domingo, 28 de setembro de 2008

CAPÍTULO V - REENCONTRO & BODAS

O dia tão esperado chega e Vitor, aos seus 21 anos, completamente dono de si, chegava ao Brasil. Realizada a vontade do pai, agora era a sua vez de decidir seu futuro. Desde o dia de seu aniversário determinou a sua volta e agora ela se concretizava.
Marisa resolveu cuidar dos preparativos para a volta do filho e deixou o momento do reencontro primeiramente para Helena. A jovem se fazia notar cada vez mais por sua beleza. Seus lindos cabelos loiros, agora pouco acima dos ombros, emolduravam suas delicadas feições dos seus 19 anos. Esperando o amado com ansiedade, Helena olhava o relógio. De repente, lá está ele, com seu traje esporte, segurando o casaco devido a diferença de temperatura, naquele 29 de janeiro de 1973. Os braços da amada se abrem e esta vai correndo ao seu encontro:
- Vitor!
- Lelê!
Os dois abraçam-se e beijam-se, selando aquele amor que o tempo e a distância nunca puderam apagar.
- Que saudade! – exclama Vitor, ainda apertando-a em seus braços.
- Quase cinco anos, pareceu uma eternidade.
- Desde que cheguei já contava os dias, mal podia esperar a hora de ter você em meus braços. – olhando em volta, Vitor dá conta de que a mãe e os irmãos não estão. – Cadê minha mãe, meus irmãos?
- Eles concederam este primeiro momento para nós. Sabe como sua mãe é caprichosa, quer que você veja tudo em ordem.
- Eu soube que o Otávio e o Olavo também tiveram que sair do Brasil. Entraram “de cabeça” no movimento da Luta Armada.
- É...
- Mas eles também ainda voltam!
- Ah, Vitor, que doce ilusão a sua! Este país não vai mudar com tanta rapidez, nem com facilidade.
- Enquanto há vida, há esperança, amor.
- Vitor, eu sou filha de militar e sei das coisas. Meu pai é muito justo e é contrário a tudo isto. Ele conhece muito bem o meio em que lida. Sabe o que disse quando começou tudo isto?
- O que?
- “Se você quer conhecer alguém, dê poder a ele”. Estes “milicos” se sentem os donos do país, eles usam e abusam deste poder. Mas eu fico revoltada não é só com eles, a “esquerda”, também está errada.
- Mas em que você acha que estão errados?
- Vitor, eles já seqüestraram um Embaixador...
- Pra soltar presos políticos.
- Está bem informado, hein?
- O Otávio e o Olavo escreveram contando.
- Mas não foi só isto. Este Embaixador tem mulher, ela sofreu muito. Assim como eu sofri por causa de uma lista que encabeçaram para matar militares, entre eles o meu pai que não tem nada com isto tudo.
- É?!
- Como você vê, existem os dois lados da moeda. Ninguém é tão bom, como não é tão mau.
- Ah, mas vamos deixar isto pra lá! Estou ansioso pra chegar em casa, não sem antes participar uma coisa a você.
- O que?
- Eu vou casar com você.
- Hein?
- Isto mesmo que você ouviu.
- Mas, Vitor...
- Não aceito não como resposta.
- Não é isto, Vitor...Você já tem perspectiva de emprego?
- Claro! Vou trabalhar na subsidiária da firma do meu pai.
- Por que não vai pra firma principal?
- Ah, Lelê, na outra firma vou ter mais liberdade.
- Olha lá Vitor...
- Uai! Qual é o problema?
- Vitor, em primeiro lugar, você não é mineiro, não sabe como me irrita este seu “uai!”; em segundo lugar, se houver algum problema e alguma das firmas tiver que ser negociada, fatalmente será a outra, porque não é matriz.
- Ah, Lelê, que derrotismo!
- Não é isto, Vitor. A vida é assim.
- Vamos pensar nisto depois, não estraga a festa.
Os dois seguem para Ipanema e Helena pede a Vitor que espere antes de ir para sua casa, com uma desculpa que precisa passar pela sua antes. Rapidamente, liga para Marisa e avisa que Vitor está chegando. Logo a seguir, vão para a casa de Vitor e este é recebido com uma festa, bandeirinhas, cartazes, um com os dizeres: “O BOM FILHO À CASA TORNA!” Em meio à festa, Vitor que já pegara Helena de surpresa, resolve fazer o mesmo com seus pais:

- Pessoal! Um momento de atenção.
- Ai, meu Deus... – sussurra Helena, prevendo a intenção de Vitor.
- Coronel, Dona Marta; é com o coração cheio de alegria que eu quero aproveitar a oportunidade para pedir a mão de Lelê em casamento!
O Coronel e sua esposa ficaram um tanto desconcertados, porém, pelo grande apreço aos Castelli procuraram não dar a perceber sua preocupação. Refeito do susto, o Coronel ponderou:
- Bem Vitor...Vocês são muito jovens, casamento é um passo muito sério...
- Exatamente. Por isto mesmo, já tenho uma carta de apresentação por parte do meu primo Marco Antônio para trabalhar na empresa que é subsidiária da que o meu pai deixou.
- Nós hoje estamos em festa, vamos acertar estes detalhes depois, não é querido? – contemporizou Dona Marta.
Chegando em casa, o Coronel pede um apoio à esposa:
- Marta, o que vamos fazer?
- Eles se gostam. Você esquece que o meu pai também não era muito a favor do nosso casamento porque você teria que viajar muito? Ele tinha medo até que pudesse estourar uma outra guerra e eu ficasse viúva! – lembra rindo
- Mas Marta... É diferente!
- Qual a diferença meu querido, se nós realizamos nosso sonho? Por que é diferente com eles? Não são jovens? Não tem sonhos como um dia nós também tivemos? Por que impedir a felicidade deles?
- Mas...Ele é um agitador!
- Ele já está mais maduro, viveu quase cinco anos em outro país. Está com outro pensamento. Se ainda quisesse se meter em confusões, não acredito que teria pedido a Lelê em casamento.
- Ai...Deus queira que você esteja certa.
- Tão certa como que te amo. Se impedirmos este sonho, ele vai virar pesadelo. Você se esquece daquela menina que vivia lá onde eu nasci que fugiu pra casar?
- Nem me fale.
- Meu querido Marsílio ouça sua esposa. Você parece que não conhece a filha que tem. Você a ama muito, não acredito que queira vê-la infeliz.
- É... Jamais gostaria de vê-la infeliz, mas não nego que vai ser difícil entregá-la a um rapaz com este temperamento. Confesso que faria mais gosto no casamento da Lolô com o Paulo.
- Se ela der uma chance a ele.
- Pra mim ela gosta dele, mas está se fazendo de difícil.
- É outro temperamento, meu bem.
- Pelo menos a Lili, não pensa nisto agora.
- Ela quer terminar os estudos, mas depois vai encontrar alguém.
- Como é preocupante ser pai de moças!
- Eu estou muito satisfeita. Amo demais minhas três filhas. Foram três presentes de Deus.
Na cozinha, Helena conversava com Elisa:
- Elisa, ele quer casar de qualquer jeito. Disse até que vai dar entrada num apartamento com o dinheiro que economizou na Itália.
- Então ele veio decidido.
Neste momento, o Coronel passa perto e brinca:
- Ah... “A conversa chegou na cozinha!”
- Ué...O senhor é que veio aqui, Coronel. Seu radar está ligado, hein?
- Está mesmo. Lelê, apesar de minhas preocupações, quero ver você feliz. Minha benção e a de sua mãe estão concedidas.
- Papai...Obrigada... – Helena chora abraçando o pai.
E assim, dois meses depois se realizava o casamento, com tudo o que uma filha de militar tem direito, inclusive recepção no Clube Militar. Sendo Marisa uma pessoa extremamente atenta às questões financeiras, não achava justo que só os Carajás financiassem o casamento e depois de incessante insistência, foi aceita a sua participação como patrocinadora do evento.
Tudo parecia bem, exceto por uma coisa: Vitor excedeu-se no champanhe. Embora Marisa fosse contra a bebida e não a houvesse financiado, os pais de Helena estavam acostumados com o uso de bebidas nas festas. Vitor até precisou ser ajudado para ir para o Hotel, pois não tinha condições de dirigir. Chegando lá, Helena pergunta:
- Amor, você está bem?
- Estou ótimo, minha querida, eu te amo.
- Também te amo, amor. Você abusou do champanhe, hein?
- Ah, Lelê, não é sempre que a gente pode tomar champanhe. Eu quis comemorar o dia mais feliz da minha vida!
- Mas “manera”, amor.
- Hoje não é dia de “manerar”. Eu vou embriagar você de amor.
Mesmo bêbado Vitor não perderia o romantismo. O consolo de Helena foi a intensa noite de núpcias. Os dois viviam o frescor da juventude, quando tudo é sonho, poesia.

