General abraça a filha. – Chegou bem na hora, trouxemos os pãezinhos que você gosta. Vamos tomar o nosso cafezinho e bater aquele papo!
Helena fica algumas horas mais com os pais e como permanece pouco falante, o pai percebe sua tristeza.
- Lelê, eu não vou perguntar nada. Só quero dizer uma coisa: seu pai está aqui para o que precisar.
- Obrigada, papai, mas está tudo bem.
- Tá...mas eu estou “pro que der e vier”.
Pouco depois, chegando em casa, Helena apresentou sinais de cansaço e de madrugada, levantou-se, preocupando Vitor.
- Que foi, Lelê?
- Nada não, amor.
- Como nada? Você está tão pálida, você não está bem.
- Nada demais, já vai passar. Eu não me senti bem e vomitei. – Vitor toca Helena na testa, no pescoço.
- Você está febril. Vou avisar na creche que você não pode ir trabalhar.
- Não é nada demais, Vitor.
Helena insistia, mas os sintomas iam se intensificando e sendo chamado o médico, foi constatado sarampo.
Como incansável avó dedicada e sogra excelente, considerando as noras como filhas, Marisa cuida de Helena e ajuda Vitor com os netos.
Tonha também oferece seus serviços e Heloísa e Paulo nos fins de semana tomam conta dos sobrinhos.
Helena precisa ser durante alguns dias hospitalizada e Vitor chega a esquecer da bebida e só lembrar que tem esposa. Demonstra ser um marido exemplar, extremoso nos seus cuidados com sua “Lelê”. Como em muitas situações “há males que vem pra bem”, uma enfermidade que aos olhos de muitos é uma maldição, acabou sendo benção na vida do casal.
Recuperada, Helena era só gratidão ao marido, que neste aspecto cumprira com os votos na hora do casamento: “fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”.
Pouco depois do restabelecimento de Helena, Hélida casava-se e usufruiria uma lua de mel em Nova Iorque, presente dos pais. Vitor quase teria uma recaída no casamento da cunhada, contido por Paulo que o vigiaria a festa inteira aos primeiros goles de champanhe.
Chegava mais um fim de ano, Genaro com casamento marcado com Soraya, literalmente dentro de todos os padrões estipulados pela mãe desta, provando ser um homem sincero e de bons sentimentos, realmente apaixonado.
Procurando não se deixar levar pela preocupação com Vitor, Helena deixa-o aproveitar as saídas com os amigos, desligando–se das conseqüências, o que surtiria um efeito positivo, pois assim Vitor perdia cada vez mais a “platéia” que ganhava com suas bebedeiras.
Heloísa tinha uma vida mais agitada com o trabalho, reunindo em fins de semana os parentes e amigos, até os empresários que iam se aproximando cada vez mais de Paulo, que se tornara sócio de Genaro, também fazendo s vezes de advogado na firma que ia crescendo.
As mansões já estariam bem adiantadas e Sérgio já intensificara as construções da sua, uma vez que voltara seu interesse para uma jovem que conhecera nos negócios que fechava com outra empresa de São Paulo. A jovem era filha de um próspero empresário proprietário de uma firma de máquinas de ar central, que prestava seus serviços para a firma dos também realizados irmãos empresários. Seu nome: Lúcia, uma bela ruiva de olhos azuis.
Marisa via os filhos mais novos seguindo seus rumos e o primogênito com uma vida num nível muito abaixo

dos irmãos. Entristecia-se, mas perseverava em suas orações.
Na cobertura de Botafogo, Heloísa e Helena conversam sobre suas vidas em mais uma véspera de fim de ano enquanto seus respectivos maridos não estão.
- Lolô, mais um ano está terminando, mais um ano que eu tenho que conviver com o vício do Vitor.
- Não seja pessimista você não pode afirmar que seja mais um ano igual a todos os outros.
- Pelo menos eu tenho ido ao ALANON. Não sei o que seria se não o tivesse feito.
- Já é um bom começo.
- Mas não é tudo. É difícil conviver com o vício de alguém que eu amo. É muito difícil, seguir uma linha de comportamento do tipo: “viva e deixe viver”. Nós temos muita coisa em comum, ele é um homem bom, tem excelentes qualidades, é sensível, carinhoso. Até já foi um pouco agressivo por causa da bebida, mas sempre se arrependeu. O que me faz mal é vê-lo se destruindo. Eu casei pensando em ser feliz, mas também em ver o Vitor feliz. Ele não é feliz.
- Mas o que é que este cara quer mais? Ele tem uma mãe que ajuda e sogros que ajudam, uma esposa dedicada, bons filhos. Passou por momentos difíceis com você, mas superou. O que ele, aliás, passou de mais difícil foi o sopro no coração do Allan.
- Fizeram uma trapaça com ele naquela firma. Também foi despedido no outro colégio.
- Sim, mas “bola pra frente, que aí vem gente!” Aliás, a Marisa vive dizendo que as palavras tem poder, né?
- É...Mas por que você está dizendo isto?
- Você lembra da Isaura?
- Lembro. Foi ela quem fez a sujeira com o Vitor.
- Eu encontrei aquela colega do Vitor.
- A Vilma?
- É. Ela foi ótima, porque se não fosse ela, ele teria sido despedido por justa causa.
- Lolô, fala logo.
- A Vilma me contou que a Isaura morreu de câncer.
- Que horror...
- A praga do Genaro pegou. “Há mais coisas entre o céu e a terra, do que imagina nossa vã filosofia”.
- Eu também acho, pois sinto que alguma coisa me prende ao Vitor.
