sábado, 27 de setembro de 2008

CAPÍTULO IV - OS ESTRANHOS DESÍGNIOS DE DEUS

Poucos meses depois da partida de Vitor, ocorreria o “debut” das gêmeas Heloísa e Helena, numa grande festa no Clube Militar, à qual a família Castelli era convidada. Paulo aproveitava a ocasião para dar mais uma investida em sua musa Heloísa, com a qual dançaria também a valsa. No fim daquele ano o agora Coronel Carajás era transferido para Brasília e deixava seu apartamento alugado por uma família de amigos. Tudo ia correndo normalmente. Os namorados à distância, corresponder-se-iam por cartas apaixonadas e Vitor com sua veia poética escreveria lindos versos para sua musa.
Heloísa, mais prática, pensava em seguir carreira de enfermagem. Namoros, flertes, não “faziam muito a cabeça” da ainda adolescente de 15 anos. Apesar de gêmeas e com várias coisas em comum, as duas tinham visões diferentes de vida. Heloísa chegava a afirmar que não se casaria, porém, “O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor”.
(Provérbios, 16; 1).
Nas férias, Helena e Heloísa passavam um tempo no Rio de Janeiro, na casa de Dona Edite e aproveitavam para ver Vitório, Marisa e os meninos. Em algumas ocasiões, Hélida as acompanhava, se bem que seus interesses eram diferentes, pois não era tão ligada aos familiares como as irmãs. Paulo continuava suas investidas em Heloísa, que demonstrava ser um “osso duro de roer” e com seu jeito despachado ainda dizia: “Você pra mim está cheirando a leite!” Apesar disto, a menina aceitava os convites do rapazinho que apesar do orgulho de adolescente ferido, não dava “o braço a torcer”.
- Ah, minha filha, como eu gostaria que você desse uma chance a este menino! Ele é tão bonzinho! Tão diferente do irmão mais velho que está lá na Itália!
- Como assim, “tão diferente?”
- Ah, ele parece ser mais responsável, não parece ser chegado a agitações.
- Isto não quer dizer que ele seja melhor do que o irmão.
- Mas eu estou falando porque vejo que o Paulo é interessado em você. Já esse...Qual é mesmo o nome do mais velho?
- Vitor.
- É...Eu dou até graças a Deus por ele estar longe. Do jeito que a repressão militar está, ele se daria mal e ainda podia fazer a sua irmã sofrer as conseqüências.
- Ah, não exagera, tia!
- Não é exagero não, minha filha! Uma menina que eu conheço foi torturada por causa do namorado que faz parte dessa “Luta Armada”. Ela não é do movimento e por causa do namorado se deu mal.
- Ah, tia, ele está longe, mas de qualquer maneira nem ele a esqueceu, nem ela a ele. Sempre se correspondem por cartas, o Vitor escreve versos apaixonados pra Lelê. Se os dois tiverem que ficar juntos, não vai ser pai, mãe, parente ou política que vai separá-los.
- Mesmo assim, eu ainda espero que ela o esqueça e encontre um bom partido.
As esperanças de Edite eram infrutíferas, pois os adolescentes estavam longe dos olhos, mas perto do coração. Pouco depois da partida das gêmeas, um fato inesperado aconteceu: Numa noite como outra qualquer, Marisa perdera o sono por causa de uma forte dor de cabeça. Não querendo incomodar Vitório, ficara quieta, sentada na cama, mas este acabou acordando e percebendo alguma coisa de errado e perguntou:
- O que há, meu bem? Não consegue dormir?
- Eu...Estou com tanta dor de cabeça!
- Por que não toma um comprimido?
- Já tomei, mas não passa, acho que é enxaqueca.
- Bem, procure descansar, ficar quieta. Eu vou ver uma bolsa de gelo pra você se aliviar.
A situação foi-se repetindo e preocupado, Vitório levou Marisa ao médico. Depois de exames e radiografias, foi detectado um aneurisma. Os três meninos, Paulo, Genaro e Sérgio ficaram muito preocupados com a mãe, que insistentemente pediu:
- Não escrevam e nem telefonem contando nada pro Vitor. Se eu precisar operar, sei que terei êxito. Não quero meu filho, além de estar longe da família, preocupado comigo. Tudo vai dar certo.
Todos respeitaram a vontade de Marisa e Vitor de nada ficou sabendo. O adolescente mandava cartas, falava sobre o que estava conhecendo, das saudades da família, do Brasil, dos amigos e ficava sabendo através das cartas de Olavo, Otávio e principalmente de Helena, sobre tudo o que apreciava.
Um dia, uma ambulância foi buscar Marisa. Ainda era verão e uma manhã linda de sol se fazia. Ao entrar na ambulância, Marisa exclamou, com fé:
- Ainda vou voltar para ver outros dias tão lindos de sol como este!
Chegando ao hospital, Marisa fez outros exames aguardando o momento certo para operar. Durante esta expectativa, não muito depois de ter chegado, três senhoras entraram em seu quarto, anunciadas pela enfermeira. Marisa as deixara entrar, pois a enfermeira avisara que eram pessoas “religiosas”, traziam Bíblias e visitavam regularmente os hospitais das redondezas. Todas a cumprimentaram com um cordial “boa tarde”, fizeram rápidas apresentações e uma delas perguntou:
- A senhora vai operar?
- Se Deus quiser, sim.