CAPÍTULO VI
A CHEGADA DA PRIMOGÊNITA
Aos dois meses de casados, Vitor e Helena estavam felizes e os problemas do dia a dia eram como o de todo o casal normal. Tudo corria bem. Tinham uma vida em comum saudável e a próxima benção logo viria num dia que Helena fôra ao médico buscar o resultado de um exame e exultante iria participar ao marido em seu trabalho:
- Vitor!
- Você por aqui? Que grata surpresa, amor!
- É que eu tinha que contar uma grande notícia pra você – Os olhares de cumplicidade se comunicavam e Vitor logo prevê:
- É o que eu estou pensando?
- Estou grávida, amor! – Vitor não se controla e anuncia:
- Vou ser pai!
- Amor, fala mais baixo!
- Eu quero que o mundo saiba que eu vou ser pai! Vamos comemorar! Na saída do trabalho vamos jantar fora!
Durante o jantar os dois fazem planos.
- Vai ser uma menina. – afirmou Vitor -Chega de tanto homem na “Dinastia dos Castelli”. Qual poderá ser o nome?
- A dinda sugeriu que se eu tivesse um dia uma menina, desse o nome Roberta.
- Pelo menos em alguma coisa nós concordamos.
- Ah, Vitor...Ainda esta implicância com ela?
- Ela é que não gosta de mim.
- Não é isto, Vitor. É que ela tinha medo quando você era envolvido com aquele pessoal de política.
- E o que ela tem com isto?
- Ela tinha medo por minha causa. Temia que eu viesse a sofrer alguma conseqüência.
- Lelê se for preciso eu ainda ajudarei algum amigo. Assim como pedi pelo Otávio e pelo Olavo. Sinto falta dos meus amigos, mas minha consciência está tranqüila. Você não viria a sofrer nada, eu tenho bons contatos.
- Não vamos falar mais sobre isto, amor.
- Garçom, mais um chope!
- Manera, amor.
- Ah, Lelê, chope não embriaga ninguém.
- Contanto que seja com moderação.
Apesar dos avisos de Helena, para Vitor toda comemoração tinha que ser “regada com alguma bebida”. Naquela noite, por um verdadeiro livramento de Deus, não ocorreu um desastre, pois Vitor dirigia “costurando”, deixando Helena apavorada. Chegando em casa, Helena argumenta:
- Vitor, você abusou outra vez.
- Lelê, eu estou só comemorando!
- Mas você pode comemorar com limites.
- Ah...não vamos discutir.
- Toma um banho e deita, amor.
- Não precisa recomendar nada, eu estou bem grandinho.
- E você não precisa ser agressivo.
- Tá... desculpe.
No dia seguinte, Helena chama Vitor, que como já era de se esperar, estava com uma tremenda ressaca.
- Vitor acorda! Já está em cima da hora!
- Ai...Que dor de cabeça!
- Agora vê se aprende, não abusa.
- Ah, Lelê, já amanhece me dando sermão! Já chega a minha mãe!
- Toma um banho de água fria que cura a ressaca!
- Ah, não enche!
- Que mau humor!
Os meses vão passando e a chegada do 1º herdeiro – que seria herdeira – vai se aproximando. Num fim de tarde de domingo, quando o casal acabara de sair da casa de Marisa e entrara no carro, Helena tranqüilamente informou:
- A bolsa estourou.
- O quê?!
- Calma Vitor, ainda tem doze horas pra nascer.
- Vamos pro hospital.
- Primeiro vamos passar em casa. Eu vou pegar as minhas camisolas, as roupinhas do neném.
- Temos que ser rápidos.
- Calma! Vamos arrumar as coisas e vamos.
O nascimento de Roberta foi tranqüilo. No hospital, estavam presentes o casal Carajás, Heloísa e Marisa.