- O amor, minha cara irmã. Por isto que eu acho que ele reclama de “barriga cheia”. O que você faz por ele e o que todos fazem, ninguém tem obrigação de fazer. Ele tem ótimas qualidades, é bom marido, bom pai, mas mesmo assim eu o acho imaturo. Eu confesso que mesmo com todo o bem que quero ao Vitor, por todas as qualidades dele pelo ser humano maravilhoso que ele é. Se eu estivesse casada com ele, não chegaria a tantos anos com um homem que deitasse ao meu lado com bafo de bebida.
- Bem... Nós somos diferentes, né mana?
- Esta é a grande sorte dele. Ainda bem que nunca foi violento com você estando bêbado, porque senão eu daria uns bons golpes de karatê nele!
- Mas nem tudo pode ser resolvido na violência.
- Nem tudo, mas algumas coisas sim. Eu me controlo, porque o seu excelentíssimo cunhado é muito atento ao trabalho, mas uma negação em casa. Se eu não tivesse a Elisa que sempre oferece ajuda, a Tonha além de empregada e babá fixas, não sei o que seria.
- Ah, Lolô, quem está reclamando de “barriga cheia” agora é você. Ele está fazendo uma casa maravilhosa pra vocês, isto conta.
- Lelê, o homem também tem que ser participante em casa. Seu cunhado é “sem jeito mandou lembranças”, tem hora que isto enche. A Marisa não se mete, mas eu sei que concorda comigo.
- É...Nossa sogra é uma exceção. Se não fosse por ela, sempre me apoiando, não sei...
- Ela foi muito boa na sua doença.
- Maravilhosa. O Vitor também foi um amor.
- Precisa ficar doente outras vezes, hein?
- Nem brinca, Lolô!
Pouco depois, chegavam Vitor e Paulo. Vitor já se mostrava sob o efeito eufórico da bebida.
- Oi pessoal! - saúda Vitor.
- Oi. - Respondem as irmãs.
- Lelê, ele já está “alegrinho”, pode contar que cedo do jeito que ainda é, ele vai descer e beber mais. – avisa Heloísa.
- Ai, Lolô, será que não dá pra enrolar pra ver se ele não sai? – indaga Helena apreensiva. Ao ouvir a irmã, Heloísa procura pensar rapidamente e vê a carteira de Vitor, jogada num canto na mesinha da cozinha, onde conversavam.
- Vou esconder esta carteira.
- Lolô, ele vai ficar uma “fera!” – adverte Helena.
- Que fique, pelo menos dá pra driblá-lo.
Durante alguns minutos, Vitor nem dá pela falta da carteira, distraído. De repente, quando resolve descer, pergunta:
- Gente, alguém viu minha carteira?

- Não. – responde cinicamente Heloísa.
- Pô, eu quero sair! – reclama Vitor irritado.
- Amor, não sai agora, vamos dançar. – Helena tenta ludibriar o marido de todas as formas, para que sua atenção se desvie da bebida, das más companhias, mas percebendo que há algo de estranho, começa a reagir irritado:
- Gente, eu tô a fim de sair e já perguntei onde está a minha carteira. Não é possível que ninguém tenha visto.
- Esfria, Vitor! – Paulo tenta apaziguar.
- Alguém escondeu minha carteira.
- Que é isto? – exclama Helena.
- Então, eu vou sem carteira. – quando Vitor está dirigindo-se para a porta, Heloísa arranca a chave, para impedi-lo de sair.
- Dá esta chave! – grita irritado.
- Não se aproxime ou eu lhe darei um golpe de karatê.
- Vitor, calma. – interfere Paulo.
- Que droga! – Vitor fica irado e começa a gritar, xingar. Heloísa saturada da atitude do cunhado resolve dizer:
- Achei a carteira.
- Onde estava?
- Não falo pra você deixar de ser otário.
- Ah, Lolô, desculpe. Eu estava nervoso.
- Aqui, cara! - Heloísa empurra Vitor e mostra a carteira debaixo da geladeira e o faz pensar ter sido uma travessura de Daniel. Vitor sai sem jeito e demora a voltar. As gêmeas e Paulo ficam preocupam-se. No fim da tarde, a campainha toca e Paulo atende enquanto as duas estão arrumando os filhos.
- Vitor! Você nos deixou preocupados. Você está bem?
- Não bebi, mano. Não diga que cheguei, tenho uma surprêsa pra Lelê.
Acabando de se arrumar, Helena ouve os acordes de uma música e ouvindo os primeiros versos, sente que há alguma estratégia de Vitor: “Desculpe o auê, eu não queria magoar você...”
- Vitor...
- Presente de fim de ano, Lelê.
- Olha, você não merece, mas eu o perdôo. Assim como você, eu sou uma romântica incurável.
- É por isto que agora eu vou dar uma “escapadinha” com você, para comemorarmos nosso Reveillon particular.
O que parecia um fim de ano desastroso acabaria em triunfal entrada de ano novo. O casal ainda se amava muito, apesar de muitos altos e baixos.

quinta-feira, 12 de março de 2009

CAPÍTULO X MAIS BEBEDEIRAS E... CONSEQÜÊNCIAS

CAPÍTULO X
MAIS BEBEDEIRAS E... CONSEQÜÊNCIAS
Enquanto seus irmãos construíam suas casas e prosperavam, Vitor continuava acomodado e frustrado, afogando as mágoas na bebida. Demonstrava grande irritação com as crianças no trabalho, o que também refletia em sua vida familiar.
A coordenação do estabelecimento propõe que passe a integrar o corpo administrativo. Vitor aceita prontamente, pois não se sente em condições de discutir ou questionar a mudança, já que seu medo no caso, era o de ser demitido. O salário já não lhe era tão satisfatório e fazendo parte da administração, a função seria menos desgastante e o rendimento mais compensador.
