sexta-feira, 17 de abril de 2009

CAPÍTULO XII UM DIFÍCIL RECOMEÇO

CAPÍTULO XII
UM DIFÍCIL RECOMEÇO
Um novo ano começa, e velhos problemas se repetem; embora Vitor até chegue a prometer não beber mais, tudo é em vão, pois não resistia aos convites dos “amigos”.
Helena procura seguir sua vida de forma resignada, mas vendo que a situação chegava a um nível cada vez mais difícil de tolerância, vê como uma estratégia sair nos fins de semana com os filhos e começa a levá-los para o sítio de uma amiga na zona oeste.
Devido à sua persistência em ir ao ALANON, permanecia firme no propósito de não brigar com Vitor e não questioná-lo em relação à sua resistência em recuperar-se do alcoolismo.
Embora algumas vezes distante, Helena sentia saudade de Vitor, do seu jeito engraçado, mesmo quando bêbado em momentos que a bebida não fazia nele um efeito agressivo.
Numa de suas saídas, Helena, na casa de sua amiga Joyce, ouvia atentamente ao rádio, prestando atenção numa música.
- Quanta concentração. – comenta Joyce.
- Ah...
- Esta música diz alguma coisa a você?
- É...Uma das minhas músicas com o Vitor.
- Que privilégio, vocês não são casal de uma música só.
- Pois é...
- É, você está aqui, foge dele, mas não esquece dele.
- Que fazer.
- Não posso nem opinar, não há um antídoto antipaixão.
- Olha, Joyce, eu já quis jogar tudo pro alto, mas quando eu vejo a Bertinha e a Celinha... – o Allan nem tanto, é muito pequenino embora sinta a falta do pai – Será que a gente deve pensar tanto assim nos filhos?
- Ah... Deve! – incentivou Joyce. – Se o casamento não dá certo, pelo menos restam eles de bom.
- O seu caso é diferente Joyce. O Vitor nunca me traiu.
- Bem... Você tem certeza?
- Se ele fez, fez muito bem feito. Ele está sempre com os amigos.
- Os “amigos”, Helena, são unidos na hora da traição. Você acha que algum “amigo” do Vitor diria para você: “Helena, Vitor está traindo você”.
- Não acho, mas eu conheço, por exemplo, aqueles gêmeos, Olavo e Otávio e acredito que se eles soubessem, não o apoiariam.
- Como você é ingênua, Helena! Homem é tudo igual.
- Joyce, você está descrente por causa do seu casamento que acabou por causa de traição. Não são todos iguais, não.
- Espere, pra ver.
As palavras de Joyce pareciam duras demais para Helena, que apesar de chegar aos 30 anos com um casamento marcado por frustrações, até insatisfações pelo jeito acomodado do marido, suas bebedeiras, conservava ainda algum romantismo e esperança, crendo que um dia tudo ainda cessaria.
Helena via que estava fugindo, pois no íntimo sabia que qualquer pessoa de bom senso diria o que outras já haviam lhe dito: “Separa!” “Este cara não tem jeito, é um acomodado!” “Para de pensar nos filhos, na família dele, pensa em você!” Helena ficava com a mente atordoada, não conseguia saber o que fazer, o que deveria fazer. Apesar do comportamento de Vitor incomodá-la, não era fácil, mesmo não vendo possibilidade de mudanças, tirá-lo de repente de sua vida. O menino “mal educado”, o rapazinho idealista, contestador, o apaixonado jovem que ao atingir a maioridade retornava após um exílio de quase 5 anos e com seus olhos castanhos penetrava nos seus verdes, declarando: “Eu vou me casar com você”. Não, Helena não poderia deixá-lo.
Várias vezes ela chegara a ameaçá-lo disto e ele, no estágio de depressão, quando a bebida tomando todo o seu ser, já havia mandado a euforia embora chegava a implorar-lhe que não o fizesse. Quantos sentimentos confusos: amor, mágoa, revolta. Sentia-se usada, manipulada pelo marido, influenciada por terceiros. Ao final de tudo, sem ação.
- Eu vou parar de beber, Lelê.
- Vitor, não prometa para mim, mas para si mesmo. – era o que restava dizer. Ele tinha que ter a consciência exata do que deveria fazer, não para agradá-la, mas para viver bem, primeiramente consigo mesmo.
O ano mal começara, Vitor continuava do mesmo jeito e a relação do casal cada vez mais estagnada.