O coronel entusiasmado comenta:
- Minha neta é a mais bonita do berçário!
- Que dirá a mais feia!
- Ela é linda!
- É horrorosa!
- Mãe desnaturada!
- Gente, ela acabou de nascer de parto normal, ainda não pode ser linda! – observa Heloísa.
As visitas vão ao quarto e Vitor, que estivera comemorando com os amigos, chega.
- Vitor! Vá lavar as mãos! – adverte Heloísa.
- Mas não estão sujas, Lolô! – responde Vitor.
- Como é que não estão, cunhado? Você está vindo da rua! Não quer zelar pela sua filha? Você só põe as mãos na minha afilhada depois de lavá-las. Eu falo em nome do meu curso de enfermagem e do Ministério da Saúde!
- Vai filho, pelo bem da sua filha. – reforça carinhosamente Marisa.
- Está bem, está bem!
- Espera um pouco, mais uma coisa, cunhado.
- O que?
- Escove os dentes também, que este bafo de bebida está chegando até aqui.
- Ai...Tá... – Vitor vai lavar as mãos e escova os dentes. Helena lamenta:
- Gente, pro Vitor toda a comemoração tem que ter alguma bebida.
Quando Vitor volta, Heloísa pede:
- Vitor toma este café.
- Pra quê?
- Você ainda pergunta? Pra você sossegar, “esvaziar a cara!” Faça isto pela sua mulher e pela sua filha!
- Ah! Está bem, está bem! – bebe contrariado.
A alegria de Vitor por ser pai era grande, mas seu vício era maior. Mesmo com as orações e conselhos da mãe, a energia da cunhada e o amor da esposa, não dispensava o chope com a roda de amigos na saída do trabalho.
Num fim de semana, chega eufórico com as faces rubras dando sinal de que já havia bebido. Helena olha para uma sacola cheia de cervejas na mão do marido escrito: “OBRIGADO VASCO!” E pergunta:
- Vitor, o que é isto?
- Ganhei uma aposta que fiz com os amigos, Lelê! O Vasco é campeão! “Vasco da Gama, és o orgulho do Brasil!” – cantarola aos risos.
Edite, que estava vendo Bertinha no quarto ouve e aparece na sala.
- Que está havendo aqui?
- Ah...A senhora está aí? – Vitor decepciona-se com a presença da madrinha da esposa.
- É...Pra sua infelicidade...
- Dinda! Não provoca! – repreende Helena.
- Desculpe minha filha, mas é difícil.
- Difícil o que? A senhora nos sustenta? Paga nossas contas? – desafia Vitor.
- Querida, eu já vou, não quero discutir.
- É bom mesmo, melhor que não volte! – retruca Vitor.
- Ela é minha madrinha, volta aqui quando quiser! – responde Helena.
- Então que seja quando eu não estiver em casa!
- Tchau, Lelê. – despede-se Edite.
- Adeus, dona Edite! – fala Vitor com sarcasmo. Edite vai embora ingnorando – o
- Só vem aqui pra encher! – Vitor continua a reclamar e Elisa que estava ajudando Helena, ouve e procura contemporizar:
- Vitor, o que está acontecendo?
- Aquela “dona”, que vem aqui pra me azucrinar! – Helena faz menção em responder, mas Elisa com um gesto com a mão consegue contê-la.
- Ô, Vitor, ainda esta implicância?
- Que ela tem comigo, né?
- Vitor, eu gosto tanto de vocês, dei a maior força pra se casarem. Você vai se aborrecer por causa da dona Edite? Ela tem este gênio, mas é boa pessoa. Ela se preocupa com a Lelê.
- Mas ninguém pode negar que é implicante. Já a ouvi dizer ao Coronel que eu sou um agitador, um “pau d´água!”
- Vitor, não “dá bola”, ela fala sem pensar. Ela trabalha pro governo, acha o pessoal envolvido com política perigoso, é uma pessoa de outra geração, “Esfria”, amigo. Vai tomar um banho que eu fiz uma comidinha gostosa. Pede desculpa pra Lelê. – Elisa chega perto dele falando baixo.
- Desculpe Lelê.
- Tá desculpado, amor.
- Fico feliz de ver vocês se entenderem. Vitor, como a Bertinha está linda! Os olhos dela vão continuar azuis, quando ela nasceu eram acinzentados. Sua mãe conta que os do seu pai também eram.

- Eram... – Vitor responde com um ar melancólico.
Depois de tudo calmo, Vitor devido à bebida dorme pesadamente e Helena deita-se pouco depois. De madrugada, o telefone toca e Elisa atende cheia de sono.
- Alô?
- É da casa do Vitor? – interroga uma voz embriagada.
- É.
- Ele está?
- Está dormindo.
- Chame.
- Eu não! Já é mais de uma hora da manhã!
- Pode chamar, é o Raul, amigo dele.
- Não vou chamar!
- Olha que a coisa vai ficar feia!
- É?! Pra você! O sogro dele é coronel e vai te pegar!
- O que?
- É isto mesmo! Não ouse ligar pra cá novamente se não quiser ser preso! Ele tem como descobrir seu telefone seu “cachaceiro!” – grita batendo o telefone. Helena acorda e pergunta à Elisa:
- Quem era?
- Ah, um desocupado querendo que eu chamasse o Vitor! Que audácia!
- Eu não agüento mais estes amigos do Vitor! Quando é que isto vai acabar?
Apesar do início de um desânimo em relação ao vício do marido, o amor de Helena por este, ainda era mais forte. Porém, mais barreiras viriam.

sábado, 27 de setembro de 2008

CAPÍTULO IV - OS ESTRANHOS DESÍGNIOS DE DEUS

Poucos meses depois da partida de Vitor, ocorreria o “debut” das gêmeas Heloísa e Helena, numa grande festa no Clube Militar, à qual a família Castelli era convidada. Paulo aproveitava a ocasião para dar mais uma investida em sua musa Heloísa, com a qual dançaria também a valsa. No fim daquele ano o agora Coronel Carajás era transferido para Brasília e deixava seu apartamento alugado por uma família de amigos. Tudo ia correndo normalmente. Os namorados à distância, corresponder-se-iam por cartas apaixonadas e Vitor com sua veia poética escreveria lindos versos para sua musa.
Heloísa, mais prática, pensava em seguir carreira de enfermagem. Namoros, flertes, não “faziam muito a cabeça” da ainda adolescente de 15 anos. Apesar de gêmeas e com várias coisas em comum, as duas tinham visões diferentes de vida. Heloísa chegava a afirmar que não se casaria, porém, “O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor”.
(Provérbios, 16; 1).
Nas férias, Helena e Heloísa passavam um tempo no Rio de Janeiro, na casa de Dona Edite e aproveitavam para ver Vitório, Marisa e os meninos. Em algumas ocasiões, Hélida as acompanhava, se bem que seus interesses eram diferentes, pois não era tão ligada aos familiares como as irmãs. Paulo continuava suas investidas em Heloísa, que demonstrava ser um “osso duro de roer” e com seu jeito despachado ainda dizia: “Você pra mim está cheirando a leite!” Apesar disto, a menina aceitava os convites do rapazinho que apesar do orgulho de adolescente ferido, não dava “o braço a torcer”.
- Ah, minha filha, como eu gostaria que você desse uma chance a este menino! Ele é tão bonzinho! Tão diferente do irmão mais velho que está lá na Itália!
- Como assim, “tão diferente?”
- Ah, ele parece ser mais responsável, não parece ser chegado a agitações.
- Isto não quer dizer que ele seja melhor do que o irmão.
- Mas eu estou falando porque vejo que o Paulo é interessado em você. Já esse...Qual é mesmo o nome do mais velho?
- Vitor.
- É...Eu dou até graças a Deus por ele estar longe. Do jeito que a repressão militar está, ele se daria mal e ainda podia fazer a sua irmã sofrer as conseqüências.
- Ah, não exagera, tia!
- Não é exagero não, minha filha! Uma menina que eu conheço foi torturada por causa do namorado que faz parte dessa “Luta Armada”. Ela não é do movimento e por causa do namorado se deu mal.
- Ah, tia, ele está longe, mas de qualquer maneira nem ele a esqueceu, nem ela a ele. Sempre se correspondem por cartas, o Vitor escreve versos apaixonados pra Lelê. Se os dois tiverem que ficar juntos, não vai ser pai, mãe, parente ou política que vai separá-los.
- Mesmo assim, eu ainda espero que ela o esqueça e encontre um bom partido.
As esperanças de Edite eram infrutíferas, pois os adolescentes estavam longe dos olhos, mas perto do coração. Pouco depois da partida das gêmeas, um fato inesperado aconteceu: Numa noite como outra qualquer, Marisa perdera o sono por causa de uma forte dor de cabeça. Não querendo incomodar Vitório, ficara quieta, sentada na cama, mas este acabou acordando e percebendo alguma coisa de errado e perguntou:
- O que há, meu bem? Não consegue dormir?
- Eu...Estou com tanta dor de cabeça!
- Por que não toma um comprimido?
- Já tomei, mas não passa, acho que é enxaqueca.
- Bem, procure descansar, ficar quieta. Eu vou ver uma bolsa de gelo pra você se aliviar.
A situação foi-se repetindo e preocupado, Vitório levou Marisa ao médico. Depois de exames e radiografias, foi detectado um aneurisma. Os três meninos, Paulo, Genaro e Sérgio ficaram muito preocupados com a mãe, que insistentemente pediu:
- Não escrevam e nem telefonem contando nada pro Vitor. Se eu precisar operar, sei que terei êxito. Não quero meu filho, além de estar longe da família, preocupado comigo. Tudo vai dar certo.
Todos respeitaram a vontade de Marisa e Vitor de nada ficou sabendo. O adolescente mandava cartas, falava sobre o que estava conhecendo, das saudades da família, do Brasil, dos amigos e ficava sabendo através das cartas de Olavo, Otávio e principalmente de Helena, sobre tudo o que apreciava.
Um dia, uma ambulância foi buscar Marisa. Ainda era verão e uma manhã linda de sol se fazia. Ao entrar na ambulância, Marisa exclamou, com fé:
- Ainda vou voltar para ver outros dias tão lindos de sol como este!
Chegando ao hospital, Marisa fez outros exames aguardando o momento certo para operar. Durante esta expectativa, não muito depois de ter chegado, três senhoras entraram em seu quarto, anunciadas pela enfermeira. Marisa as deixara entrar, pois a enfermeira avisara que eram pessoas “religiosas”, traziam Bíblias e visitavam regularmente os hospitais das redondezas. Todas a cumprimentaram com um cordial “boa tarde”, fizeram rápidas apresentações e uma delas perguntou:
- A senhora vai operar?
- Se Deus quiser, sim.