Nas outras escolas apesar de não ter grandes problemas, sabia que diante de uma crise econômica poderia ser o mais visado para demissão, pois não apresentava excelente trabalho, já que por muitas vezes tinha lapsos de memória ao dar aulas, o que os alunos percebiam.
As férias viriam e o fim de ano e com ele...Mais bebedeiras. Na véspera do Reveillon, Vitor sairia com os inseparáveis amigos Olavo e Otávio e Helena, estaria tensa em casa esperando até o início da noite o marido que não aparecia.
O General Carajás havia se reformado recentemente e gozava o início de sua aposentadoria com as filhas.
Hélida já tinha um namorado firme, Jorge, prestes a ficar noiva.
Ainda ocupando a cobertura de Botafogo, Heloísa e Paulo já com seu pequeno Daniel de 4 meses, ofereceriam a festa para os familiares.
Muito aflita Helena telefona para a irmã:
- Alô?
- Lolô?
- Fala Lelê, que voz mais desesperada!
- O Vitor está aí?
- Não, nem passou por aqui, antes que você pergunte.
- Meu Deus...
- Lelê, você parece que não conhece seu marido. Ele só pode estar na farra com os amigos!
- É...Bebendo, né?
- Conte-me uma novidade. “Ano novo, notícias novas!”
- Ah, Lolô, não brinca!
- Lelê, você quer que eu vá aí?
- E o Daniel?
- Não se preocupa, a Elisa está aqui, ela fica com ele.
- Não vai atrapalhar, mesmo?
- Se fosse atrapalhar eu não ia oferecer. O Paulo vai comigo. “Té já”.
Heloísa e Paulo procuram tranqüilizar Helena, que continua aflita. De repente, Paulo olha a TV e exclama:
- Olha lá o Vitor, gente! – Vitor aparecia num carro estilo trio elétrico, cantando, num tremendo porre. Helena o vê e exclama raivosa:
- Deixa ele chegar aqui! – pouco depois, Vitor chega e encontra Paulo que avisa:
- Vimos você na TV ainda agora.
- É? – Vitor fica surpreso, pois não esperava que tivesse sido filmado.
- Helena está uma fera, Vitor, cuidado, hein?
- Safado! Na farra e nós aqui preocupados! – Helena vem com um rolo de pastel na mão e atira-o em Vitor.
- Tá maluca?! – grita Vitor irado.
- Calma gente! – Heloísa e Paulo procuram conter os dois.
- Lelê, controle-se, olha as crianças assustadas. – adverte Heloísa.
- Gente, calma!! – grita Paulo.
- Pra você, principalmente – observa Heloísa.
- Vitor vem cá, toma este café! – Paulo dá o café para Vitor que toma contrariado. Depois que os ânimos já estão mais acalmados, Heloísa pondera com a irmã e Vitor:
- Gente, este é o primeiro reveillon que papai vai passar aposentado. Está feliz por estar mais perto de nós. Não vamos estragar tudo.
Apesar dos esforços de um casal para conciliar o outro, Vitor e Helena deixam transparecer a todos e principalmente ao casal Carajás que as coisas entre os dois não estão bem. Não conseguem conter Vitor, já que numa festa de fim de ano não poderia faltar champanhe e outras bebidas. Num dado momento, um amigo de Paulo aproxima-se de Helena.
- Como você é bonita.
- Obrigada. – responde friamente.
- É sincero você merece.
- É? E a sua mulher, merece um marido que fica chamando outra de bonita? – pergunta Helena, sinalizando que não aceita o seu assédio.
- Não há nada de mal em achar uma mulher bonita. - Não querendo confusão, Helena afasta-se do sujeito, que ao perceber que ela vai até a cozinha a segue.

- Eu não estou precisando de sombra, ouviu?
- Hum...Resistente...Assim é que eu gosto.
- Olha...Eu vou dar-lhe um calmante.
- Vai mesmo?
- É! Só que não é este que você pensa! É de água! – Helena joga a água que está bebendo no sujeito que assustado e irritado grita:
- Você é maluca!
- Ainda bem que você sabe! Só não queira saber mais, porque vai se arrepender!
- Qual é cara? Tá a fim de cantar minha mulher? – pergunta Vitor já bastante alterado pela bebida.
- Vamos pra dentro, Vitor – Paulo chega afastando o irmão.
- Me deixa em paz! – reclama Vitor, tentando resistir o irmão que segura-o firmemente.
- Você nem pensa nos seus filhos, cara?!
- Vitor, a Bertinha está cheia de vergonha. – intervem Heloísa - Você já pensou como se sente uma menina de 8 anos vendo o pai ser alvo de chacotas? A Celinha também, só tem 5 mas já entende as coisas e o Allan, não é porque é um neném de menos de 2 anos que não percebe o que se passa em volta dele. As crianças são mais sensíveis do que possamos imaginar.
- Eu...Eu não presto! – Vitor começa a chorar
- Ih...Começou a depressão. – queixa-se Paulo.
- Cunhadão, você precisa de um café forte e de um banho frio. – opina Heloísa.
Num canto da sala, Soraya comenta com a mãe:
- Mamãe, o Vitor é um cara tão legal, fico com tanta pena por ele ter esse vício.
- Eu também filha.
- Desculpem o meu irmão – Genaro desculpa–se, preocupado com o que as duas pensassem.
- Não precisa se preocupar. Todos nós temos problemas, eu compreendo. Né filha?
- Claro que sim, mamãe.
Helena sente-se cada vez mais irritada, impotente e quando vê que Vitor foi para dentro com Paulo, consola-se com a irmã:
- Lolô, não agüento mais isto, estou chegando ao meu limite!
- Lelê, minha irmã, eu realmente não a culpo, mas vamos evitar transparecer alguma coisa pro papai, ele não merece.