Tudo levava a crer que seria mais um ano como todos, mas, Eglantine contraíra um câncer, detectado um pouco tarde. Este se intensifica e as despesas do colégio vão aumentando em decorrência do tratamento de saúde que exigia muitos gastos.
Eglantine falece e com ela o estabelecimento. É uma perda mais do que dupla para os professores, alunos e todo o corpo administrativo. Francine reúne todos e comunica a triste decisão:
- Gente, eu não sei nem como começar. A perda que sofremos foi total e irreparável. Eglantine fez falta em todos os sentidos. Era uma pessoa admirável, muito mais que uma amiga, uma irmã, uma mãe para muitos alunos, colegas e professores. Eu sei o que todos estão sentindo, a nossa dor é a mesma. Não temos mais o nosso “braço forte”. Infelizmente, os gastos com a doença foram muitos. Nosso colégio nunca foi uma

fonte excelente de lucro. Não há outra saída a não ser aceitar a proposta de uma empresa que quer comprar o prédio e fazer um empreendimento no local. Assim, nós poderemos pagar aos professores indenização e saldar as dívidas do tratamento de Eglantine. Amei todos os momentos em que estivemos juntos neste colégio. Nós, com todas as nossas diferenças, soubemos ser uma família. Não vamos deixar de nos ver. Como uma grande família que um dia separa-se porque é natural que cada um siga seu rumo, ainda havemos de nos encontrar. Agradeço a todos os serviços, dedicação, amizade, apoio aos alunos, que para nós são como filhos. Sem vocês, nada seria possível. Somos parte um do outro. É muito difícil a separação, mas não há outra saída.
Era mais um fim. Um fim na vida de muitos, uma continuação para outros, um grande recomeço para alguns, inclusive para Vitor.
Com a situação do fechamento da escola, a situação financeira do casal Vitor e Helena, agravava-se. Não há outra saída senão vender o apartamento e iniciar uma vida nova, num lugar onde pudessem viver uma vida sem muitos gastos e construir um futuro para os filhos.
O casal Carajás oferece aos dois a casa de Sepetiba, que quase não era utilizada, senão para férias de veraneio.
Marisa via sua vida mudar também, pois Genaro e Soraya, após um ano de noivado sério, casavam-se.
Conceição realizava seu sonho: a filha era entregue intacta a um jovem trabalhador, responsável e honesto, provando seu amor pela jovem, que largava a carreira de modelo para vir a desempenhar não por imposição, mas por prazer o papel de esposa e futuramente o de mãe. A bela cabocla teria uma vida de conforto, bem estar, muito diferente da que a mãe levara, criando-a sem pai, sacrificando-se para que ela crescesse bem amparada.
Tudo parecia bem para os outros irmãos de Vitor, que assim como Genaro tinham as obras de suas mansões no mesmo terreno bem adiantadas.
Paulo e Heloísa iam bem em suas carreiras e Sérgio, agora noivo de Lúcia, casar-se-ia com esta no próximo ano.
A matriarca dos Castelli, via seus filhos seguindo rumos em suas vidas. Ficava feliz pelos outros e pedia a Deus para consolá-la na angústia em relação a Vitor, pelo qual orava sem cessar.
Vitor saíra do CAMEC e recomeçava trabalho com aulas particulares em Sepetiba, onde Helena, tendo o curso normal dava aulas numa escolinha que montara, com a ajuda do pai, que lhe dera um dinheiro, parte de uma herança de uma tia.
Os irmãos Olavo e Otávio, que tinham uma firma de propaganda e uma editora chamam Vitor para trabalhar com eles no seu escritório no Centro da cidade. Felizmente, eram amigos fiéis.
Os de mesa de bar, na hora da dor, sumiam. O amigo Vitor só era querido para financiar as noitadas dos que eram “duros”, ou para “rachar” as bebidas.
Vitor começava a sentir o quanto estava só. Não na realidade por falta de quem o quisesse bem, mas deparava-se com a dura realidade de que para muitos, na realidade o interesse era ter o parceiro no vício, alguém que pudesse afundar no mesmo barco que naufragava no mar da cachaça. Sua solidão era cada vez maior, apesar de Helena e dos filhos.
Olavo e Otávio se faziam cada vez mais presentes como amigos e conhecendo Vitor desde menino, sabiam que ele tinha um potencial escondido, que havia algo dentro dele pulsando, querendo explodir. Como bons e verdadeiros amigos, procuravam despistá-lo da bebida e incentivá-lo no que tinha de bom.