- Se for da vontade de Deus, a senhora pode operar, mas creio que a vontade maior d’Ele, é que a senhora seja curada.
- É...Quem sabe...
Tenha ânimo Dona Marisa. Nos trouxemos um presente pra senhora: uma Bíblia com ajudas adicionais, para que possa entender melhor qual a vontade do SENHOR para sua vida.
- Obrigada.
A semente estava plantada. Embora Marisa ainda não estivesse entendendo muito o propósito de Deus naquela situação, sentiu-se mais confiante e tranqüila com a visita daquelas missionárias. Após dois dias, ainda aguardando resposta sobre sua operação, Marisa obtém a resposta do SENHOR, através de uma daquelas mulheres de Deus, que lhe fez um apelo:
- Dona Marisa, a senhora crê em Deus, não é?
- Claro.
- Crê que o poder dele é infinito?
- Creio.
- Então, a senhora deve crer também, que Ele deu seu Filho único, para que todo aquele que n’Ele crer tenha a vida eterna, não?
- Como assim?
- Deus ofereceu seu Filho em sacrifício de amor pela humanidade. Ninguém merecia aquele sacrifício. Cada gota de sangue derramada naquela cruz significava sacrifício por todas as vidas existentes e por todas que ainda haveriam de existir. Deus pensou em toda a humanidade. Eu não mereci, ninguém mereceu toda aquela dor, aquela morte horrível de cruz, que significava maldição e passou a ser benção. Um ladrão estava morrendo ao lado d’Ele, reconheceu nisto um merecimento e quis o perdão e a salvação e obteve nos seus últimos momentos de vida. Jesus operou maravilhas, curas, fez os cegos enxergarem, fez paralíticos andarem e quer fazer um milagre em sua vida. A única coisa que precisa fazer é aceitá-lo como seu único e suficiente salvador, declarar isto com sua boca e crer que Ele pode tirá-la deste leito de hospital, sem que precise operar. A senhora quer entregar sua vida para Jesus?
- Eu...Eu quero!
- Então repita comigo:
Marisa com atenção ouve e repete cada palavra pronunciada com determinação:
- Senhor Jesus, eu me arrependo dos meus pecados e te aceito como meu único e suficiente salvador. Toma minha vida nas tuas mãos, escreve o meu nome no livro da vida. Eu renego qualquer ato de engano na minha vida e te peço que tu renoves o meu ser e me faça uma nova criatura. Senhor, eu te agradeço e entrego minha vida nas tuas mãos em nome de Jesus. Amém.
A partir daquele momento, Marisa sentia que sua vida teria um novo sentido. Confiante em seu futuro aguarda os resultados dos últimos exames. Confirmado: o quadro regredira. Os médicos dão suas explicações, mas ela sabia que o Médico dos médicos a curara.
Iniciavam-se tempos novos na vida dos Castelli. Uma batalha espiritual seria travada, pois Vitório não aceitava a “nova fé” da esposa. Um dia, ele a vira acordar cedo e levar uma sacola consigo. Curioso, perguntou:
- O que é isto?
- São as coisas que vou levar para o meu batismo.
- Batismo?! Mas você já é batizada!
- Eu fui batizada de uma forma tradicional. Agora vou fazer o batismo que é escolha da própria pessoa. Eu decidi fazer este batismo, o batismo que fiz quando era bebê, é um batismo de escolha dos pais. Este é pelo meu próprio entendimento.
- Nunca ouvi falar disto.
- Está ouvindo agora.
- Eu não aceito isto.
- Não estou fazendo isto dependendo da sua aceitação. A decisão é minha. Eu gostaria muito que você fosse assistir.
- Eu me recuso! Meus filhos também não vão, eles já têm religião e não quero que estejam nesta “palhaçada”!
- Eu lamento, embora já esperasse por isto.
Decidida, Marisa iria ao batismo, pois não esperava o consentimento de Vitório. Ao ouvir a discussão, Tonha falou particularmente à Marisa:
- Eu já estive ao seu lado em bons e maus momentos. Não quero estar longe num momento tão importante assim.
Assim, foram as duas até a igreja e Tonha sentiu uma forte emoção ao presenciar a cerimônia do batismo. Quando o pastor fez um apelo, Tonha o ouvia atentamente:
- Se há alguém aqui presente que ainda não tenha aceitado Jesus e deseje fazê-lo, venha a frente.
Imediatamente, Tonha deu seu primeiro passo, incentivando várias pessoas a ter o mesmo gesto. Ao sair da igreja, Marisa e Tonha comemoravam exultantes:
- Está havendo uma grande festa no céu, Tonha. Você agora terá uma vida diferente.
- Eu sei disto.