- Lolô, ele não comentou, mas deve ter percebido. O Vitor estava muito inconveniente.
- A mamãe conseguiu distraí-lo, conseguiu contemporizar. Você sabe que ela é sempre pela paz.
- Ainda bem que a Lili não passou o fim do ano aqui.
- Ela ia perder um Reveillon numa cobertura em Copacabana? – Heloísa ironiza, referindo-se ao elitismo da irmã mais nova.
- Olha, Lolô. Eu acho que vocês é que estão certas. Você estudou, fez seu curso de enfermagem, formou-se depois como assistente social à custa do trabalho, esperou mais para ter filho. Eu me dediquei ao marido, ao lar, aos filhos...E aí, como estou agora?
- Não exagera, Lelê.
- Como não exagera? Eu não estou realizada, nem poderia estar. Mulher de um alcoólatra! Que sina a minha!
- Ele te ama.
- Ai, não há mulher que agüente um marido acomodado, que ainda é ajudado pela mãe, que está ficando cada vez mais “pra trás” em relação aos irmãos e que pra esquecer, afoga as mágoas na bebida. Eu estou cheia. Vou pedir um favor a você: não o chame para ir para casa, eu vou sozinha.
- Vai ficar horrível, Lelê, papai e mamãe vão ficar aqui.
- Ai, Meu Deus... Eu não agüento mais. Tenho que me conter até diante dos meus próprios pais!
- Lelê, o papai aceitou o seu casamento porque queria ver você feliz, a mamãe argumentou com ele... É claro que ele percebe as coisas e tem vontade de falar, mas a mamãe o contèm. Ela até tem razão, é adepta do ditado: “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.
- Ai, Lolô... Do jeito que as coisas estão, já não me importa que alguém “meta a colher”, ou até me encoraje dizendo: “Segue a tua vida, deixa este bêbado pra lá”.
- As coisas não são tão simples assim, Lelê. Você reclama, reclama, mais ainda o ama, estou errada?
- Pior que não. Eu ainda amo aquele “mala”, sim. Apesar de todos os vexames, de todas as vergonhas que já me fez passar, eu não consigo pensar em descartá-lo. Mas confesso que já pensei em tirar umas “férias” dele.
- “Férias conjugais?’”.
- É.
- Apesar de difícil, parece até mais diplomático. Só que o Vitor sem você, morre. Ele é um “carrapato!”
- É, mas eu acho que daria uma lição nele se fizesse isto. Ele está muito mal acostumado, encontrando sempre a mulher dedicada à casa, só agora é que eu comecei a exercer minha profissão.
- Pelo menos, isto você aprendeu e pode exercer. Você queixou-se de que sempre se dedicou aos filhos e eu até esqueci do detalhe que falou agora. Você já tem uma ocupação fora do lar.

- Mesmo assim, optei por isto não por passatempo e sim por necessidade. Se o Vitor não estivesse trabalhando em mais dois colégios, se papai, mamãe e Marisa não ajudassem, nem sei do que seria de mim e dos meus filhos. O Vitor usou até o 13º por causa de bebida. Comprou um Wisk importado.
- É uma coisa triste, eu sei, minha irmã. De minha parte, eu digo a você, que até vigiei pra que ele não bebesse. Mas você sabe que em Reveillon, não pode deixar de ter algumas bebidas, né?
- Eu gostaria que não existissem bebidas. Não sou nem contra, mas quem não sabe beber, não deveria beber nunca!
- Parece até a tia Edite falando.
- Ela é que é esperta, foi passar o fim do ano na Suíça.
- É pra quem pode, mana.
Ao amanhecer, como todo o início do ano as ruas estão desertas e muitas famílias dormem muitos jovens ainda “ligados” fazem o que chamam: “curtir a vida” e outros, como Vitor percebem ou quase percebem que a estão jogando fora.
Vitor acorda no apartamento da cunhada e do irmão, tonto e cheio de dor de cabeça. Paulo, que também levantara cedo para a ocasião, surpreende-se ao ver o irmão de pé.
- Já de pé, Vitor?
- Estou cheio de dor de cabeça.
- Quando é que você vai aprender?
- Ah, não começa você também! “Eu bebo sim, estou vivendo, tem gente que não bebe e está morrendo!” Ai, que dor! - Vitor leva mão à cabeça.
- É... Se isto é viver, meu caro irmão eu prefiro continuar “morto”.
Pouco depois, Helena acorda com os filhos, sem dirigir-se muito a Vitor, só o fazendo no momento de irem embora:
- Vamos aproveitar que meus pais ainda estão dormindo, pra que não o vejam de ressaca e eu não me aborrecer mais.
Os dois saem levando os filhos e Helena sentindo-se completamente desamparada, com vontade de sumir, tranca-se no quarto chorando. Vitor vê a porta trancada e bate.
- Lelê...
- Que é? – responde irritada.
- Posso entrar?
- Não! Me deixa em paz!
- Lelê... Vamos conversar.
- Não temos nada pra conversar, vai curar tua ressaca, se quiser sai e bebe até cair no chão, mas me dá o direito de pelo menos no meu quarto eu poder chorar só! É o que me resta!
- Eu...Eu vou me controlar, Lelê.
- Você viu “uma vaca voando, um gato relinchando, ou um passarinho miando?” Se viu, aí eu acredito que você vá se controlar!
Arrasado, mas completamente sem argumentos, Vitor vê que não tem outro remédio se não tentar diminuir a bebida. Acha que não precisa parar, mas pensa: “Não vou beber mais em casa”. Procura suas próprias soluções para um problema que não tem capacidade para resolver.
Nos dias que se seguiriam, Vitor ainda estaria trabalhando, pois daria aulas no período de recuperação dos colégios nos quais trabalhava. No CAMEC, estaria de férias.