Um dia, observando seus escritos, Olavo indagou:
- Vitor, eu lembro de uma poesia que você escreveu numa mesa de bar que achei maravilhosa. Eu não lembro o nome, mas é uma que você sabe de cor.
- Será que é “Luz da Poesia?”
- Acho que é.
- Recita aí.
- “Quando vemos um sol pela janela, deixemos que ele entre em nosso coração. Se a porta do amor parece fechar, abrimos e expulsamos o sempre não. O dia que chega e traz a alegria esperada e ansiada ao momento final, nos dá a certeza que a vida vivida, é bem tão divino quanto a glória do céu. E no desencanto” do dia após dia “, quando pensamos que tudo acabou, então constatamos que a luz da poesia traz todo o encanto que a vida mandou”.
- Bravo! Excelente! - Olavo aplaude entusiasmado - Você já a registrou?
- Não.
- Pois deveria, porque além de ser muito boa, é um trabalho que não deve ficar por aí jogado. Um dia alguém encontra e se apropria indevidamente. Siga o meu conselho: registre não só esta como todas as melhores poesias que você tiver. Você tem muito talento e não deve desperdiçá-lo. Podemos até editar um pequeno livro de poesias suas. Não é muito dispendioso.
Vitor via uma oportunidade de expressar seu talento. Sentia-se confiante. O entusiasmo, porém, não era muito compartilhado por Helena, que já nos seus desencantados 11 anos de casada, via o marido como um eterno sonhador.
- Lelê, eu estou selecionando minhas melhores poesias.
- Só pensa nisto, hein?
- “Pôxa...” pensei que você ia me dar a “maior força”.
- Vitor, eu não tenho nada contra que você edite um livro, até gosto de suas poesias, mas tenho coisas muito mais sérias pra pensar.

Apesar de um pouco decepcionado com o descaso de Helena, Vitor prossegue a idéia de lançar o livro de poesias e no meio daquele ano lança o livro que teria vinte das suas melhores poesias e com a dedicatória: “Á minha esposa Helena (Lelê, na intimidade) cuja minha vida e inspiração pertencem”.
O lançamento do livro, na própria editora de Olavo e Otávio foi simples, Mas com presenças importantes além dos familiares do autor.
Elisa, que já tinha ao seu lado o “varão dado por Deus” pelo qual tanto orara de nome Josué, comparecia e incentivava o sucesso do amigo.
Aquele “sucesso” era “fogo de palha”, uma vez que os gêmeos tencionaram com o livro, que o amigo pudesse canalizar a sua atenção para algo mais produtivo.
O livro não teve uma tiragem grande e, portanto rendeu pouco ao seu autor.
Vitor continuava trabalhando e... Bebendo. Helena continuava a freqüentar o ALANON, mas não tinha tanto empenho quanto outras esposas, pois na sua maneira de encarar o problema, considerava-o de fato como sendo do marido e não seu.
Por sugestão de muitos, Vitor acaba aceitando visitar os Alcoólatras Anônimos, mas por mera curiosidade, numa atitude de ver: “Qual é a deles.” A teimosia ainda era um de seus maiores defeitos. Até chegava a afirmar: “Antes bêbado conhecido do que alcoólatra anônimo”. Seu espírito galhofeiro ainda permanecia latente. Porém, mal sabia ele que espírito na realidade era este.
Como em todo o fim de ano, as famílias reunidas fazem suas festas e com a do clã Castelli não seria diferente, apenas com uma novidade: o Reveillon daquele ano seria no recém – inaugurado SOLAR CASTELLI, que abrangia as três mansões num vasto terreno do Recreio, com piscinas, sauna, churrasqueira, quadra de tênis, porteiro eletrônico, salões de festas e muito verde emoldurado por lindos jardins.
Enquanto o primogênito decaía, os outros irmãos festejavam a acelerada e infinita ascensão.
Como não poderia deixar de ser, mais motivos para beber: inveja, mágoa, complexo de inferioridade. Uma falsa alegria toma conta de Vitor, que eufórico grita no meio de vários “socialites”:
- Viva a democracia! Viva Tancredo! Diretas já!
- Que cara chato! – Alguns comentavam. Helena, sentindo-se humilhada, vendo o marido como alvo de zombarias, não agüenta e fica dentro da mansão de Soraya, acompanhada por esta e Heloísa.