Vitório continuava a “torcer o nariz” para a “nova fé” da esposa. Mas Deus tem seu plano e sua palavra diz: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo tu e tua casa.” (Atos,16:31).
Em breve, embora de uma maneira que parecesse triste, um novo milagre aconteceria na família Castelli: Apesar de aparentar ser um homem saudável, Vitório Castelli repentinamente começara a apresentar sinais de problemas digestivos, os quais dariam a impressão de uma hepatite, mas se evidenciariam em cirrose hepática. Um dia, pela manhã, Marisa chegava das compras e nem imaginava o que lhe esperava: Vitório tivera uma crise do fígado e fora internado às pressas. Seu estado era delicado. Os irmãos da igreja oravam com Marisa e Vitório começava a ver com melhores olhos o que considerava a “nova fé” da esposa.
Como o estado de Vitório se agravava, um dia, uma amiga de Marisa, Maria Luiza, também da igreja, decidiu falar com Vitório, sentindo que Deus queria usá-la. Entrou lentamente no quarto do hospital e disse:
- Com licença...
- Pois não, a senhora é...
- Eu já estive algumas vezes em sua casa, meu nome é Maria Luiza. Eu gostaria de falar com o senhor que há um Deus que o ama muito e que Ele não faz acepção de pessoas. Ele está pronto a recebê-lo quando o senhor quiser se entregar a Ele, pois diz: “Eis que estou à porta e bato, aquele que abrir, entrarei e cearei com ele”. O senhor crê que Ele o ama?
- Creio.
- O senhor gostaria de repetir uma oração de entrega da sua vida a este Deus que o ama muito?
- Eu...Eu...Quero! – Vitório pressentia que não teria uma outra oportunidade, pois seu estado era gravíssimo. O Espírito Santo o havia tocado para que naquele momento ele esquecesse de tudo o que aprendera, libertando-se de toda a tradição, de todo o orgulho e dando a este Deus a oportunidade de alcançá-lo. Maria Luiza, também percebendo o estado de Vitório, apressou-se em fazê-lo repetir a oração:
- Repita comigo: Senhor Jesus, eu te aceito e te convido a estar na minha vida. Eu me arrependo de tudo de errado que fiz. Perdoa meus pecados e escreve o meu nome no livro da vida. Meu Deus, eu entrego a minha vida nas tuas mãos em nome de Jesus.
Vitório fala com os filhos, com Marisa e faz as últimas recomendações:
- Marisa, o Vitor ainda vai ficar na Itália até completar 21 anos.
- Sim, querido, fique tranqüilo. Sua vontade será respeitada.
- O Genaro tem jeito pra negócios. Ele só está com 16 anos, mas sinto que já tem mais discernimento até do que o Paulo. Vou deixar vocês bem. O Marco Antônio vai cuidar de tudo pra você, o Ciro também.
- Querido, não fale assim.
- Marisa, eu estou no fim, mas sei que vou ficar com este Deus que você aceitou e eu também. Eu só me preocupo é com o Sérgio, tão menino ainda e o Vitor, fale pra ele que eu o amo muito e que entenda minha atitude com ele.
- Sim, querido.
Pouco depois Vitório dava seu último suspiro. Marisa viu sua fé abalada, pois não entendia como Deus poderia ter permitido que seu marido se fosse tão cedo, ainda mais depois de aceitá-Lo. Embora houvesse quem a consolasse, ela não entendia e levaria algum tempo para poder entender os estranhos desígnios de Deus. Fez um telefonema interurbano para Vitor, comunicando-lhe o fato e a última vontade do pai. Vitor também se revoltara e achava que teria que ter o direito de questionar o pai por sua atitude.
Mais de um ano se passou e Vitor completaria 21 anos. Sua “sentença” estava chegando ao fim. Certo do que queria, seu plano de voltar ao seu país foi posto em prática; tirou seus documentos, fez seus contatos e decidiu que voltaria no início do próximo ano, dando entrada em seu passaporte.
Helena já voltava para o Rio e Heloísa formava-se enfermeira, já tendo iniciado carreira em Brasília. Hélida iniciava o 2º grau.
Chegando ao Rio, a família Carajás admitiria para trabalhar em sua casa Elisa, uma jovem de 16 anos, que lutava para conquistar uma vida melhor. A jovem trabalharia e estudaria, mas viveria ainda anos ao lado da família que a acolhera.
Os irmãos Otávio e Olavo, pouco depois da morte de Vitório, iriam a exílio para os Estados Unidos, pois a ditadura imperava.
Vitor, de tudo sabia, pois tinha notícias pelos amigos, pelos jornais, cartas.
Um dia chegava um telegrama e Marisa, radiante chamava:
- Tonha!
- Oi?
- Deus seja louvado! O Vitor volta dia 29!
- Glória a Deus!
Aquele Deus que tanto louvavam, atendia às orações daqueles corações aflitos.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

CAPÍTULO II - VITOR & HELENA

Numa manhã de férias escolares, Vitor que contava ainda 10 anos de idade, fora autorizado pelos pais a dirigir sua bicicleta nova pelo quarteirão. O menino sentia-se importante e saía à calçada com o veículo como se fosse o dono desta. Tomando a frente de todos, ia rápido e nem se deu conta que quase atropelara uma lavadeira que ia com uma trouxa de roupa na cabeça e exclamou irritada:
- Não está vendo que aqui é esquina?
Vitor olhou-a com indiferença e seguiu seu caminho, enquanto uma bela menininha loura, de cabelos quase curtos, porém cheios e encaracolados, olhos verdes e um vestidinho estampado e decotado, bem no estilo de verão, criticou:
- Que menino mal educado!
Vitor, embora tenha ouvido, fingiu não ligar. Os outros meninos, ao reparar a arrogância de Vitor, resolveram dar-lhe uma lição: Comandados por seu “líder” da rua, deram uma “fechada” com suas bicicletas, na do menino. Assim, sentiu-se vencido, pois eram muitos e ele, muito esperto, reivindicou seus direitos:
- Quatro contra um?! É covardia!
- A rua não é só sua, você não deixa ninguém passar!
- Tá bem, eu vou embora, mas volto!
Com sabedoria o menino fez a sua “ameaça”, embora no íntimo sentisse medo. Mas fora ajuizado e não deixaria o local com facilidade.
Numa outra ocasião, também dirigindo seu veículo, pensou ter avistado a tal menina e quis logo se “mostrar”, debochando:
- Está mais calma hoje?
- Quê?!
- É com você mesma que eu estou falando.
- Eu nunca vi você “mais gordo!”
- Ora, não seja cínica!
- Cínico é você, fingindo que me conhece, seu metido! Não tem o que fazer?!
- Quem não tem o que fazer é você que finge que nunca me viu e me chamou outro dia de mal educado!
- Ah! Então é você!
- Sou, sou eu!
- Só que está criando caso com a pessoa errada, otário!
- Pessoa errada?! Como assim?
- Você nunca viu irmãs gêmeas na vida?
- Ah, não inventa!
- Não acredita, não é? Lelê! – Chamando a irmã
Naquele momento, aparece outra menina exatamente igual àquela e as duas, num ar irônico fitam o menino, embasbacado e sem graça. A menina que fôra chamada, informa:
- Não foi a minha irmã que teve a honra de chamar você de mal educado, e sim eu. – disse Helena, batendo com a mão no peito, num sinal de orgulho.
- Se fosse eu que estivesse na rua naquele dia, com certeza teria feito o mesmo, sem dúvida. – acrescentou Heloísa, a gêmea.
- Bobão! – gritaram as duas juntas,rindo enquanto Vitor retirava-se indignado. Helena e Heloísa, eram filhas do então na época tenente - coronel Marsílio Carajás e da funcionária pública Marta Guerra Carajás, que além das duas meninas que contavam ainda 8 anos, também tinham mais uma filha de 6 anos: Hélida. Apesar de ser militar, o tenente – coronel Marsílio Carajás era muito carinhoso e dedicado para com as três e as apelidara de: Lelê, Lolô e Lili. Esta última, com um tipo mais semelhante ao da mãe, sendo morena de olhos castanhos e também herdara o seu gênio, com um temperamento mais recatado, não gostando de brincar na rua como as irmãs, preferindo as brincadeiras caseiras com bonecas.
Vitor não imaginava que teria uma certa “revanche”; Numa tarde, a menina Helena passeava despreocupada com sua bicicleta, próximo à casa de Vitor que ficava no mesmo quarteirão da sua. De repente, um carro saindo de marcha à ré, atingira a menina, embora estivesse lento. Helena caiu e embora não tivesse sofrido maiores conseqüências, ralara o joelho. Marisa, que no momento estava na rua, correu em seu socorro:
- Você está bem?
- Ai... Estou...Só ralei um pouco o joelho. – respondeu Helena, tentando agüentara dor.
- Venha comigo, você mora aqui perto, não é?
- É...Eu posso ir pra casa.
- Vamos à minha casa que eu lavo este ferimento.
- Não precisa...
- Que é isso, não custa nada.
Vitor, que no momento estava em casa assistindo a TV, viu a mãe entrar com a menina machucada, que ao vê-lo, ficou sem graça. Vitor sentiu uma mistura de compaixão e vingança e perguntou, fingindo não dar muita importância:
- Que foi, mamãe?