Vitor até conseguiria diminuir um pouco a bebida, passaria a beber mais em fins de semana e muitas vezes quando não agüentava, bebia até escondido de Helena. Mas o vício o dominava, pois não se conscientizava de que a melhor solução para sua vida seria livrar-se dele.
Ao terminar o período de recuperação num dos colégios que trabalhava, teve uma dura notícia: estava despedido, pois diminuiriam o quadro de professores. Vitor indagava-se: “Será isto mesmo ou foi alguém que quis me prejudicar?” Aquela situação pegaria Vitor de surpresa e ele não conseguiria conter-se.
Como naquele dia estivesse também de férias, Helena sairia com as crianças. Chegaria mais tarde, despreocupada, nem pensando no que encontraria. Ao abrir a porta, o choque: Vitor estirado no chão.
- Vitor! Vitor! – este não respondia, a não ser por resmungos – Você bebeu! – Helena começa a chorar, desesperada.
- Não enche! – responde falando mole, não conseguindo levantar-se. – Helena sente-se humilhada, traída, ferida e numa fração de segundos tem vários pensamentos, até de acabar com Vitor, mas sabe que tudo é um emaranhado de emoções contidas, que de repente metralham sua mente, desordenadas, sem sentido, abafadas. Depois do impacto, recuperando a sanidade, pensa: “Vou pegar a chave da casa de veraneio dos meus pais em Sepetiba, vou pra lá até minhas férias acabarem, dane-se o Vitor, ele não me respeita, nem aos filhos, precisa de uma lição”. Enquanto arruma os filhos, Allan, sendo menor, assusta-se, chorando muito.
- Tenha pena da sua mãe, meu filho! – exclama Helena, descontrolando-se. – Vitor ainda tonto, tenta contê-la, mas como não está em condições pelo efeito da bebida, é empurrado por ela, que grita raivosa:
- “Me larga”, Vitor! Eu tenho pra onde ir e ficar livre de você pelo menos por algum tempo! Não tente me deter, respeite ao menos seus filhos! Seu “pau d’água!”

Vitor não tinha forças nem físicas nem morais para reagir. Estava arrasado. A companheira de quase 10 anos
de vida em comum, o abandonava. E agora? A situação só piorava as coisas, pois este era mais um pretexto para beber. Com a pouca resistência que lhe sobrava, liga para Heloísa, que embora penalizada procura ser firme:
- Alô?
- Lolô...
- Pela voz enrolada, você já “entornou” mais.
- Também, só este consolo eu tenho, sua irmã me abandonou.
- Que “abandonou”, Vitor! Só tirou umas “férias conjugais!”
- Como é que você sabe?
- Ela ligou da rua. Estava com as crianças e ia pegar um ônibus com todos. Como eu não queria que papai soubesse, liguei pro Paulo e ele deixou todos em Sepetiba na casa de veraneio.
- Quando ela volta?
- Quando acabarem as férias, pelo menos perto disto. Aproveite pra por sua cabeça no lugar hein, cunhado!
- Tá, Lolô, tchau.
- Olha, se precisar de alguma coisa, pode telefonar. Juízo, cara!
Sozinho, sem ninguém ao seu lado para contê-lo, estava agora Vitor diante da armadilha do adversário. Era como se ouvisse mais forte uma voz dizer: “Você está livre, aproveite”.
Sabendo do sofrimento do filho, Marisa lamentava o ocorrido, mas entendia as razões de Helena, sendo testemunha do que a nora suportava com as bebedeiras cada vez mais constantes deste.
Vitor era teimoso; não dava o braço a torcer e na primeira oportunidade que tivesse, executaria uma espécie de “vingança” mesclada com autopunição, pois se sentindo incompreendido, bebia para chamar a atenção das pessoas em volta e por outro lado, achando que merecia ser rejeitado, bebia para se castigar. Qualquer situação seria pretexto para beber.
Naquela manhã, após falar com Heloísa ao telefone, Vitor vai até o botequim mais próximo no qual era conhecido, para tomar o primeiro “trago” do dia. Chega ao balcão já se sentindo como que precisando de “combustível” e fala ansiosamente ao dono do estabelecimento:
- Zé me dá um “trago”.
- Está com dinheiro?
- Claro.
- Ah, bom hoje não tem “pendura?”
- Você sabe que eu pago.
- Nem sempre é você, o último quem pagou foi o João.
- Ah, Zé... “Muita conversa e pouco papo!” Me dá logo o “trago!”
- O que vai ser hoje?
- A “transparente!” Tô seco por uma! – Zé dá a cachaça a Vitor, que toma de um só gole, quase sem respirar.
- Vai mais outra!
- Devagar, cara!
- Zé, não enche, eu tô pagando! Vai segurar outro!
- Tudo bem, Vitor. Toma outra. Eu só falei, porque apesar de dono do botequim e querer vender, eu sou um ser humano e vejo você como outro ser humano. Se você quiser, dou tantas quantas você puder pagar, só que saúde, não se vende, amigo.
- Esta agora... Até você...Eu vou é beber noutro botequim! – Vitor vira o segundo copo e após pagar, vai até outro botequim próximo. Em pouco tempo, já tomado pela bebida, começa a fazer um “monólogo”, queixando-se de sua vida:
- As mulheres sabem como castigar os homens. A minha sabe que eu não vivo sem ela e o que foi que ela fez? Me deixou sozinho. Foi curtir as férias longe de mim, quando eu mais precisava dela. Todas elas são iguais! Pior é que eu a amo mesmo assim...Lelê! Volta pra mim! – Vitor começa a chorar e a incomodar os outros que estão no bar, até que um homem o leva com jeito para o outro lado da rua. Indignado Vitor volta e por três vezes o homem o conduz até o outro lado. Como se tentasse voltar da quarta vez, o homem ajudado por outros o deixa à força pela última vez do outro lado e então o avisam:
- Se você voltar, chamamos a polícia! – dando-se por vencido, Vitor vai para casa e tonto por ter bebido muito além do que de costume, acaba dormindo no sofá da sala.