- Helena, não “esquenta”. É fim de ano, isto é natural, ninguém está ligando.
- Não queira me consolar, Soraya. Eu vi pessoas debochando dele. É duro.
- Fica calma minha irmã. O Paulo vai trazê-lo pra dentro, o Genaro ajuda. – lá fora, Genaro, Paulo e Sérgio trazem o irmão para dentro quase a força, embora Paulo e Genaro sejam mais duros, Sérgio procura ser tolerante com o irmão, que já começava a sentir-se vencido pelo excesso de bebida.
- Você vai tomar este café – grita Genaro – Como você pode fazer isto comigo, seu próprio irmão? Tem gente importante aqui. Pessoas com as quais estou fechando negócios.
- Vê se toma jeito, Vitor. – reforça Paulo.
- Vitor, pôxa mano. Estou triste com isto. – lamenta Sérgio - Você é o meu exemplo de homem desde menino. Papai morreu quando eu tinha 14 anos. Você ficou sendo como que um pai para mim. Não se destrua assim, meu irmão.
- Eu estou acabado... – Vitor começa a chorar. – Cadê a Lelê?
- Você não vai falar com sua mulher neste estado – adverte Genaro.
- Vitor, você vai subir com a gente – ordena Paulo – mais tarde fala com a Helena. Agora deixa sua mulher em paz. Você já fez muito mal a ela noutras vezes e não vai mais fazer agora. Se você ainda quer salvar seu casamento, vai subir, tomar um banho, deitar e esperar amanhecer de “cabeça fria!”
A resistência de Vitor era imensa, mas Genaro e Paulo conseguiriam dominá-lo. Heloísa, também “dava duro”:
- Cunhado, se você não nos atender, vou usar de força, dou-lhe um golpe de karatê. – Heloísa ameaça.
- Não enche! – replicou Vitor agressivamente.
- Genaro! – Heloísa chama - ao ver o irmão, Vitor recua. – Genaro e Paulo levam-no para cima e jogam-no no chuveiro frio. Depois de horas de sono, Vitor levanta tonto às 2 horas da tarde. Soraya está coordenando a arrumação da mansão depois da festa, dando instruções a empregados e vê Vitor.
- Oi cunhado.
- Oi...
- Vitor, que “papelaço!”
- Desculpe.
- Olha, não peça desculpas a mim, mas a si próprio. Depois, lembre-se de pedir à sua mulher e aos seus filhos. Eles não merecem isto. Você também não deve fazer isto consigo mesmo, está se destruindo. Quando você parar e refletir, pode não ver mais nada na sua frente, porque eu francamente confesso que não suportaria o que a Helena suporta. Um dia ela cansa de vez e você ainda vai chorar muito por não ter conseguido se dominar. Estou falando com você isto, porque quero o seu bem. A minha mãe teve um irmão alcoólatra, era um bom homem, mas um dia viu-se só e morrendo de cirrose hepática. Você ainda tem chance, tem gente que o ajuda. Eu estou vendo seus irmãos ficarem cansados disto, sua mãe sofrendo. Pense em quantos o querem bem. Está difícil por causa do seu vício que consiga até um bom emprego! Olha lá, você já tem 33 anos! Neste país, as chances são poucas para as pessoas nesta faixa de idade. Você

tem qualidades, tome uma decisão. Soube que você já foi aos Alcoólatras Anônimos e não gostou. Eu digo que já sei por quê: por que você viu pessoas que já se comprometeram a sair do vício, outras que já saíram dele e você não aceita que o tem. “Toma tenência, rapaz!”
Refletindo sobre as palavras de Soraya, Vitor sente-se envergonhado. Quando volta para casa, Helena não se dirige a ele e Bertinha fala com o pai:
- Pai, a mamãe tem razão em não querer falar com você. “Tava cheio de gente” lá, rindo de você. Você não pensou na gente. Pai, eu só tenho 10 anos, mas eu sei que uma coisa eu nunca vou fazer na vida: beber. Só de ver o que acontece a você, eu tenho nojo de bebida. Pai será que nem se eu pedir, você consegue parar de beber?! Por favor, pai! – Bertinha fica às lágrimas e Vitor ajoelha-se a abraçando desesperado.