- Esta menina se machucou de bicicleta aqui perto e eu vou ajudá-la a limpar a ferida, depois vou levá-la à sua casa. Ela mora aqui perto.
- Coitadinha... – disse Vitor, com um ar cínico.
Helena percebera o jeito cínico do menino, e pensou consigo mesma: “Ele não perde por esperar!”
- Cadê seus irmãos? – indagou Marisa
- Brincando no quintal.
- Eu vou ajudá-la a se lavar e já volto.
Muito jeitosa com crianças, Marisa cuidou com carinho de Helena e logo telefonou para sua casa, avisando o ocorrido e comprometendo-se a levá-la para casa.
Ao chegar lá, dona Marta estava aflita e ao abrir a porta interrogou imediatamente a filha:
- Menina, como é que aconteceu isto? – perguntou, observando o ferimento no joelho de Helena.
- Desculpe, senhora, o trabalho – disse dona Marta, desculpando-se com Marisa.
- Foi um prazer. Ela estava pertinho da minha casa.
- Ah, a senhora mora no número 180?
- É.
- Muito obrigada dona Marisa.
Ao perceber a presença de Heloísa, Marisa exclama:
- Gêmeas!
- É...Mas valem por quatro! Eu cheguei há pouco tempo do trabalho. Só deixo as duas saírem aqui para perto. Já se fizeram conhecer pela vizinhança, por isto que fico tranqüila.
- Dona Marta, foi um prazer conhecê-la, assim como saber que tem duas encantadoras filhas.
- Três. A caçula está brincando no quarto.
- Eu tenho quatro meninos.
- Eu não pensava ter três, mas primeiro me veio esta “dose dupla” e quando não esperava, descobri que estava grávida novamente.
- Quando precisar de qualquer coisa, estamos aqui às ordens. Tão perto, não é? Mora aqui há quanto tempo?
- Viemos para cá há pouco. Meu marido e eu estávamos em Magé. Ele é tenente-coronel.
- De meus parabéns pelas filhas e pela esposa. A senhora parece ser uma mãe muito dedicada. Espero ainda conhecer sua outra filha.
- Muito obrigada dona Marisa. Desculpe o trabalho que esta menina deu.
- Ora, foi um prazer. Até logo.
- Até logo.
Dias depois do ocorrido, Vitor saía novamente com sua bicicleta, cheio de si, sentindo-se o dono da calçada. Novamente quase atropelou um senhor mal humorado, que o repreendeu:
- Não olha por onde passa com esta “geringonça?”
Vitor, com seu ar de superior, nem se importava. De repente, vê Helena passar e tem a prova de que era ela, pelo machucado no joelho. Resolve então implicar com a menina e pergunta:
- Está doendo muito ainda?
- Olha garoto, eu só não respondo o que eu posso fazer doer mais em você por duas razões: a primeira é porque sua mãe foi muito boa comigo e eu não vou bater no filho dela; a segunda é porque não vou sujar minhas mãos!
- Esta é boa! Você me bater?!
Logo aparece Heloísa e pergunta em defesa da irmã:
- Ô Lelê, você vai dar confiança a este moleque? Vamos pra casa, não vamos nos “misturar!”
- Misturar... – ironiza Vitor.
- Porque? Você se acha melhor do que nós? – pergunta Helena.
- Não acho, eu sou!
- Coitado! – riem as duas.
- Vocês vão pra casa porque estão com medo!
- Medo é?! – gritam as duas indignadas
As duas sentiam-se feridas em seu orgulho. Era demais aquele garoto insuportável, achando-se temível. Tinham que lhe dar uma lição.
- Olha aqui, garoto, toma! – impulsivamente, Heloísa dá-lhe uma bofetada, retirando-se logo depois. Porém, Vitor não ia deixar por isto mesmo e a persegue com a bicicleta, enquanto Helena puxava-lhe o cabelo.
- “Me solta”, pirralha!
- Vitor! – exclamava Vitório, que voltava do trabalho. – Já para casa! Está de castigo!
- Ela puxou meu cabelo e a outra me bateu! – defende-se Vitor.
- Não interessa! Eu sei que você deve ter começado!
Vitório pegou Vitor pela orelha e levou com a outra mão a bicicleta. As meninas assistiam sentindo-se vitoriosas e diziam rindo:
- Bem feito!
Irritado, Vitório proibiu Vitor de passear de bicicleta e Marisa, como boa esposa e mãe, respeitou a decisão do marido e argumentou com o filho:

- Olhe filho, eu não gosto de me envolver em brigas de crianças, pois vocês se desentendem, se agridem, mas depois estão brincando. Pelo que conheço de você, sei que provocou. Não foi?
Vitor contou a verdade à mãe que sendo conciliadora, foi conversar com Marta:
- Dona Marta, eu lamento a implicância do meu filho com suas meninas. Sabe como é criança...
- Mas a senhora está preocupada com isto? Nós já fomos crianças. Sabe, eu já soube de muitos desentendimentos de infância que terminaram em casamento.
Marisa riu sem pensar no quão proféticas eram as palavras de Marta. O tempo iria confirmar aquela frase, mas muitas coisas haveriam de acontecer...