Desta vez, a ressaca duraria dois dias apesar de todos os irmãos o terem procurado, não aceitou nenhum conselho, nem ajuda. Sentia o mundo contra si e queria vingar-se. Tão logo se recuperava do último porre, estava pronto para encarar o próximo. Resolve sair e ir a um bar. Para surpresa sua, encontra um antigo conhecido, Amadeu.
- Vitor!
- Amadeu?
- Sou eu Vitor! Há quanto tempo!
- Bota tempo nisto!
- Lembra da confusão naquele dia? Faz 15 anos, mas eu me lembro como se fosse hoje. O Edson Luiz, coitado, veio tentar a vida no Rio, um jovem com tantos ideais, morrer daquele jeito...Mas também, eu bati muito naqueles “milicos!” Pensar que hoje sou um deles. Eu consegui proteger muita gente, ninguém

nunca soube.
- Eu também.
- Um capítulo triste e encoberto da História do nosso país.
- É...
- O seu sogro, o General Carajás, reformou-se, né?
- É, agora há pouco. Mas parece que esquece que não está mais no quartel. É cada vez mais autoritário.
O tempo passa e Amadeu vendo que Vitor está só e sem horário para voltar, convida-o a beber por sua conta, o que para o último é uma grande sorte, pois saira com pouco dinheiro.
- Vitor, vamos dar uma “esticada?”
- Bem, eu estou com pouco dinheiro, não dá pra muita coisa.
- Que é isto rapaz, estou convidando. Vamos à uma Boate, tudo por minha conta. – o convite foi aceito e Vitor vai com Amadeu, mas no íntimo, sente-se um pouco culpado, mesmo que mais liberado pela bebida. Apesar de boêmio, Vitor não era muito chegado a determinados ambientes. Sendo um homem já acostumado a ter todas as mulheres que quisesse e incentivador da traição, propõe um “programa” a Vitor:
- Vitor que acha de escolhermos as mulheres mais bonitas do show e levá-las pro meu apartamento?
- Você nem as conhece, será seguro?
- Não se preocupe. As daqui são de “fino trato”.
Vitor aceita. A solidão o fazia ter um desejo de vingança. Vitor comportava-se como que um adolescente afirmar-se para Amadeu. Na tarde do dia seguinte, após terem bebido no apartamento de Amadeu, este acorda tonto de sono, após ter dormido por várias horas. Vendo Vitor dormindo no sofá, o chama:
- Vitor! Vitor!
- Hã...? – Vitor acorda mais tonto ainda e cheio de dor de cabeça.
- Aquelas safadas me roubaram! Roubaram você também?
- Se elas roubaram, não levaram muita coisa, eu estava com pouco dinheiro.
- Cretinas! Elas me pagam!
- Amadeu... É engraçado... Eu acho que peguei logo no sono, pouco depois que chegamos aqui e bebemos. Você também?
- Já sei: “Boa noite Cinderela!” Como é que eu entrei nesta?! Mas elas vão ver, vou “enquadrar” as duas! Vou acabar com elas!
- A esta altura, já sumiram, Amadeu!
- Eu vou achar as duas nem que seja no inferno!
Em Sepetiba, Helena procurava esquecer os problemas. Sua prima Samara – sobrinha de Dona Marta, pensando em ajudá-la, foi visitá-la e lhe faria um convite:
- Lelê, o que você acha de ir à minha orientadora espiritual?
- Quê?
- É uma senhora que eu conheci quando estava com depressão e ela disse até que sonhou comigo ela tem muita experiência, você vai gostar.
- Tá. Podemos ir.
Chegando ao local, uma casa na rua próxima, Helena assiste uma sessão e participa de um relaxamento. Aparentemente, nada de anormal, mas sente-se um pouco apática após o relaxamento e acha o jeito da orientadora, Dona Santa estranho, com a voz em determinados momentos muito calma e em outros, agitada. Depois vê pessoas caírem num sono profundo, sem o menor controle. Helena finalmente está descendo e Dona Santa quando vai saindo, fala com Samara:
- Esta bolsa aí é de alguém? Está aí jogada. - Dona Santa despede-se jogando um beijo para Samara e batendo no peito à altura do coração. Helena só pensa: “Que senhora estranha!” – Quando Samara vai pegar a bolsa na intenção de procurar a dona, ouve uma voz em tom de queixa:
- Samara! Esta bolsa é minha! – a dona da bolsa desce furiosa e a pega. Na hora que Samara sai com Helena, a moça diz com ironia e concordância de outros:
- Vai com Deus! – Helena sente algo estranho, como que uma voz lhe dissesse que o que Dona Santa fizera, fosse com a intenção de desencadear uma briga e impressionada com a cegueira de Samara, achou melhor não dizer nada.
- Ai, que chato... – lamentava Samara. – Dona Santa sabia que eu tinha que passar por uma situação difícil, até me jogou um beijo quando saiu. – Helena só pensava no jeito estranho da senhora e perguntava-se: “Se ela sabia que ia haver uma briga, por que deixou que acontecesse?” Dois dias depois, Samara chamava novamente Helena para falar com Dona Santa, num atendimento espiritual. Helena, porém sentia que como um aviso para não ir e perguntava à Samara:
- Samara, você tem certeza de que ela vai me atender?
- Claro! Ela está lá para isto.
- Não sei...
- Bobagem, você vai gostar.