- Filhinha, eu vou tentar...eu tenho medo de prometer e não cumprir. – Helena ouve escondida a conversa e também tem vontade de chorar, mas fica firme. Estava decidida a endurecer para que Vitor mudasse de atitude. Se ele não mudasse, pelo menos ela o faria. Sentia que teria que lutar pelo casamento até onde pudesse, pois sabia que os filhos sofreriam com a separação.
Vitor consegue durante algum tempo parar de beber. Ele e Helena vão aos poucos começando a se entender e procuram não ir aos lugares onde houvesse bebidas. Vitor continua a ir aos Alcoólatras Anônimos, porém ainda como mero espectador, ouvindo os depoimentos, mas nunca aceitando dar a palavra. Na realidade, Vitor tomava uma atitude de “quebrar o galho”, se bem que durante algum tempo conseguiria não beber.
Durante as férias dos filhos, Vitor aproveita para dedicar-se mais a eles e ajudar Helena, que pelo serviço doméstico e os afazeres com a escolinha, sentia-se exausta.
Como Olavo e Otávio eram na realidade amigos e não patrões, numa de suas idas ao escritório que ficava mais sob sua responsabilidade do que a dos gêmeos leva suas filhas, que acham tudo uma novidade. Precisando descer, Vitor avisa:
- Gente, eu vou precisar descer. Como sei que não devo deixar as duas sozinhas, você que é a mais velha fica aqui, Bertinha, enquanto eu desço com a Celinha.
- Ah, pai, sempre eu? – reclama Celinha.
- Eu te dou uma coca-cola. – sussurra Vitor ao ouvido de Celinha.
- Ah, tá!– responde ela animada.
- O que foi que você falou pra Celinha? – pergunta Bertinha enciumada.
- Segredinho nosso – despista Vitor.
- Ela não queria ir e mudou logo!
- Vamos lá, Celinha.
Os dois divertem-se e depois do lanche tem uma idéia:
- Quando a gente subir, vamos “atiçar” a sua irmã; você diz que eu dei coca-cola e agente leva um pacotinho desses sonhos pequenininhos pra ela.
- Tá. – Ao subir, Celinha faz uma pose, cheia de si e fala:
- Saí com meu pai porque ele me deu coca-cola.
- Eu sabia!
- E sonho.
- Trouxemos pra você.
- Oba! – Bertinha mete a mão no saquinho e lambuza-se de sonhos.
Na família Castelli, não há muitas novidades.
No clã dos Carajás, sim, pois sua filha caçula Hélida (Lili) dá a luz a sua primeira filha: Mariana.
Nos fins de semana, ainda nas férias dos filhos, Vitor e Helena vão à casa de Marisa, a avó sempre presente e incansável que recebia sempre filhos e noras com um banquete.
Vitor, numa bela tarde ensolarada de sábado, vai com as filhas andar de bicicleta na Lagoa, enquanto Allan fica com a mãe na casa da avó.
Bertinha e Celinha divertem-se, apostando corrida, mexendo com as pessoas e até cantando quando vêem outras meninas de bicicleta, cantando: “Menina vai, com jeito vai, se não um dia, a casa cai”. Tudo parece bem, quando Vitor encontra um amigo.
- Vitor?
- Oi, Humberto.
- Você engordou um pouco hein?
- “Desemagreci”, você quer dizer.
- Sempre piadista. Seus filhos estão aí?
- Só as meninas, o meu caçula está com a Lelê na casa da minha mãe.
- Estão grandes, hein?
- A mais velha, a Bertinha, cresceu mais, está com 11 anos e a outra, a Celinha, vai fazer 8.
- Sei... – os dois continuam conversando, passando por um lado da Lagoa onde há uma ponte inclinada. Como Celinha está dirigindo a bicicleta mais acelerada, não consegue frear e esta vira fazendo a menina cair-
- Cuidado! – grita apavorada uma mulher que passava do outro lado – Celinha fere a têmpora esquerda e Vitor, que não tivera tempo de impedir a queda da filha, vai desesperado em seu socorro, pegando-a no colo. Celinha chora muito de dor.

- E agora? – Vitor fica sem saber o que fazer.
- Tem um atendimento médico neste clube aqui perto. Vamos lá, Vitor! – sugere Humberto.
Enquanto isto, Helena está despreocupada na casa de Marisa, conversando com Tonha.
- Como está tudo?
- É, bem na medida do possível.
- O Vitor não está bebendo, está?