- Se for da vontade de Deus, a senhora pode operar, mas creio que a vontade maior d’Ele, é que a senhora seja curada.
- É...Quem sabe...
Tenha ânimo Dona Marisa. Nos trouxemos um presente pra senhora: uma Bíblia com ajudas adicionais, para que possa entender melhor qual a vontade do SENHOR para sua vida.
- Obrigada.
A semente estava plantada. Embora Marisa ainda não estivesse entendendo muito o propósito de Deus naquela situação, sentiu-se mais confiante e tranqüila com a visita daquelas missionárias. Após dois dias, ainda aguardando resposta sobre sua operação, Marisa obtém a resposta do SENHOR, através de uma daquelas mulheres de Deus, que lhe fez um apelo:
- Dona Marisa, a senhora crê em Deus, não é?
- Claro.
- Crê que o poder dele é infinito?
- Creio.
- Então, a senhora deve crer também, que Ele deu seu Filho único, para que todo aquele que n’Ele crer tenha a vida eterna, não?
- Como assim?
- Deus ofereceu seu Filho em sacrifício de amor pela humanidade. Ninguém merecia aquele sacrifício. Cada gota de sangue derramada naquela cruz significava sacrifício por todas as vidas existentes e por todas que ainda haveriam de existir. Deus pensou em toda a humanidade. Eu não mereci, ninguém mereceu toda aquela dor, aquela morte horrível de cruz, que significava maldição e passou a ser benção. Um ladrão estava morrendo ao lado d’Ele, reconheceu nisto um merecimento e quis o perdão e a salvação e obteve nos seus últimos momentos de vida. Jesus operou maravilhas, curas, fez os cegos enxergarem, fez paralíticos andarem e quer fazer um milagre em sua vida. A única coisa que precisa fazer é aceitá-lo como seu único e suficiente salvador, declarar isto com sua boca e crer que Ele pode tirá-la deste leito de hospital, sem que precise operar. A senhora quer entregar sua vida para Jesus?
- Eu...Eu quero!
- Então repita comigo:
Marisa com atenção ouve e repete cada palavra pronunciada com determinação:
- Senhor Jesus, eu me arrependo dos meus pecados e te aceito como meu único e suficiente salvador. Toma minha vida nas tuas mãos, escreve o meu nome no livro da vida. Eu renego qualquer ato de engano na minha vida e te peço que tu renoves o meu ser e me faça uma nova criatura. Senhor, eu te agradeço e entrego minha vida nas tuas mãos em nome de Jesus. Amém.
A partir daquele momento, Marisa sentia que sua vida teria um novo sentido. Confiante em seu futuro aguarda os resultados dos últimos exames. Confirmado: o quadro regredira. Os médicos dão suas explicações, mas ela sabia que o Médico dos médicos a curara.
Iniciavam-se tempos novos na vida dos Castelli. Uma batalha espiritual seria travada, pois Vitório não aceitava a “nova fé” da esposa. Um dia, ele a vira acordar cedo e levar uma sacola consigo. Curioso, perguntou:
- O que é isto?
- São as coisas que vou levar para o meu batismo.
- Batismo?! Mas você já é batizada!
- Eu fui batizada de uma forma tradicional. Agora vou fazer o batismo que é escolha da própria pessoa. Eu decidi fazer este batismo, o batismo que fiz quando era bebê, é um batismo de escolha dos pais. Este é pelo meu próprio entendimento.
- Nunca ouvi falar disto.
- Está ouvindo agora.
- Eu não aceito isto.
- Não estou fazendo isto dependendo da sua aceitação. A decisão é minha. Eu gostaria muito que você fosse assistir.
- Eu me recuso! Meus filhos também não vão, eles já têm religião e não quero que estejam nesta “palhaçada”!
- Eu lamento, embora já esperasse por isto.
Decidida, Marisa iria ao batismo, pois não esperava o consentimento de Vitório. Ao ouvir a discussão, Tonha falou particularmente à Marisa:
- Eu já estive ao seu lado em bons e maus momentos. Não quero estar longe num momento tão importante assim.
Assim, foram as duas até a igreja e Tonha sentiu uma forte emoção ao presenciar a cerimônia do batismo. Quando o pastor fez um apelo, Tonha o ouvia atentamente:
- Se há alguém aqui presente que ainda não tenha aceitado Jesus e deseje fazê-lo, venha a frente.
Imediatamente, Tonha deu seu primeiro passo, incentivando várias pessoas a ter o mesmo gesto. Ao sair da igreja, Marisa e Tonha comemoravam exultantes:
- Está havendo uma grande festa no céu, Tonha. Você agora terá uma vida diferente.
- Eu sei disto.