Porém, ao chegarem e Dona Santa percebendo a presença de Helena, fica como que incomodada, agitada. Vê uma luz muito forte em volta de Helena como que lhe ofuscando a vista. Chama Samara num canto e fala-lhe em particular, repreendendo-a:

- Você não deveria ter trazido esta moça sem me avisar!
- Mas ela está com problemas.
- Problemas todos nós temos. Eu não posso atendê-la!
Mesmo decepcionada Samara vai embora com Helena, que irritada, chama-lhe a atenção:
- Samara, eu tenho mais o que fazer do que vir falar com uma velha maluca!
- Que é isto, Lelê! Que Deus a perdoe!
- Que Deus perdoe você e aquela “louca de pedra!” Só o que ela fez com você naquela noite que eu fui lá, já prova o desequilíbrio dela!
- Mas ela não podia assumir o que tinha que acontecer comigo!
- Se ela sabia que ia acontecer, tinha mais é que não deixar acontecer!
- Mas...
- Samara! Chega! Estou aqui para descansar de problemas, não para me aborrecer! Boa tarde! E não me chame mais pra ir a um lugar como aquele! Aquela “dona” guia sua vida! “È ruim de alguém guiar a minha!”
Enquanto isto, Vitor, já recuperado de seu último porre, vai a uma reunião de reciclagem no outro colégio em que ainda trabalha, o CECO (CENTRO EDUCACIONAL CLÉCIO DE OLIVEIRA) de propriedade das filhas do mesmo, Eglantine e Francine. Após a reunião, as irmãs, muito amigas de Vitor, sentem-se na obrigação de conversar com ele, pois perceberam seu abatimento.
- Vitor, você não gostaria de ir à minha sala, querido? – convida Eglantine.
- É Vitor, nós estamos sentindo você triste e queremos ajudar. – reforça Francine.
- Tá... – os três sobem e Eglantine, docemente, pergunta:
- O que há colega?
- Nada, não...
- Ah, Vitor...Como nada? – pergunta Francine
- Os problemas de sempre.
- Vitor, amigo – continua Eglantine – eu sei que você deve estar chateado porque o outro colégio o demitiu, mas quero que saiba que estamos dispostas a ajudá-lo, você e os outros professores, são para nós como parte de nossa família, pois sem vocês e os alunos a escola não existe. Como uma família unida, nós temos que ter um bom diálogo, abertura para colocar os problemas. Pode ser que esteja acontecendo aqui algo que eu não saiba e que você não se sinta bem para falar. Algum problema com alunos? Colegas?
- Não, absolutamente.
- É só a preocupação por estar ganhando menos?
- De certa forma.
- Vitor, você está satisfeito como está? – pergunta Francine.
- Não.
- Porque? Fica só entre nós. Confie na gente, não vamos contar a ninguém, só queremos ajudar. – encoraja Eglantine.
- Eu não sei, está tudo tão errado comigo.
- Você tem alguma mágoa? – Francine incentiva-o a falar.
- Acho que sim.
- De quem Vitor?
- Acho que de meu pai.
- Mas seu pai já não morreu, Vitor? – espanta-se Eglantine.
- Sim, há quase doze anos.
- Mas isto pode fazer muito mal a você. Você pode até somatizar, pode ficar doente. – completa Francine.
- Olha, Vitor, os males da alma, podem ser maiores do que pensamos. Seu pai pode ter errado com você, mas devia querer o seu bem. – argumenta Eglantine. – Por que a mágoa em relação a ele?
- Acho que foi por causa da minha ida para a Itália, quando eu tinha 16 anos.
- Foi por causa de política, você comentou uma vez de passagem - relembrou Francine.
- É. Será que é por isto que você algumas vezes bebe demais? – indagou Eglantine repentinamente.
- Mas até você, Eglantine!
- Vitor, eu posso tê-lo chocado, mas está na hora de assumir que você às vezes abusa, já percebemos nas festas do colégio. Nos últimos tempos então, tem sido mais constante. Felizmente não houve maiores conseqüências. Você não bebeu no trabalho, mas deve se preservar diante dos seus alunos.
- E olhe, Vitor – alerta Francine – falamos como amigas, não como diretora e coordenadora como pessoas que gostam sinceramente de você e que querem o seu bem; se você tem mágoa do seu pai, é natural que esteja transferindo para outras pessoas, que até beba para se vingar do mundo. Eu posso exemplificar: o pai de meus filhos tem uma bronca tremenda de mim e desconta tudo na minha filha. Ela descobriu isto em terapia e já falou para ele. Se você estiver interessado, posso indicar um lugar que faz terapia por um preço accessível.
- Tá, eu vou pensar, obrigado.
Vitor sai sentindo-se um pouco incomodado pela conversa, pois apesar de ao mesmo tempo aliviado, não gostava de se abrir muito. Sabia que Francine e Eglantine eram sinceras em querer ajudá-lo, mas ainda era muito teimoso.
Chegando em casa, encontra Elisa.
- Oi Vitor.
- Como entrou?
- Esqueceu que eu tenho cópia da chave?
- O que você quer?
- Saber como você está.
- Estou bem, obrigado.
- Ah, não está não, Vitor.
- Como?! Você agora determina o que eu sinto?!
- Calma cara! Estou vendo isto em você, nos seus olhos, no seu jeito. Você não sabe disfarçar.
- Tá, eu não sei disfarçar. Você acha que eu estou feliz em passar este período longe da minha mulher? Dos meus filhos?
- Vitor, você precisa de Jesus.
- Lá vem mais uma “discípula da Dona Marisa!”
- Querido, eu sou discípula de Jesus Cristo, a sua mãe é uma mulher de Deus e Ele tem um plano na sua vida.
- Tá bem... – desdenha Vitor.
- É sério.
- Sei...