- Pelo menos por enquanto, não.
- Creia que ele já parou.
- Eu confesso que não tenho a mesma fé que vocês. Prefiro ser mais realista e crer no que vejo, sem esperar pelo que ainda não vi acontecer para não me decepcionar. Eu estou levando.
- Helena, ele vai parar de beber, eu creio nisto, Marisa também.
- Sabe, Tonha, eu acho que ainda não me separei do Vitor, porque ele tem ainda um lado muito romântico.
- Por que você diz ainda?
- Por que eu não sinto que eu ainda seja romântica. Eu estou ficando cheia. Ele continua fazendo poesias pra mim, continua carinhoso. Às vezes até enche, porque é “melado” demais.
- Ele a ama como você é, procure aceitá-lo com os defeitos e qualidades dele. Ele sempre foi um bom menino, até muito melhor do que os outros. O Vitório era muito exigente com e ele, porque ele sempre foi polêmico, sempre foi contrário às normas rígidas, mas eu digo: no que ele tem de bom, foi aperfeiçoado, os irmãos, depois que começaram a ganhar dinheiro, ficaram de um jeito, que nem a Marisa está reconhecendo. O Sérgio eu não incluo, porque está bem de vida, mas é outro temperamento. Está apaixonado, vai casar. Mas o Paulo e o Genaro estão ficando cheios de si, o Genaro então parece que se acha dono do mundo.
- Mas também está feliz.
- Está feliz, mas está dando pra ficar esnobe. Eu não fui ao Reveillon dele porque em primeiro lugar gosto de passar na igreja e depois, não me sentiria bem no meio daquela “granfinada”.
- A Soraya sentiu sua falta.
- Mas ela é um amor, uma pessoa humana, que veio de uma origem pobre e não ficou metida. Eu já conheci o “Solar”, achei uma beleza, mas eles, parecem que esqueceram desta negra que ajudou a criá-los como filhos. Com exceção do Vitor e depois do Sérgio, sinto uma diferença muito grande.
- Não esquenta com isto, Tonha.
- Minha querida, eu oro por todos eles. Deus não faz acepção de pessoas, apesar do ser humano fazer.
- Eu estou começando a ficar preocupada. O Vitor está demorando muito. Será que ele foi beber outra vez?
- Junto com as meninas, Helena? Ele não seria tão irresponsável.
- Eu espero por tudo, Tonha. Ele pode ter encontrado algum amigo e... Sei lá...
- “Esfria”, minha querida.
Pouco depois, quando Helena vai ficando mais apreensiva, chegam Vitor, Bertinha e Celinha, com um curativo e Humberto acompanhando os três.
- Que foi isto na minha filha?! – exclama Helena assustada.
- Lelê, eu posso explicar...
- Começa a explicar logo!
- Calma, ela levou um tombo da bicicleta.
- Seu irresponsável! – Helena parte para cima do marido e Humberto procura ajudar.
- Calma, Helena, estas coisas acontecem.
- Acontecem? Minha filha podia ter morrido! O lugar onde ela feriu é muito perigoso! Aposto que vocês ficaram batendo papo e deixaram a menina pra lá.
- Mãe, ela estava dirigindo a bicicleta muito rápida numa ponte muito inclinada. Não foi culpa do papai. – defendeu Bertinha.
- Puxa bastante o saco do seu pai, puxa! Queria ver se tivesse sido pior! Ainda bem que o Allan ficou aqui comigo!
- Minha querida, não fique assim, foi um livramento de Deus. – contemporiza Marisa.
- Ah, Marisa! Não me vem com esta conversa! Você está querendo botar “panos quentes no seu filhinho!”
- Gente! Vamos acabar com esta discussão. – interfere Tonha – foi desagradável, o Vitor não vigiou, mas o amigo dele ajudou. Podia ser um daqueles que quando acontece alguma coisa cai fora e não foi assim. Eu agradeço a ajuda dele em nome de todos, porque a Celinha está bem e mesmo que você não acredite Helena, foi um livramento, porque o Vitor também há muitos anos caiu de bicicleta de uma altura que outro também caiu e acabou ficando dois meses engessado. Vamos entrar, tomar um café e “esfriar a cabeça”.
Helena se acalma, mas não consente mais que Vitor saia sozinho com os filhos sua confiança no marido vai cada vez mais se extinguindo.