Vitório continuava a “torcer o nariz” para a “nova fé” da esposa. Mas Deus tem seu plano e sua palavra diz: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo tu e tua casa.” (Atos,16:31).
Em breve, embora de uma maneira que parecesse triste, um novo milagre aconteceria na família Castelli: Apesar de aparentar ser um homem saudável, Vitório Castelli repentinamente começara a apresentar sinais de problemas digestivos, os quais dariam a impressão de uma hepatite, mas se evidenciariam em cirrose hepática. Um dia, pela manhã, Marisa chegava das compras e nem imaginava o que lhe esperava: Vitório tivera uma crise do fígado e fora internado às pressas. Seu estado era delicado. Os irmãos da igreja oravam com Marisa e Vitório começava a ver com melhores olhos o que considerava a “nova fé” da esposa.
Como o estado de Vitório se agravava, um dia, uma amiga de Marisa, Maria Luiza, também da igreja, decidiu falar com Vitório, sentindo que Deus queria usá-la. Entrou lentamente no quarto do hospital e disse:
- Com licença...
- Pois não, a senhora é...
- Eu já estive algumas vezes em sua casa, meu nome é Maria Luiza. Eu gostaria de falar com o senhor que há um Deus que o ama muito e que Ele não faz acepção de pessoas. Ele está pronto a recebê-lo quando o senhor quiser se entregar a Ele, pois diz: “Eis que estou à porta e bato, aquele que abrir, entrarei e cearei com ele”. O senhor crê que Ele o ama?
- Creio.
- O senhor gostaria de repetir uma oração de entrega da sua vida a este Deus que o ama muito?
- Eu...Eu...Quero! – Vitório pressentia que não teria uma outra oportunidade, pois seu estado era gravíssimo. O Espírito Santo o havia tocado para que naquele momento ele esquecesse de tudo o que aprendera, libertando-se de toda a tradição, de todo o orgulho e dando a este Deus a oportunidade de alcançá-lo. Maria Luiza, também percebendo o estado de Vitório, apressou-se em fazê-lo repetir a oração:
- Repita comigo: Senhor Jesus, eu te aceito e te convido a estar na minha vida. Eu me arrependo de tudo de errado que fiz. Perdoa meus pecados e escreve o meu nome no livro da vida. Meu Deus, eu entrego a minha vida nas tuas mãos em nome de Jesus.
Vitório fala com os filhos, com Marisa e faz as últimas recomendações:
- Marisa, o Vitor ainda vai ficar na Itália até completar 21 anos.
- Sim, querido, fique tranqüilo. Sua vontade será respeitada.
- O Genaro tem jeito pra negócios. Ele só está com 16 anos, mas sinto que já tem mais discernimento até do que o Paulo. Vou deixar vocês bem. O Marco Antônio vai cuidar de tudo pra você, o Ciro também.
- Querido, não fale assim.