- Você precisa “se ligar”, cara! Você quer perder sua família? - Vitor emudece e Elisa continua – Eu tenho certeza que não. Mas, cuidado, para de querer afogar suas mágoas na bebida. Tudo isto é uma grande ilusão, é buscar uma falsa felicidade. Quando você tiver consciência do que está fazendo com sua vida, poderá ser tarde demais e você vai se arrepender “amargaramente”.
- É amargamente.
- Tá, amargamente, aceito a correção. Agora, vê se aceita a correção que Deus quer fazer na sua vida.
- Não tenho nada para ser corrigido.
- Todos nós temos. Eu mesma fui corrigida porque falei errado. Eu preciso aprender muitas coisas, mas você também. Eu posso até estar parecendo uma chata, mas só quero poder abençoar você. De uma coisa pode ter certeza: de uma maneira igual, sem distinção, Jesus te ama, como a todos nós e eu te amo no amor de Jesus.
- Tá, ô “pregadora”, agradeço, mas só peço que me deixe em paz!
- Como queira. Eu te abençôo em nome de Jesus!
- Amém. – responde Vitor ironicamente.
Durante sua estadia em Sepetiba, Helena preferiria não falar com Vitor, mas ligava regularmente para Marisa, que compreendendo a atitude da nora a ouvia e aconselhava a não brigar com o filho na volta, prometendo acalmá-lo para o momento.
Numa noite próxima à volta, Bertinha vê a mãe ouvindo rádio no escuro e chega-se à ela, perguntando;
- Você tem este disco, né mãe?
- Seu pai me deu. Você está sem sono?
- Estou.
- Chegue aqui pertinho de mim.
- Você...não vai se separar do papai, né?
- Não, filha, só estou dando em tempo.
- Férias conjugais?
- Onde você ouviu isto?
- Uma colega da escola disse que os pais dela tiraram umas.
- Vem cá, filhinha, senta perto da mamãe. – Bertinha senta-se aconchegadamente perto de Helena que lhe acaricia os louros cabelos ondulados.
- Filha tem coisas que os adultos às vezes têm que fazer, - principalmente os pais – pelo bem dos filhos. Você já vai fazer 9 anos e deve estar começando a entender melhor algumas coisas. Uma vida entre duas pessoas não é sempre tão fácil. Marido e mulher têm coisas que combinam e outras que não, tem coisas em um que às vezes incomodam ao outro.
- No papai, o que incomoda é a bebida, né?
- É, filha. Mas eu ainda acredito que ele venha a reconhecer que não deve beber, que não sabe se controlar.
- Você já falou isto muitas vezes com ele, eu lembro.
- É... Mas nem tudo o que a gente diz, as pessoas entendem logo e por isto, é melhor que elas venham a entender por elas mesmas. Muitas vezes com o adulto é mais difícil. Você se lembra quantas vezes eu já tive que dizer pra você não fazer bagunça no quarto?
- É. – Bertinha responde rindo.
- Muitas vezes já até quis me convencer que não estava tão bagunçado, né? – as duas riem juntas.
- Eu quero muito que o papai pare de beber.
- Estas coisas podem demorar, filha.
- Minha avó Marisa, diz que é só ter fé.

- Ela tem razão, mas nem sempre eu consigo.
- Eu queria pedir ao papai que ele parasse de beber.
- Não sei se isto daria certo, filha. Você teria que ter certeza de que ele reconheceria que precisa fazê-lo. Muitos adultos acham que as crianças não tem nada a ensinar.
- Eu não acho o papai assim.
- Por que?
- Ele sempre conta coisas dos alunos. Diz que aprende com eles. Ele disse que um aluno dele, o Mateus, falou pra ele assim: “Tio, hoje você abriu sua alegria!”
- Menino sensível. – admirou Helena.
- Eu fico triste, porque já ouvi falarem dele no colégio. Colegas meus viram meu pai bêbado na rua. Será que ele não vai entender que eu preciso que ele pare de beber?
- Isto ainda pode acontecer, vamos acreditar num milagre. Bem, filha, está ficando tarde, vamos nos deitar.
Com a proximidade da volta de Helena, Vitor procura controlar-se e beber menos. Passa a dar voltas na Lagoa Rodrigo de Freitas, tentando ver um pouco da natureza, pessoas. Vitor fica meditando e divagando, lembrando todos os momentos felizes ao lado de Helena, comparando aos atuais. No íntimo, um pouco de consciência sobre o vício lhe vinha à mente, mas, como querendo justificar-se para si mesmo, pensava: “Ah, uns goles de vez em quando não fazem mal a ninguém!”
Finalmente, após quase um mês afastado de Helena, chegaria o dia do reencontro. Após sua já costumeira caminhada matinal, Vitor chegava em casa, tomava um banho e aguardava o momento. Já um pouco além do meio dia, Vitor mexia em seus guardados e encontrava um de seus discos prediletos, que dera para Helena, num aniversário de casamento, no qual havia uma música muito especial para os dois. Ele e a esposa consideravam-se um casal atípico, pois tinham na história de seu amor muitas canções. Vitor pega o disco, coloca no “som” e começa a ouvir a introdução da música e no exato momento em que a voz do cantor começa a cantar os versos: “Eu não pensava em te amar deste jeito...” - entra Helena com os filhos. Vitor sente sua presença e levanta-se do chão onde estava perto do som.
- Lelê seja bem vinda.
- Espero que esteja tudo bem. – diz Helena ainda um pouco hesitante em chegar-se mais a Vitor.
- Pai! – Bertinha corre para abraçá-lo e em seguida Celinha e Allan também o abraçam, junto com a irmã.
Tudo parecia um final feliz e que as coisas iriam melhorar, pois aquelas férias conjugais pareciam ter sido a solução para o casal.