Como os familiares pensam em conciliar, vendo que Helena está cada vez mais tensa e cansada, Heloísa e Paulo oferecem ficar com os sobrinhos por uma semana nas férias. Para os três, ficar naquele espaço enorme era melhor do que qualquer outra diversão. Lá, todos se maravilham com o imenso jardim, as piscinas e o contato principalmente com Soraya e Heloísa.

Os tios Genaro e Paulo, não se mostram muito desembaraçados, mas são simpáticos com os sobrinhos.
Coisas engraçadas acontecem, principalmente com Bertinha e Celinha, numa ocasião em que Heloísa deixara as meninas com Paulo, pois saíra com Allan e Daniel.
- Celinha, que acha de deixar o tio Paulo doido?
- Como assim?
- Vamos aproveitar que ele está sozinho com a gente e curtir um pouco com a cara dele, vamos fingir que estamos brigando.
- Vai ser “engraçadão!” – concorda a menina rindo. Bertinha começa encenando a briga:
- Eu te odeio!
- Quem te odeia sou eu! – responde Celinha quase rindo.
- Desgraçada, eu vou te quebrar!
- O que é isto, meninas, parem! – Paulo que estava no seu escritório próximo à sala, corre para separá-las. As duas rolavam no chão fingindo se agredir. – Vocês são irmãs, não briguem! – Paulo fica desesperado.
- Tio! Esta menina é uma chata! Ela vive implicando comigo! Eu vou acabar com ela! – Bertinha joga-se em cima de Celinha, que de tanto rir, finge que está chorando, pois chegara às lágrimas.
- Ela tem inveja de mim! Eu sou mais bonita que ela! – encena Celinha.
- Que é isto, minhas queridas, não briguem! O que eu vou dizer pra sua tia quando chegar?
- Que eu matei esta garota! – responde Bertinha. Novamente se jogando em cima da irmã, que continua rindo, convencendo ao tio que está chorando.
- Viu como esta menina é covarde? Eu sou menor, me salva, tio!
- Parem!!! Pelo amor de Deus, parem!!! – neste momento, chega Heloísa com Allan.
- Mas o que é isto?
- Elas...Elas estavam brigando.
- Elas estavam brigando como qualquer irmã briga e você está com esta cara de quem viu assombração? “Dá um tempo”, Paulo.
- Mas...
- Mas o que?
- Elas estavam se machucando.
- Não tem problema. Eu ainda lembro de tudo que aprendi quando enfermeira, eu prestaria os primeiros socorros se uma esfacelasse o crânio da outra.
- Não brinca com isto, Helô!
- E você, não leve tão a sério.
- Mas Helô...
- Paulo, chega, tá?
- Você tá vermelho, pai. – observa Daniel achando graça.
- Tio Paulo fica engraçado quando nervoso. – se diverte Allan.
As meninas trancam-se no quarto para poder rir.
Quando as crianças retornam, o casal Vitor e Helena, já haviam voltado “às boas”.
Helena resolve viver o momento presente, não se iludindo que o marido, como já haviam prevenido no ALANON, poderia ter uma recaída. Como não o via beber tinha esperanças de que pudesse conscientizar-se do quanto o álcool era prejudicial. Porém sabia, que não bastava falar, ele teria que entender.
Um dia, Elisa vai com o marido Josué e sua filhinha Ester visitar o casal. Pela liberdade que tinha com os dois, pergunta:
- E aí, Vitor, como é que está esta “força?”
- Estou bem.
- Querido, quando você entender o que é Jesus na vida de alguém, vai saber o que é estar bem.
- Ih...Já começou com este papo?
- Vitor, quando você quiser, Jesus está sempre disposto a “bater um papo” com você. Não precisa nem marcar hora.
- Ele vai se materializar é? – debocha Vitor.
- Não precisa. Basta você fazer com Ele como todo aquele que. O aceita como salvador faz: “Eis que estou à porta e bato, aquele que abrir, entrarei e cearei com ele” (Apocalipse, 3; 20).
- Tá...