- Marisa, eu estou no fim, mas sei que vou ficar com este Deus que você aceitou e eu também. Eu só me preocupo é com o Sérgio, tão menino ainda e o Vitor, fale pra ele que eu o amo muito e que entenda minha atitude com ele.
- Sim, querido.
Pouco depois Vitório dava seu último suspiro. Marisa viu sua fé abalada, pois não entendia como Deus poderia ter permitido que seu marido se fosse tão cedo, ainda mais depois de aceitá-Lo. Embora houvesse quem a consolasse, ela não entendia e levaria algum tempo para poder entender os estranhos desígnios de Deus. Fez um telefonema interurbano para Vitor, comunicando-lhe o fato e a última vontade do pai. Vitor também se revoltara e achava que teria que ter o direito de questionar o pai por sua atitude.
Mais de um ano se passou e Vitor completaria 21 anos. Sua “sentença” estava chegando ao fim. Certo do que queria, seu plano de voltar ao seu país foi posto em prática; tirou seus documentos, fez seus contatos e decidiu que voltaria no início do próximo ano, dando entrada em seu passaporte.
Helena já voltava para o Rio e Heloísa formava-se enfermeira, já tendo iniciado carreira em Brasília. Hélida iniciava o 2º grau.
Chegando ao Rio, a família Carajás admitiria para trabalhar em sua casa Elisa, uma jovem de 16 anos, que lutava para conquistar uma vida melhor. A jovem trabalharia e estudaria, mas viveria ainda anos ao lado da família que a acolhera.
Os irmãos Otávio e Olavo, pouco depois da morte de Vitório, iriam a exílio para os Estados Unidos, pois a ditadura imperava.
Vitor, de tudo sabia, pois tinha notícias pelos amigos, pelos jornais, cartas.
Um dia chegava um telegrama e Marisa, radiante chamava:
- Tonha!
- Oi?
- Deus seja louvado! O Vitor volta dia 29!
- Glória a Deus!
Aquele Deus que tanto louvavam, atendia às orações daqueles corações aflitos.

2 comentários:

denise beliato disse...

Até aqui tenho gostado muito da sua história.
Gostei principalmente da parte em que Marisa e que seu marido Vitorio aceitaram a Jesus.
Gosto de presenciar fatos milagrosos na vida das pessoas e gostei muito por ter posto assim na sua história.
Não desista de escrever.
Você tem um talento maravilhoso.Não enterre seu talento.Um dia as pessoas iram reconhecer, mas Deus já reconhece que você tem trasmitido a palavra d'Ele através de suas histórias.

as linhas dos meu mundo disse...

Olá.. belíssimo este cap!!!
me emocionei muito com a conversão de Marisa e de Vitório.. e foi realmente triste a morte dele.. tão prematuramente!! Nós, naturalmente, não sabemos lidar com a mortee.. é algo que está mesmo fora do nosso alcançe de entendimento
mas.. como eu ouvi ainda ontem: nessas situações não devemos perguntar a Deus "por que", mas "para quê" isso?

vou continuar..