domingo, 14 de setembro de 2008

OS CASTELLI - I - A LUZ DO TRIUNFO

A VITÓRIA DE UM IMIGRANTE
Logo após o término da segunda guerra mundial, um italiano nascido em Nápoles chegava ao Brasil, recomendado por um tio a um amigo deste, seu compatriota, Sr. Bruno Goldoni empresário do ramo de construção civil.Vitório Castelli, jovem belo, alto e louro de olhos azuis que contava apenas 20 anos de idade, deixara na terra natal a mãe viúva e mais nove irmãos e tinha o objetivo de vencer e o chefe sentiu seu empenho em aprender e colocou-o inicialmente como auxiliar administrativo. Vitório esforçou-se, estudou toda a legislação referente à construção civil e com seu salário conseguiu iniciar o curso superior de engenharia e com dois anos na firma, já havia subido de auxiliar para assistente administrativo. Vitório desenvolveu uma percepção admirável para negócios e por sua visão, a firma ampliou-se, realizando grandes empreendimentos, não em construções, mas também em reformas. Além de prestar grandes serviços, desenvolver idéias para construções em áreas ainda não exploradas, Vitório acumulou funções administrativas e de compras de material, conseguindo material mais barato e de boa qualidade. Assim, após pouco mais dois anos de árduo trabalho, Vitório veria a firma na qual ingressara, a GOLDONI EMPREENDIMENTOS, passando a se chamar: GOLDONI - CASTELLI EMPREENDIMENTOS.
“Deus reconheceu o meu esforço!” – festejava Vitório. Mal saberia que Deus ainda faria grandes coisas em sua vida. A primeira destas, seu crescimento profissional e logo a seguir, prepararia o caminho para a sua vida sentimental. O fato se daria de uma forma não só romântica como muito interessante: Um dia, o Senhor Goldoni receberia um telefonema sobre o anúncio de uma casa de veraneio. Não tendo a oportunidade de apresentá-la, lembrou-se logo de seu “faz-tudo” e o chamou:
Vitório!
- Pronto!
- Companheiro, preciso de um grande favor seu.
- É só falar.
- Acabei de receber um telefonema de um senhor que ficou interessado naquela casa de veraneio, aquela nova de Petrópolis, lembra?
- Ah! Sei qual é!
- Pois é... Você bem disse que ia ser fácil vender.
- Logo que olharem, não vão nem pensar; churrasqueira, lareira, seis quartos, quatro banheiros.
- Vitório, você vai vender assim como já vendeu as que achávamos mais difíceis. Use o seu talento. Está aqui neste papel o endereço. Vá lá e marque uma visita à casa. É um casal com dois filhos. Ele quer mais informações, por isso eu disse que você iria para dar.
- É daqueles compradores difíceis, né?
- É, mas você já tem experiência, e vai se sair muito bem. Vá lá agora, aproveite a oportunidade.
- É pra já!
Decidido a efetuar mais uma venda de sucesso, Vitório com todo o ânimo e persistência chegou à casa do senhor e maravilhou-se ao ver a fachada do imóvel: num bairro nobre da zona sul do Rio de Janeiro – Ipanema – uma casa com varanda, bem cuidada e pintada de branco, portões e janelas azuis, um verdadeiro palacete. Impressionou-se tanto, que até exclamou para si mesmo:
- Quem me dera tivesse vendido uma assim! Dá vontade até de morar!
O jovem continuava tão extasiado, que quase esquecera o que viera fazer e voltando à realidade, como que despertando de um sonho, logo se concentraria e tocaria a campainha.Logo após, uma adolescente negra chegaria à porta. Era Antônia, (Tonha) uma “cria” da casa. Sua mãe Nancy era empregada do casal dono da casa, Sr. Homero e D.Noemi.
- Pois não?
- Bom dia. – cumprimentou Vitório.
- Bom dia. - respondeu a menina.
- Estou procurando o Sr. Homero Silva. Ele ligou para a firma interessado em uma casa em Petrópolis.
- Ah, sim. Ligaram avisando que o senhor viria. Pode entrar.
- Obrigado.
Entrando na propriedade dos Silva, Vitório sentia-se mais maravilhado. Via um enorme quintal, garagem, um canteiro de plantas. Sentiu-se um pouco assustado ao ver dois enormes cachorros, que a menina logo tratava de recolher ao canil. Chegando a entrada, a jovem convidou:
- Por aqui, por favor.
- Obrigado. – respondeu entrando.
A jovem fora chamar os patrões e na sala, Vitório veria mais uma imagem que o extasiaria por completo: Uma bela jovem ao piano. Era Marisa, à época contando 17 anos, quase uma menina, mas apesar da baixa estatura tinha um porte elegante de moça, com seus belos olhos castanhos amendoados e cabelos negros levemente ondulados, não muito longos. Ao notar-se observada, a jovem parou de tocar e virou-se para trás. Embora tomada de surpresa por aquela presença, cordialmente perguntou:
- O senhor espera por alguém?
- Sim. O Senhor Homero Silva.
- É o meu pai.