- Vitor, eu também tive na minha vida razões para não acreditar que o amor de Deus existisse. Eu aos 14 anos fui posta pra fora de casa, porque tinha me envolvido com um marginal, 10 anos mais velho e que, portanto, deveria ter muito mais noção de certo e errado do que eu. Eu comecei a me “virar” cedo, trabalhei em botequim, fui servente em colégio, fui aprendendo a cozinhar e podia ter parado em reformatório, não fosse as pessoas que conheci terem pensado que a minha vida ia acabar se eu tivesse ido para um. Deus me guardou, impediu que isto acontecesse, pra que eu não virasse uma marginal também. Conheci o General e Dona Marta, que foram maravilhosos, me empregando na casa deles, mas tomando afeição a mim. Entenderam que eu era trabalhadora com vontade de vencer. Eu venci, eu estudei, terminei o 2º Grau, coisa que poucas pessoas na minha condição social conseguem. Fiz cursos, aprendi a fazer comida congelada. Hoje, eu tenho um Buffet. Não consegui nada de um minuto pra outro. Tudo veio aos

poucos. Mas, depois que eu conheci Jesus, tudo mudou e o que estava bom, ficou melhor ainda. O que faltava, antes de eu ter o meu próprio negócio, era ter um varão. Deus me deu o Josué. Nós somos felizes e temos uma filha linda cheia de saúde.
- Pra que este discurso todo?
- Pra você entender, que quando você aceitar Jesus, tudo pode mudar na sua vida. Eu O aceitei e a minha vida foi muito mais difícil que a sua. Pra ser franca, Vitor, antes de ter Jesus, eu, que havia dado força pra Lelê casar com você, achava que ela tinha que te largar, porque eu não tinha estrutura pra agüentar seus porres. Pense no que eu disse, porque foi para te abençoar. Depois, não vá se queixar com a Lelê que eu me meto na sua vida. Eu sei que posso parecer chata, sei até que muitas vezes falo até demais. Mas eu prefiro falar pra depois não me sentir culpada de não ter falado. Se eu já o magoei alguma vez, ou se agora eu lhe pareci invasora, a única coisa que posso fazer é pedir perdão. Eu e Deus sabemos qual foi a minha verdadeira intenção.
Apesar de até refletir sobre as palavras não só de Elisa, mas de várias outras pessoas que o haviam alertado, Vitor tinha uma personalidade controversa; o “querer e o não querer parar de beber” “Eu sou assim, mesmo”, “Eu não consigo”, “Será que tenho que parar de beber?” Todas estas idéias conflitantes passavam pela sua mente.
Vitor driblava Helena, bebia quando esta estava longe, pois algumas vezes passava fins de semana no sítio de Joyce com os filhos, quando o marido apresentava irritação pela abstinência da bebida.
Chegava o dia do casamento de Sérgio e Vitor teria que se controlar, pois como em todas festas haveria uma variedade de bebidas. O senhor Antonio Carlos, pai de Lúcia, homem muito bom, humano sabia por Sérgio das dificuldades de Vitor. Com muita sabedoria, fala ao genro:
- Sérgio, seu irmão não é o primeiro nem será o último a ter dificuldades com a bebida. Pode ficar tranqüilo, eu vou dar a ele o que precisa: amizade. Muitas pessoas não aceitam as dificuldades, vícios de parentes. Mas, quando alguém que não está envolvido resolve ajudar, as coisas podem melhorar.
- Ah, “Seu” Antonio Carlos, a coisa não está fácil, meus irmãos já estão saturados.
- Deixa comigo, meu querido.
Realmente, o Sr. Antonio Carlos cumpria a promessa. O que muitos não conseguiam, a maior parte do tempo, passou ao lado de Vitor, conversando com este, instruindo o garçom para passar rápido, sem que desse tempo dele pegar alguma bebida. Quando não pudesse estar, mandava a mulher, Dona Luiza ou a filha conversarem com Vitor. Vitor só conseguiu tomar alguns goles de champanhe na hora do bolo.
- O senhor é esperto, hein, “sogrão?”. – elogiou Sérgio.
- Meu filho, são muitos anos de vivência. Conheci as mais variadas pessoas. O segredo é saber lidar com elas. O seu irmão me passa ser uma pessoa fantástica, o que ele precisa é sentir-se realizado. Precisa ter mais confiança em si.
- O senhor agora disse tudo.
Apesar da estratégia do sogro do irmão caçula, Vitor não estaria livre de recaídas.

2 comentários:

denise beliato disse...

Gostei da poesia.

Bia disse...

quantas reviravoltas!!

gostei da poesia tmbmm ...
puxaa.. O Vitor tem tido muitas oportunidades de enxergar a verdade e se "consertar"..
espero q naum demore muito!! a família tá sofrendo um bocado!