- Porque parou de tocar? A música é tão bonita.
- Obrigada. Deve gostar de música, os italianos geralmente gostam muito. – concluiu Marisa pelo seu sotaque.
- “É vero”.
- Na minha família também tem italianos. Eu sou bisneta.
Interrompendo a jovem Marisa, descia apressado seu irmão Ciro, de 14 anos, um pouco alto para sua idade, também moreno como a irmã, iniciando suas reclamações, sem se dar conta de que havia uma visita:
- Ai, até que enfim acabou o “concerto!”
Com um ar superior, a jovem não queria entabular discussões e apresentou:
- Este é meu irmão, Ciro. Este é o Senhor...
- Vitório Castelli. Muito prazer. – disse Vitório estendendo a mão ao garoto.
- “Prazer...” – respondeu o garoto apertando a mão de Vitório, sem jeito.
Logo em seguida, descia D. Noemi, apressada, perguntando à empregada:
- Nancy! Cadê o terno que você passou pro “Seu” Homero?
- Já vou levar, D. Noemi! – respondeu apressada, trazendo o terno num cabide e subindo. Ao ver Vitório, D. Noemi com um olhar interrogativo, dirige-se a este:
- Sim?
- Eu sou Vitório Castelli, da Goldoni / Castelli Empreendimentos.Vim falar com o Sr. Homero.
- Ah, sei...Sobre a casa?
- É.
- Meu marido sempre quer saber detalhes antes de fazer uma compra. Poderia ter marcado direto no local.
- Não há problema. Posso dar todas as informações que ele desejar.
- Por favor, espere que ele já vai descer.
- Não há pressa.
Apressadamente descia o Sr. Homero. Homem de estatura mediana, encorpado, cabelos grisalhos, apesar de não ter idade muito avançada – 47 anos -, um pequeno bigode e olhar sério, jeito austero. Avistando o visitante cerimoniosamente o cumprimentou:
- Bom dia.
- Bom dia, Sr. Homero.
- O Sr. é...
- Vitório Castelli, da Goldoni / Castelli empreendimentos.
- Então...O senhor pode me adiantar alguns detalhes sobre a casa. É bem espaçosa? Tem jardim? Eu tenho uma idéia do local, já estive lá perto.
- O senhor não se arrependerá. Ao ver a casa, vai querer comprar logo. A casa tem seis quartos, quatro banheiros, dependências de empregada, churrasqueira, jardim e até piscina.
- Sim... O senhor também é italiano, não?
- Sim. Sua filha estava me contando que é bisneta de italianos.
- É verdade, os avós maternos de minha esposa eram italianos.
- É. – confirma Noemi.
- Desculpe a curiosidade, mas qual o sobrenome deles? – indaga Vitório.
- Cansoni. – responde Noemi – Eram de Nápoles.
- Meu Deus... Marco e Luzia Cansoni? - pergunta Vitório. Exatamente. – confirma Noemi.
- Eu sou de Nápoles e o casal era muito amigo de meus avós.
- Que coincidência! – exclama Noemi.
O que parecia ser apenas uma visita de negócios, logo se tornava um reencontro entre duas famílias afastadas pelo tempo.
O Sr. Homero, apesar de seu jeito um tanto austero, simpatizara com o rapaz. Logo era marcada a visita ao local que muito encantou o interessado e a sua família. O promissor empresário que via o seu sucesso financeiro crescer, também sentia ser aberto o seu caminho sentimental. Vitório propôs uma forma de pagamento que muito interessou ao Sr. Homero. Tornava-se um amigo da família e seria convidado para festas em sua casa e, portanto também na nova casa de campo.
Ao passo de algum tempo, a jovem Marisa externava um sentimento maior por Vitório, conhecendo-se melhor, descobrindo suas afinidades, a relação dos dois se intensificaria num namoro. Em um ano já estariam noivos e no ano seguinte casados.
A mãe de Vitório não poderia vir ao casamento por estar enferma e faleceria três meses depois.
Aos seis meses de casados, o casal encomendara o seu primogênito e na sua inexperiência, aguardaria sua chegada de uma forma já não convencional para a época, pois este nasceria em casa. Por ocasião das proximidades do natal, passariam alguns dias na casa de veraneio de Petrópolis e a criança, que seria esperada para os últimos dias daquele ano, ou começo do vindouro, apressara-se em nascer. Para alarmar ainda mais os pais, não havia um hospital próximo e o carro enguiçara. Vitório ficou mais aflito do que a esposa, andando de lado para o outro, agitando os braços, exclamando:
- “Dio Santo”, “que faço io?”.
- Vai ter que nascer aqui mesmo – exclamou Tonha, que aprendera a fazer partos ajudando a mãe.
Rapidamente, a jovem de 18 anos, porém despachada, esquentou água, juntou toalhas limpas e preparou-se para ajudar o novo ser a vir ao mundo. Enquanto isto, Vitório comunicava-se ao telefone com o Doutor Lacosta que era amigo da família e também passava o período de férias no local.
A criança nasceu saudável, um belo menino ao qual Vitório já escolhera o nome, pois pelas estatísticas da família, deduzia que seria menino: Vitor Castelli, nascido a 22 de dezembro de l95l. O belo menino tinha um ralo cabelo, louro como o do pai e olhos castanhos, como a mãe.
Ao chegar o médico, Vitório, que ajudara a cortar o cordão umbilical, disse-lhe com seu jeito galhofeiro:
- Doutor, o senhor me deve uma “grana!”
Vitório consideraria Tonha como a segunda mãe de Vitor, já que esta tivera grande responsabilidade na sua chegada ao mundo e juntamente com Marisa, ajudaria a criar a filha natural desta, Amanda, que graças ao casal teria maiores oportunidades na vida e nasceria 11 meses depois. Tonha teria os Castelli como seus familiares, já que sua mãe, Nancy, faleceria repentinamente do coração, aos 42 anos, pouco depois do nascimento da neta.
A vida do jovem casal seria marcada por alegrias e tristezas: Quando Vitor contava apenas três meses, faleceu de enfarte seu avô, Homero.
Ao contar, porém, quase seis meses, sua mãe ficara grávida novamente e no dia 21 de março de 1953, um novo herdeiro enfeitava o clã dos Castelli: Paulo, com, olhos azuis -acinzentados que se definiriam em azuis, cabelos ralos e loiríssimos, quase brancos. O mais velho, que contava 1 ano e três meses, nem tivera tempo de sentir ciúmes.
A família crescia e o casal alternava a vida nas férias e fins de semana em Petrópolis e no restante do ano na casa em Ipanema, que por ser muito grande, abrigava ainda estes novos integrantes e dona Noemi, sentia-se só tendo ficado viúva repentinamente e logo a seguir, Ciro ganhara uma bolsa de estudos para um curso nos Estados Unidos.
Os netos significavam grande alegria em sua vida. Vitório e Marisa tinham sua casa de frente maior separada pelo quintal da casa menor ocupada por dona Noemi após o falecimento do marido. Deixara a casa maior de três quartos para a filha, vendo que esta ficara muito grande para si e que a prole dos Castelli crescia.
Ainda muito pequeno Vitor se deliciava com o quintal espaçoso e mesmo em dias de chuva, aos primeiros respingos ia à casa da avó chamá-la para o café da manhã. Tanto Vitor quanto Paulo apresentavam um bom desenvolvimento, se bem que o primeiro chamava atenção maior por ser mais irrequieto.
Um ano após o nascimento de Paulo, Vitório tem uma grata surpresa: seu irmão Fábio veio da Itália decidido a se radicar também no Brasil. Trouxe consigo sua mulher Rosa e sua filha Angelina, que na época contava apenas 7 anos. “Uma bela bambina”, segundo Vitório, com belos cabelos louros e olhos azuis. O casal gostou muito de Petrópolis e por intermédio de Vitório comprou também uma linda casa por lá.
A “fábrica Castelli” que, segundo Vitório só produzia homens – de seus dez irmãos só três eram mulheres – parecia não parar: A 13 de agosto de 1955, nascia mais um herdeiro: Genaro, este com um tipo diferente, olhos castanhos e uma penugem morena tendo puxado mais ao lado de sua mãe.
Aos 3 anos e meio, Vitor ingressava numa escola, no bairro do Leblon, para a qual sua mãe fora convidada por uma funcionária amiga sua a trabalhar como professora de música, devido ao afastamento da anterior ocupante do cargo por motivo de doença. Vitor apreciava naturalmente os momentos em que podia estar ao lado de sua mãe assistindo suas aulas, o que intensificou seu gosto musical.
Porém, com um ano de serviço, Marisa descobriu-se novamente grávida e teria que tirar uma licença.
A 15 de abril de 1957, nascia o último herdeiro do casal, Sérgio, um bebê bem gordinho, tendo puxado mais o tipo italiano do pai, com olhinhos que logo se definiriam como os de Paulo em azuis.
O “clã” estava completo. Os “quatro varões” eram o orgulho de Vitório. Logo, os outros irmãos foram crescendo e também fazendo parte do mesmo colégio.
Pouco tempo depois, Ciro voltaria para o Brasil e conheceria Mary, que se tornaria sua esposa.
A vida sorria para o casal Vitório e Marisa, mas, nem tudo era sempre “flores”. D.Noemi apresentara subitamente sinais de indisposição, complicações digestivas que descobertas num tempo avançado, não puderam ser contidas, detectando-se um câncer no fígado e pâncreas, o que ocasionaria sua morte aos 49 anos; Fábio contrairia também um câncer no pulmão e faleceria aos 37 anos, deixando Angelina órfã de pai aos 12 anos. Sendo assim, seu consolo além da mãe eram os tios e primos, inclusive Vitor, com o qual mais se identificaria.
Apesar destas tristezas, a vida continuava e os meninos cresciam apresentando diferentes características: Vitor demonstrava mais aptidão para a música, para as letras, aprendendo rapidamente a ler e de todos os irmãos foi o que apresentou maior facilidade para isto; Paulo, assim como Genaro, apresentava facilidade para cálculos matemáticos sendo que este último também apreciava a boa música, inclusive a italiana, por influência do pai; Sérgio, o mais retraído dos quatro, custara um pouco mais a aprender as primeiras letras e apesar de não gostar muito, acompanhava o pai ao futebol com os outros irmãos, só para agradá-lo.
O primogênito se fazia notar como o pequeno artista da família. Sua mãe, muito interessada em pesquisas musicais fora também convidada a apresentar programas de rádio aos quais este era companhia assídua. Ficava assistindo as apresentações, dava idéias à mãe e, quando iam assistir a alguma peça infantil, lá estava ele quase participando do espetáculo. Certa vez chamou público espontaneamente para uma peça infantil, anunciando para os que passavam: “Venham todos...!” O teatro encheu de pessoas.
O menino era muito espontâneo, mas muito genioso também. Esta característica marcaria em breve um interessante episódio em sua vida.